População
negra no mercado de trabalho Pesquisas
realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE) e pelo Departamento Intersindical de Estatísticas
e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostram uma realidade
mais precária enfrentada pelos negros no mercado de trabalho,
em comparação com a enfrentada pelos não-negros,
quando se consideram dados como as taxas de desemprego, a presença
nos diferentes postos de trabalho e os valores dos rendimentos,
entre outros.
"O
aspecto mais perverso da discriminação no espaço
de trabalho se dá nos processos de promoção
ou mobilidade para cargos de chefia, liderança ou comando,
que têm maiores responsabilidades, visibilidade e remuneração",
afirma Mércia Consolação Silva, socióloga
e consultora do Centro de Estudos das Relações do
Trabalho e Desigualdade (Ceert). De fato, os dados do Dieese para
a proporção de assalariados negros e não-negros
em ocupações de direção e chefia mostram
níveis de desigualdade de oportunidades, além de variações
regionais, quando se comparam os resultados para as seis regiões
metropolitanas pesquisadas: Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto
Alegre, Recife, Salvador e São Paulo.
Enquanto,
por exemplo, na região de Salvador, 10,3% dos negros (pretos
e pardos) ocupam cargos de chefia e a porcentagem entre não-negros
(brancos e amarelos) é de 29,6%, na região metropolitana
de São Paulo, essas proporções são de
4,4% e 15,7%, respectivamente (dados de 2002, apresentados no Boletim
Dieese - Novembro de 2002). Para contextualizar, é importante
notar que a presença da população negra é
maior em Salvador (81,8%) do que em São Paulo (33,0%) (dados
do Mapa
da população negra no mercado de trabalho no Brasil,
encomendado ao Dieese).
Entre as principais discriminações sofridas pelos
negros no mercado de trabalho, Silva aponta ainda o acesso ao emprego,
uma vez que muitas empresas com bons salários e benefícios
não contratam negros ou, quando o fazem, são para
os postos menos qualificados e com menores remunerações.
Além disso, segundo a socióloga, setores como o financeiro
e o químico são mais discriminatórios que outros,
entre eles o de couro, de alimentação e o metalúrgico.
"Mas é importante notar que esses setores são
caracterizados por serem menos 'avançados' tecnologicamente,
exigindo ainda um trabalhor com habilidades manuais ou com trabalhos
que exigem 'menor capacitação' ", acrescenta.
"Quanto mais 'nobre' o trabalho, menor a representação
de negros e negras", concorda Neide Aparecida Fonseca, presidente
do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir).
Segundo boletim do Dieese, considerando diferentes ramos de atividade,
a proporção de pretos e pardos ocupados é maior
nos ramos agrícola, construção civil e prestação
de serviços, enquanto os brancos estão mais presentes
na indústria de transformação, no comércio
de mercadorias, na área social e na administração
pública (Tabela 1). Quanto à posição
ocupada no trabalho, 13,7% dos pretos e 9,1% dos pardos trabalham,
por exemplo, em serviços domésticos, enquanto a proporção
de brancos na mesma posição é de 6,3%. Por
outro lado, em regime estatutário e como empregadores, há
mais brancos (7,3% e 5,8%, respectivamente) do que pretos (6,1%
e 1,3%) e pardos (5,3% e 2,3%) (dados de 2001, apresentados no Boletim
Dieese - Novembro de 2002).
Tabela
1 - População ocupada, segundo ramo
de atividade, por cor (em %)
Brasil - 2001
Ramos
de Atividade |
Branca
|
Preta
|
Parda
|
Agrícola
|
16,1
|
17,5
|
27,5 |
Indústria
de transformação |
14,1
|
11,2
|
10,1 |
Indústria
da construção |
5,3
|
10,0
|
7,7 |
Outras
atividades industriais |
1,0
|
1,3
|
1,3 |
Comércio
de mercadorias |
15,6
|
11,4
|
12,7 |
Prestação
de serviços |
18,9
|
27,2
|
20,9 |
Serviços
auxiliares da atividade econômica |
5,6
|
3,2
|
2,7 |
Transporte
e comunicação |
4,4
|
4,0
|
3,9 |
Social
|
11,5
|
8,4
|
7,7 |
Administração
pública |
5,2
|
4,4
|
4,3 |
Outras
atividades, mal definidas ou não declaradas |
2,3
|
1,3
|
1,1 |
Total
|
100,0
|
100,0
|
100,0 |
Quanto
à discriminação no ambiente de trabalho, de
acordo com a socióloga, as formas mais recorrentes e cotidianas
são indiretas e institucionais (e não diretas e individuais).
