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Editorial:
Admirável Nano - Mundo - Novo
Carlos Vogt
Reportagens:
Aplicações tecnológicas dependem de investimentos privados
Nanotecnologia ainda não está no dia a dia das pessoas
Vantagens e riscos da nanotecnologia ao meio ambiente
Fabricação de nanoestruturas
Nos EUA, investimentos podem alcançar os do Genoma
Setor privado internacional é grande investidor
Aplicações militares estão sendo incentivadas no EUA
Nanotecnologia une diferentes visões de ciência
Artigos:
O que é nanotecnologia?
Cylon Gonçalves da Silva
Nanoredes
Marcelo Knobel
Nanotecnologia molecular e de interfaces
Oscar Loureiro Malta
Nanodispositivos semicondutores e materiais nanoestruturados
Eronides F. da Silva Jr.
Nanomagnetismo
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Nanobiotecnologia e Saúde
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Computação Quântica
Ivan S. Oliveira
Nanociência e nanotecnologia
Alaor Chaves
Nanociência e nanotecnologia no LNLS
José A. Brum
Rede de pesquisa em nanobiotecnologia
Nelson Durán e Marcelo De Azevedo
Há mais espaços lá embaixo
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Pós-Realidade
Carlos Vogt
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Nanociência e Nanotecnologia


Alaor Chaves


Há muito sabemos que a matéria é feita de átomos, que se ligam formando moléculas. Muito já se conhece sobre a forma como átomos ou moléculas se agregam - na linguagem técnica, se condensam - para formar sólidos ou líquidos. Com base nesse conhecimento, foram obtidos importantes avanços na ciência e tecnologia dos materiais. Tal tecnologia permite a produção de cristais sintéticos diversos, desde diamantes até os cristais de silício com os quais fabricamos os chips dos computadores, de materiais magnéticos para gravação e armazenamento de dados, de ligas diversas para a indústria mecânica, de materiais plásticos e vítreos, e mais uma grande variedade de materiais com propriedades específicas e otimizadas para aplicações industriais diversas.

Esses materiais já desenvolvidos pelo homem são relativamente simples. Um material cristalino é uma composição de unidades básicas, denominadas células cristalinas, cada uma contendo um pequeno número de átomos, justapostas em um arranjo periódico como tijolos empilhados. Em contraste, em um material amorfo, como são os vidros e também os líquidos, átomos ou moléculas estão dispostos de forma desordenada, aleatória, mas dessa extrema desorganização também resultam propriedades simples, facilmente entendidas. Entretanto, nem tudo na natureza é tão simples. Freqüentemente, a matéria se auto-organiza em estruturas muito mais complexas que as produzidas pela engenharia dos materiais já dominada pelo homem. No ápice dessa complexidade estão os seres vivos. Neles, átomos se combinam em estruturas com uma forma hierárquica de complexidade: aminoácidos se combinam para formar proteínas de enorme diversidade, essas e outras estruturas moleculares formam células e tecidos também muito diversos, culminando em uma unidade capaz de crescer, auto-reproduzir, fazer reparos de danos em si mesmos, e finalmente perder tal capacidade de auto-reparo, com a conseqüente interrupção das funções e a decomposição do organismo.

Recentemente, surgiram a nanociência e a nanotecnologia (N & N), que têm por meta dominar parte, pequena que seja, do virtuosismo da natureza na organização da matéria átomo por átomo, molécula por molécula. Esses dois neologismos derivam de nano, prefixo usado na ciência para designar um bilionésimo. Assim, um nanômetro (símbolo nm) é um bilionésimo de metro. Para termos de comparação, um átomo mede cerca de 2 décimos de um nanômetro e o diâmetro de um fio de cabelo humano mede cerca de 30.000 nanômetros. Assim, a nanociência e a nanotecnologia visam, respectivamente, a compreensão e o controle da matéria na escala nanométrica ou, de forma mais abrangente, desde a escala do átomo até cerca de 100 nanômetros, que coincidentemente é a escala típica de um vírus. Apesar desses desenvolvimentos ainda estarem no seu início, em uma fase exploratória, as possibilidades já parecem quase sem limites e a nanotecnologia promete ser uma grande revolução tecnológica.

Um dos feitos mais importantes para o desenvolvimento da N & N foi a invenção em 1981 do microscópio de varredura por tunelamento eletrônico (scanning tunneling microscope - STM) por Gerd Binning e Heinrich Roher, do laboratório da IBM em Zurique. A concepção do STM é bastante simples. Uma agulha extremamente fina, cuja ponta é constituída de alguns poucos átomos ou até mesmo de um único átomo, "tateia" uma superfície sem nela tocar, dela afastada de menos de um nanômetro. Durante a varredura da agulha, elétrons tunelam (tunelamento é uma forma de movimento de origem quântica que ocorre na escala atômica) da agulha para a superfície e com base nessa corrente de tunelamento um computador constrói uma imagem extremamente ampliada da superfície, na qual ficam visíveis os seus átomos. Dessa forma, pela primeira vez o relevo atômico da superfície de um corpo pôde ser visto e investigado.

