Nanobiotecnologia
e Saúde
Zulmira
Lacava e Paulo Morais
A nanotecnologia está ligada à manipulação
da matéria em escala nanométrica, ou seja, uma escala
tão pequena quanto a de um bilionésimo do metro. Na
escala nanométrica, os átomos revelam características
peculiares, podendo apresentar tolerância à temperatura,
cores, reatividade química, condutividade elétrica,
ou mesmo exibir força de intensidade extraordinária.
Estas características explicam o interesse industrial pelos
nanomateriais que já são fabricados em toneladas para
emprego em cosméticos, tintas, revestimentos, tecidos, catalisadores
ou para proporcionar mais resistência aos materiais.
Multidisciplinar
por natureza, a nanotecnologia tem o potencial de revolucionar amplamente
vários campos tecnológicos e científicos, como
os da biologia, da física, química e engenharia. Quando
aplicada às ciências da vida recebe o nome de nanobiotecnologia.
As proposições da nanobiotecnologia são inúmeras
e falar delas pode, muitas vezes, parecer que se está descrevendo
cenas de um filme de ficção científica.
No
fantástico mundo da nanobiotecnologia será possível
a invenção de dispositivos ultrapequenos que, usando
conhecimentos da biologia e da engenharia, devem examinar, manipular
ou imitar os sistemas biológicos. Assim, superfícies
nanofabricadas com padrões estruturais poderiam fazer crescer
artificialmente ilhas pancreáticas e reverter os efeitos
da diabetes. Outros nanodispositivos poderiam funcionar como kits
de reparo de neurônios para pessoas com mal de Parkinson ou
doença de Alzheimer.
Certos
dispositivos minúsculos seriam capazes de percorrer todo
o organismo para encontrar e destruir vírus ou células
cancerosas, reparar danos feitos pela radiação; outros
poderiam transportar de forma ultraespecífica drogas diretamente
para o alvo. Determinados dispositivos médicos, os nanorobôs,
poderiam ter biomotores empregando energia do próprio organismo
e partes móveis não maiores que uma molécula
de proteína. Alguns deles poderiam ser usados para desobstruir
os vasos sangüíneos.
Biossensores
para poluentes ainda não possíveis com a tecnologia
vigente constituem um outro alvo da nanobiotecnologia; aplicados
à saúde pública, poderiam levar à detecção
de contaminantes bacterianos em água e alimentos, encontrar
melhores formas de detectar baixos níveis de toxinas ou proporcionar
diagnósticos laboratoriais mais rápidos.
De
maneira geral, a nanobiotecnologia poderá levar à
descoberta acelerada de drogas, com menor custo.
Se
por um lado ainda está longe (cerca de 10, 20 anos) a viabilidade
de construção de grande parte desses nanodispositivos,
hoje é bastante plausível o uso de nanossistemas para
veiculação de drogas e tratamento de inúmeras
doenças, como os que se baseiam em lipossomos e nanopartículas.
Estes sistemas ficam especialmente interessantes se forem construídos
a partir de materiais magnéticos.
Uma
simples injeção pode liberar milhares e até
milhões de partículas magnéticas, ou nanoímãs,
na corrente sangüínea de uma pessoa. Essas partículas
poderiam, a seguir, ser conduzidas para uma região específica
do corpo por meio de um campo magnético externo. Uma das
aplicações possíveis para esse sistema constituído
por nanoímãs é o transporte de drogas quimioterápicas
especificamente para a área do tumor, sem que estas drogas
afetem os tecidos normais. Considerando que nos dias de hoje os
quimioterápicos para câncer têm que ser administrados
em altas doses para que possam destruir as células tumorais
e que, sendo altamente tóxicos, acabam afetando também
os tecidos normais do organismo, podendo gerar até mesmo
um câncer secundário, esta aplicação
da nanobiotecnologia assume importância considerável.
É uma forma de se obter a maximização do efeito
da droga, minimizando seus efeitos colaterais.
Uma
outra aplicação interessante para as nanopartículas
magnéticas vem da possibilidade de associá-las a anticorpos
monoclonais, moléculas feitas sob medida para reconhecer
e se ligar às células tumorais. A associação
de partículas magnéticas às células
tumorais aumenta a sensibilidade em exames de ressonância
magnética, proporcionando um diagnóstico mais precoce
de metástases tumorais uma vez que, dessa forma, é
possível a detecção de metástases com
menos de 1mm de diâmetro, o que é impossível
atualmente. Como se sabe, a metástase é um dos graves
problemas associados ao câncer, pois dificulta o extermínio
total das células tumorais. Quanto mais cedo puderem ser
detectadas, maiores as chances de que o tratamento para o câncer
venha proporcionar um resultado favorável para o paciente.
Mas as vantagens desse método não cessam aí.
Uma vez detectada a presença de células tumorais por
sua associação com as partículas magnéticas,
pode-se fazer com que estas partículas comecem a vibrar pela
ação de um campo magnético externo ao organismo.
Essa vibração das partículas magnéticas
dissipará o calor nas células tumorais associadas,
provocando sua lise e morte. O processo, conhecido como magnetotermocitólise
(morte celular por calor gerado magneticamente), é, portanto,
uma aplicação fantástica dos processos nanobiotecnológicos,
pois leva à destruição específica de
células cancerosas, sem afetar as células normais
dos tecidos vizinhos.
Um
dos desafios para o uso das partículas magnéticas
é controlar sua rejeição pelo organismo. Para
tal, elas devem estar recobertas por material biocompatível.
Outro não menos importante é ligar o anticorpo às
partículas magnéticas de forma que ainda continue
apto a encontrar as células tumorais.
Liderada
pela Universidade de Brasília (UnB), esta pesquisa em nanobiotecnologia
empregando sistemas magnéticos é alvo de pesquisadores
das áreas de biologia, física e química que
integram parte da Rede de Pesquisa em Nanobiotecnologia (MCT/CNPq).
A nanobiotecnologia
tem levado à produção de novos materiais e,
como é bastante recente, os riscos para a saúde humana
e ambiente ainda não estão suficientemente avaliados.
Pertencendo a uma escala nanométrica, as partículas
podem atravessar poros e se acumular em determinadas células.
Não se tem idéia dos efeitos de uma longa permanência
de partículas magnéticas dentro do organismo. Por
outro lado, penetrando em bactérias, as partículas
poderiam vir a fazer parte de cadeias alimentares. Alertados para
a necessidade de identificar o impacto dos novos nanomateriais na
saúde, nosso grupo de pesquisa tem feito inúmeros
estudos para melhor conhecer o comportamento biológico desses
novos materiais.
Concretizar
todo o potencial da biotecnologia não será tarefa
fácil. Os nanobiotecnologistas precisarão dos conhecimentos
das áreas envolvidas - biologia, física, química,
farmácia, engenharia - cruzar barreiras, usar as habilidades
e as linguagens das várias ciências que necessitam
para fazer os sistemas vivos e os artificiais trabalharem lado a
lado. Precisarão também dos incentivos e investimentos
no desenvolvimento da área por parte do estado e do setor
produtivo.
Zulmira
G. M. Lacava é pesquisadora do Instituto de Ciências
Biológicas da Universidade de Brasília (UnB).
Paulo
C. Morais é pesquisador do Instituto de Física da
Universidade de Brasília (UNB).
|