Rede
cooperativa para pesquisa em nanodispositivos semicondutores e
materiais nanoestruturados (NanoSemiMat)
Eronides
F. da Silva Jr.
As
perspectivas recentes em Nanociência e Nanotecnologia (N&N)
têm levado a um crescente número de iniciativas na
área por todo o mundo. Dados recentes acerca de investimentos
para pesquisa em Nanociência e Nanotecnologia apontam para
um investimento governamental da ordem US$ 1,5 bilhão no
ano de 2001 em todo mundo. Os Estados Unidos da América,
Japão e Comunidade Européia lideram a grande parte
desse investimento nas fronteiras da pesquisa, varrendo e superpondo
diferentes áreas tais como a pesquisa fundamental, materiais
nanoestruturados, eletrônica molecular, eletrônica de
spins, bio-engenharia, computação quântica,
modelamento e simulações, nanorobótica, nanoquímica,
nanofabricação etc. Tais iniciativas refletem o caráter
estratégico da Nanociência e Nanotecnologia para o
avanço do conhecimento e potencialidades de seu grande impacto
social nos anos e décadas que estão por vir.
Em
2001, o governo brasileiro lançou o Programa Brasileiro de
Nanociência e Nanotecnologia, que se iniciou com a formação
de quatro redes nacionais para pesquisa cooperativa cujos focos
iniciais foram nanodispositivos semicondutores, materiais nanoestruturados,
nano-biotecnologia, e nano-tecnologia molecular/interfaces. Além
da formação dessas redes de pesquisa, o Ministério
de Ciência e Tecnologia criou o Instituto do Milênio
para Nanociências (2002) e, em 2003, espera-se a criação
do Centro Nacional de Referência em Nanociência e Nanotecnologia,
a despeito do fato de que os investimentos iniciais na área
no Brasil têm sido extremamente ínfimos face ao contexto
internacional.
O nascimento
das nanoestruturas e nanodispositivos semicondutores, é relativamente
recente, tendo se desenvolvido com maior aceleração
a partir do final dos anos 80.
Os
primeiros dispositivos semicondutores remontam a 1947, quando W.
Schockley, W. Brattain e J. Bardeen nos EUA tiveram sucesso em fabricar
o primeiro transistor de estado sólido. Os transistores são
as unidades fundamentais que compõem os microprocessadores,
hoje presentes em todos equipamentos eletrônicos digitais,
circuitos de memória de PCs, equipamentos de CD, TV e vídeo
etc. Àquela época, as dimensões dos transistores
eram de alguns centímetros (centésimos de 1 metro).
Com
a evolução tecnológica nos anos 50 e 60 já
se fabricavam dispositivos semicondutores com dimensões de
milímetros (milésimos de 1 metro) e de alguns mícrons
(milionésimos de 1 metro). Os primeiros rádios portáteis
tinham essa tecnologia. Foi a era de ouro para a corrida à
miniaturização dos dispositivos semicondutores e que
levou ao desenvolvimento de aparelhos elétricos e eletrônicos
cada vez mais compactos como telefones, aparelhos de som, TV e de
vídeo digitais, os quais só vieram a tornar-se comerciais
a partir das décadas de 70 e 80.
A revolução
da miniaturização continuou nas décadas de
70 e 80, quando iniciou-se a fabricação de dispositivos
e circuitos integrados digitais contendo componentes com dimensões
sub-micrométricas (menores que 1 milionésimo de metro).
As primeiras calculadoras digitais possuíam essa tecnologia.
A partir
da segunda metade dos anos 80, começam a surgir pesquisas
para o desenvolvimento de dispositivos semicondutores na escala
nanométrica (1 nanômetro = 1 bilionésimo de
metro). Nos últimos anos mais avanços tecnológicos
têm permitido o desenvolvimento de uma nova área na
ciência, que é multidisciplinar e abrange as atividades
na tecnologia da informação, ciências exatas,
ciências biológicas e engenharias: a Nanociência
e Nanotecnologia. Ela trata de aplicações e desenvolvimentos
de nanoestruturas e nanodispositivos ultilizando-se das propriedades
físicas, químicas, elétricas e óticas
de novos materiais e materiais avançados, e que resulta em
uma maior miniaturização de dispositivos e sensores
e presentemente a pesquisa de ponta realizada em todo o mundo requer
a manipulação da matéria em nível
atômico e molecular.