O STM deu origem a uma família de instrumentos de visualização e manipulação na escala atômica, coletivamente denominados microssondas eletrônicas de varredura (scanning probe microscopes - SPM). Além da visualização nanométrica de uma superfície, os SPM permitem manipular átomos e moléculas, que podem se arrastados de um ponto e depositados em outro ponto previamente selecionado. Em um sentido figurado, os SPM podem operar como pinças capazes de manipular átomos e moléculas. Isso foi demonstrado de forma espetacular em 1990, quando Donald Eigler e Erhard Schweizer, do laboratório da IBM em Almaden, Califórnia, escreveram o logotipo IBM precisamente posicionando 35 átomos de xenônio sobre uma superfície de níquel, como se vê na Figura 1.

Uma série de desenvolvimentos referentes à construção de estruturas na escala nanométrica contribuíram decisivamente para o advento da N & N. O primeiro deles foi a invenção da epitaxia por feixes moleculares (molecular beam epitaxy - MBE ) nos anos 1970s. Tal técnica consiste na produção de filmes cristalinos pela exposição de um substrato cristalino, aquecido e sob condições de ultra-alto vácuo, a feixes atômicos ou moleculares. Hetero-estruturas de filmes alternados com composições distintas (por exemplo, GaAs e AlGaAs) e espessuras nanométricas podem ser produzidas com controle de suas espessuras na escala atômica; ou seja, a espessura de cada camada pode ser predefinida e controlada com a precisão do tamanho do átomo. Na direção do crescimento tais hetero-estruturas são sistemas nanométricos, mas no plano ortogonal a essa direção são filmes macroscópicos, na escala de centímetros. Técnicas de litografia utilizando feixe eletrônico permitem recortar os filmes superpostos e dessa forma fabricar estruturas nanométricas nas três dimensões. O resultado são as chamadas caixas quânticas, ou pontos quânticos. Essas caixas quânticas apresentam fenômenos de natureza intrinsecamente quântica com enorme potencial de aplicação em nanotecnologia. Caixas quânticas podem também ser produzidas por processos de segregação de materiais distintos durante o crescimento epitaxial, por outras formas de crescimento ou até mesmo por métodos de síntese de materiais, em decorrência de auto-organização espontânea. A Figura 2 mostra uma caixa quântica de germânio, em forma de pirâmide, produzida por auto-organização espontânea durante crescimento por MBE. A auto-organização espontânea é uma classe muito ampla de fenômenos que tem exploração crescente em N & N.

Parte muito significativa da N & N concentra-se na criação de novas moléculas com arquiteturas muito especiais, do que resultam propriedades também muito especiais. Esse é um campo muito amplo e interdisciplinar envolvendo a química, a física, a bioquímica, a biofísica, a engenharia de materiais, a ciência da computação e a medicina. Grande esforço está sendo concentrado na invenção e produção de moléculas cuja arquitetura faça com que elas se auto-organizem em estruturas maiores, similarmente ao que ocorre com as moléculas biológicas. As possibilidades vislumbradas são de tirar o fôlego: computadores moleculares muito mais poderosos, catalisadores nanométricos mais diversificados e eficientes, materiais avançados para próteses, e até anticorpos sintéticos capazes de encontrar e destruir vírus ou células cancerígenas onde eles se encontrem no corpo. Na verdade, toda a farmacologia pode obter avanços revolucionários advindos da N & N: os princípios ativos das drogas podem ser agregados à superfície ou encapsulados no interior de macromoléculas projetadas para serem absorvidas por órgãos específicos do corpo, ou por órgãos afetados por determinadas doenças, onde finalmente liberarão a droga. Dessa forma, doses muito menores de drogas podem se tornar efetivas, com a conseqüente drástica redução dos efeitos colaterais.

Uma das vedetes das novas moléculas são os nanotubos de carbono (Figura 3), criados em 1991 por Sumio Ijima, da NEC. Esses nanotubos são formados por folhas de átomos de carbono, em um arranjo hexagonal, que se enrolam para formar um espaguete com diâmetro tipicamente entre um e dois nanômetros. Os espaguetes podem ser muito longos e se fecham por átomos de carbono em arranjo pentagonal. A parede do espaguete pode conter mais de uma folha de átomos, mas desde 1993 já se controla a técnica de síntese de espaguetes de uma única folha, ou seja, espaguetes cujas paredes têm apenas uma camada atômica. Propriedades importantes dos nanotubos são determinadas pelo seu diâmetro e pela sua quiralidade, ou seja, pela forma como os hexágonos de átomos de carbono se orientam em relação ao eixo do tubo. Esforços são empreendidos no sentido de se controlar tais propriedades no processo de síntese ou por seleção posterior à síntese.

Os nanotubos de carbono podem vir a ser uma verdadeira maravilha de 1001 utilidades. Uma aplicação que seguramente será implementada no curto prazo é a aglomeração texturizada de nanotubos para a composição de materiais cinco vezes mais leves e vinte vezes mais resistentes que o aço, além de capazes de operar sob temperaturas três vezes mais elevadas. Materiais com tais propriedades revolucionarão a indústria mecânica, especialmente a de veículos terrestres, aéreos e espaciais, que se tornarão muito mais duráveis, leves e eficientes no uso da energia de seu combustível.

Outras aplicações mais avançadas dos nanotubos envolvem o conceito de funcionalização: moléculas já existentes ou especialmente projetadas são afixadas em pontos predeterminados dos nanotubos com o objetivo de realizar funções ou operações muito especiais. Alguns feitos muito importantes e promissores já foram realizados com nanotubos funcionalizados. Por exemplo, com tais nano-objetos já se conseguiu realizar operações características de dispositivos fundamentais da microeletrônica, tais como transistores e diodos. Isso aponta para uma microeletrônica de nanotubos, com a qual poderão eventualmente ser construídos computadores muito mais possantes. Nanotubos já estão também sendo usados como agulhas em microssondas eletrônicas de varredura e em sistemas de de-ionização da água. Essa última aplicação tem concepção muito simples. Nanotubos são afixados por uma das extremidades a uma placa metálica, como cabelos de diâmetro nanoscópico. Uma fração, ainda não controlada, desses nanotubos são condutores de eletricidade. Tem-se assim uma terminação elétrica com enorme área específica, de metros quadrados por miligrama. Se duas placas paralelas, orientadas de forma que os "cabelos" fiquem voltados para o espaço interior a elas, são eletrificadas com polaridades opostas, como em um capacitor, e imersas em água, os íons livres na água irão aderir-se aos nanotubos com carga oposta aos seus. A grande área específica dos nanotubos permite a coleta de enorme quantidade de íons e somente é despendida a energia elétrica necessária para vencer a resistência elétrica dos tubos. Com tal aparato já se consegue dessalinizar água do mar com custo energético pelo menos dez vezes menor do que o processo convencional mais econômico, o da osmose inversa.

Na área de materiais, o potencial da N & N é imenso. Novas cerâmicas, polímeros e borrachas serão desenvolvidos, com propriedades superiores aos já existentes. Além do mais, a própria forma de produção dos materiais sofrerá transformações profundas.

Resumindo, a nanotecnologia será uma revolução tecnológica de grande abrangência e de impacto talvez sem precedentes na história. Ela é o passo final, ou quase, na busca pelo homem do controle sobre a matéria, o controle átomo por átomo, molécula por molécula. Enfim, a engenharia na escala atômica, a escala última da matéria ordinária. Suas conseqüências serão enormes avanços no bem estar material das pessoas e na sua saúde, e redução do impacto da atividade industrial sobre o planeta, tanto pela produção de bens mais duráveis quanto pela maior eficiência na utilização da energia.

Figura 1 - Engenharia na escala atômica - Em 1990, 35 átomos de xenônio foram arranjados sobre uma superfície de níquel para compor o logotipo da IBM. Com manipulação nessa escala, moléculas podem ser fabricadas, ou modificadas, átomo por átomo.


Figura 2 - Uma pirâmide nada faraônica - Em crescimento por epitaxia por feixes moleculares, átomos de germânio auto-organizaram espontaneamente sobre uma base de silício para formar essa nanopirâmide. A auto-organização espontânea, que acabou gerando o fenômeno da vida, é mais comum na Natureza do que se pensava. Isso tem enorme importância e abre muitas possibilidades na N & N.


Figura 3 - Nanotubo de carbono - Folhas de arranjos hexagonais de átomos de carbono se enrolam para formar tubos longos, mas com diâmetro tipicamente entre 1 e 2 nanômetros. As extremidades, não mostradas na figura, são compostas de átomos em arranjo pentagonal. Essa surpreendente "macromolécula" é uma das vedetes da N & N.


Alaor Chaves é professor da UFMG e Coordenador do Instituto do Milênio de Nanociências - Ministério da Ciência e Tecnologia

 
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Atualizado em 10/11/2002
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