Entretando
a Nanociência e Nanotecnologia não restringe-se apenas
aos materiais e dispositivos semicondutores, envolve materiais plásticos
(polímeros), cerâmicas, materias isolantes e materiais
metálicos de alta resistência e confiabilidade, materiais
biológicos entre outros, por exemplo. O impacto da Nanociência
e Nanotecnologia na sociedade reflete-se com os avanços recentes
nas tecnologias de comunicação: fibras óticas
e telefonia celular avançada são exemplos desses impactos.
Mais recentemente, avanços em nanomateriais e materiais nanoestruturados
permitiram o desenvolvimento de novos tipos de lasers, como é
o exemplo do laser no azul (luz de cor azul), assim como aumento
nas densidades e capacidades de armazenamento de dados digitais.
Em poucos anos, teremos disponíveis comercialmente aparelhos
de CD/DVDs com capacidades para armazenar centenas de Gbytes de
informação. Isto permitirá, por exemplo, que
em um único CD ou DVD se armazene informações
sobre toda a vida de um indivíduo ou família, ou também
ter-se toda uma biblioteca com milhares de livros compactados em
uma única unidade.
Na
área médica e biológica o impacto da Nanociência
e Nanotecnologia para a sociedade nos permitirá uma maior
segurança e sobrevida em cirurgias complexas, assim como
o desenvolvimento de nanosensores para a prevenção
e detecção de doenças, contaminações
viróticas e outros, com altíssima precisão
e sem efeitos invasivos ao corpo humano. Com toda certeza os nanodispositivos
e nanoestruturas semicondutoras serão parte integral desses
avanços que estão por vir.
Na
área espacial, em ambientes hostis e outras áreas
afins, as aplicações dos nanodispositivos e nanosensores
são fundamentais para o desenvolvimento de, por exemplo,
novas tecnologias ultra-avançadas que se utilizam de nanopartículas
embebidas nos materiais avançados (partículas estas
conhecidas como pontos quânticos e com dimensões de
alguns nanômetros), associado a síntese de novos materiais
tais como plásticos especiais, cerâmicas e outros materiais
de alta confiabilidade que poderão produzir, por exemplo,
vestimentas protetoras especiais, capazes de alterar suas propriedades
físico-químicas tais como: maleabilidade, dureza,
resistência mecânica, e resistência à corrosão
quando sob o efeito de um agente catalisador. Este agente catalisador,
externo ou interno ao sistema em questão (vestimenta especial)
poderia controladamente deflagrar uma reação ou processo
(físico, químico ou ambos) num material específico
proporcionando alterações na morfologia, rigidez e
resistência do material com que uma dada vestimenta possa
vir a ser feita. O efeito desses novos desenvolvimentos poderá
produzir, por analogia, o efeito inverso ao hoje já popularizado
'binóculo da visão noturna' ou binóculo de
infravermelho, que permite a visão clara e detalhada em ambientes
com total ausência de iluminação.
No
exemplo dos 'soldados invisíveis', a presença de nanopartículas
e nanodispositivos embebidos em sua vestimenta, poderia servir como
um bloqueio à sua detecção por infravermelho,
por exemplo. Mas também, através de reações
catalíticas espacialmente localizadas, proporcionar que regiões
específicas da vestimenta sofram processos de endurecimento
ou de auto-regeneração. A própria roupa do
indivíduo poderia servir como material para 'engessamento'
de alguma parte do corpo com fratura óssea. Mesmo nos dias
de hoje já é possível sintetizar materiais
plásticos e cerâmicos que são resistentes a
perfurações por projéteis ou à corrosão
por agentes químicos. Todas essas situações
estão naturalmente presentes em conflitos sociais e necessitam
de uma solução, a qual levaria à pseudo-idéia
de um soldado 'potencialmente' invisível.
A Rede
Cooperativa para Pesquisa em Nanodispositivos Semicondutores e Materiais
Nanoestruturados (NanoSemiMat) surgiu devido ao aglutinamento de
interesses comuns entre grupos de pesquisas que já vinham
atuando no país em várias universidades e centros
de pesquisa, mas de forma isolada e sem focalização
de seus objetivos. A NanoSemiMat é constituída por
cerca de 15 instituições federais e estaduais de ensino
e pesquisa com sede no Departamento de Física da UFPE, e
envolve pesquisadores das seguintes instituições:
UFPE, UFC, USP-SP, UFRN, Ufal, UFRGS, Unicamp, UFBA, UnB, USP-São
Carlos, PUC-RIO, Uerj, Uern, Cefet-MA, Unesp. Há cerca de
50 professores doutores envolvidos que desenvolvem pesquisas e formação
de recursos humanos altamente especializados em diversas linhas
de ações em Nanodispositivos Semicondutores e Materiais
Nanoestruturados, e há atualmente mais de 70 estudantes de
pós-graduação desenvolvendo dissertações
de mestrado e teses de doutorado no tema.
As
atividades de pesquisa da rede NanoSemiMat são focadas em
quatro linhas de atividades principais, mas que eventualmente se
superpõem, a saber: (1) materiais semicondutores nanoestruturados
III-V e II-VI; (2) propriedades óticas e de transporte em
nanodispositivos e Semicondutores nanoestruturados; (3) nanodispositivos
à base de silício e carbeto de silício, semicondutores
de banda larga, cerâmicas e polímeros e (4) aplicações
de nanodispositivos: sensores óticos e físico-químicos.
Entre
os vários estudos em andamento dentro do contexto da NanoSemiMat,
está a compreensão dos fenômenos físicos
e químicos que estão associados a moléculas,
a átomos individuais, ou aos elétrons desses átomos
e moléculas que constituem os materiais semicondutores. Fenômenos
que acontecem na escala nanométrica nesses materiais permitem
que eles, quando produzidos em estruturas de multicamadas, muitas
destas com espessuras de apenas algumas dezenas de nanômetros
(1 nanômetro = 1 bilionésimo de metro) dêem origem
a propriedades óticas e eletrônicas que são
úteis na produção de novos dispositivos que
podem vir a ter um grande impacto social e econômico, como
nos exemplos abaixo.
Pesquisas
em desenvolvimento no Instituto de Física da USP-SP, por
exemplo, concentram esforços na produção de
materiais nanoestruturados e dispositivos optoeletrônicos
à base de nitreto de gálio (GaN) e que poderão
levar ao desenvolvimento da tecnologia nacional para a produção
de nanodispositivos emissores de luz (LEDs e Lasers) na região
do visível (verde e azul). Tais nanodispositivos têm
aplicações importantes no armazenamento de dados (gravação
e leitura de DVDs), painéis eletrônicos, iluminação
de trânsito etc.
Entre
as diversas linhas de pesquisa em desenvolvimento nos departamentos
de Física da UFPE e UFC concentra-se a pesquisa em materiais
e nanoestruturas de dispositivos à base de silício
e carbeto de silício, com importantes aplicações
na optoeletrônica, fotônica e física médica.
Pesquisadores dessas instituições têm desenvolvido
fotodetetores e nanodispositivos conversores de luz. Os fotodetetores
permitem a detecção e quantificação
de radiações de alta energia (partículas alfa,
e radiação beta e gama) de grande importância
na área médica e no tratamento de câncer e outras
doenças. Nanodispositivos moleculares conversores de luz
desenvolvidos por pesquisadores da rede, têm-se mostrado altamente
promissores na detecção e quantificação
de doses de radiação ultravioleta oriundas da radiação
solar, e podem ser utilizados na prevenção de câncer
de pele.
Outras
atividades de pesquisa desenvolvidas na USP-São Paulo e São
Carlos e por pesquisadores da UERJ e PUC-Rio direcionam-se ao entendimento
das propriedades magnéticas (spin) em nanoestruturas
semicondutoras, que podem vir a ser de grande utilidade num futuro
próximo na área de gravação magnética,
utilizando-se do controle de correntes eletrônicas e das propriedades
associadas com a polarização de 'spin'. Tais
avanços podem levar em breve a um aumento substancial na
capacidade de gravação e armazenamento (discos rígidos)
utilizando-se dessas novas propriedades magnéticas de nanoestruturas
semicondutoras.
Eronides
F. da Silva Jr é professor do Departamento de Física,
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
E-mail: eron@npd.ufpe.br,
home page:www.semicondutores.ufpe.br
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