Exemplo delas seriam a ausência de um programa que valorize
a diversidade e a exclusão dos trabalhadores negros em processos
de treinamento e capacitação, o que é, posteriormente,
usado como forma de avaliação para promoções
ou demissões. Além disso, ela conta que "as fotos
e outros instrumentos promocionais da empresa não exibem
os negros, causando uma não identificação desses
funcionários com o ambiente ou grupo de trabalhadores da
empresa". Segundo a presidente do Inspir, os trabalhadores
negros muitas vezes não têm consciência da discriminação
que sofrem.
Ainda de acordo com Fonseca, muitos trabalhadores conhecem os procedimentos
a seguir, quando têm consciência que estão sendo
discriminados. No entanto, os departamentos jurídicos dos
sindicatos ainda estão pouco preparados para lidar com o
tema. Os trabalhadores sabem que a batalha judicial é longa
e que o empregador tentará descaracterizar os fatos como
discriminação racial ou ainda acreditam que a empresa
tentará provar a incapacidade do funcionário, no caso
de demissões, ou que a discriminação é
individual e não institucional. Segundo Gilcéria Oliveira,
advogada, que durante a ditadura militar foi presidente da extinta
Associação Cultural do Negro, entidade fundada pelo
poeta e teatrólogo negro Solano Trindade, o melhor é
procurar uma entidade de defesa dos direitos humanos, como o departamento
da Ordem dos Advogados do Brasil, que atua na área. Nesse
sentido, de acordo com a consultora do Ceert, a cada dia mais negros
procuram a Justiça e as delegacias especiais para denunciarem
as discriminações que sofrem. "Mas esse número
ainda é muito pequeno se olharmos os dados da realidade e
observarmos o quanto o trabalhador negro é cotidianamente
discriminado no mercado de trabalho", diz a socióloga.
No entanto, segundo a advogada, os direitos dos trabalhadores negros
são iguais aos de todos os brasileiros e não existem
leis específicas sobre discriminação racial
nos locais de trabalho. "Isso porque toda e qualquer discriminação
sobre raça, sexo, homossexualismo e outros está proibida
no artigo 5º da Constituição Federal, que trata
dos direitos e deveres individuais e coletivos", explica ela.
Por outro lado, em 1965, o governo brasileiro ratificou a Convenção
111 da Organização Internacional do Trabalho - OIT
e, em 1995, solicitou a cooperação técnica
da organização para a implementação
dos compromissos assumidos anteriormente, que envolviam formular
e aplicar uma política nacional que buscasse a igualdade
de oportunidades e tratamento, em matéria de emprego e profissão.
Segundo Silva, a convenção ainda não está
sendo cumprida pelas empresas, com exceção de algumas
multinacionais, que estão começando a implementar
programas de diversidade e promoção da igualdade.
De acordo com Oliveira, a discriminação racial no
mercado de trabalho tem diminuído ao longo do tempo, porque
os negros têm tido mais acesso à escola ou mesmo à
universidade. "A falta de escolaridade é crucial para
os brasileiros, com perda maior para os negros, que também
são pobres", argumenta. Silva, por outro lado, considera
que a discriminação racial no mercado de trabalho
tem mudado de forma. "O governo já admite que há
[racismo no Brasil] e está se propondo, a partir de muita
pressão do movimento negro e de outros grupos organizados,
a pensar, criar e promover políticas públicas que
possam reverter esse quadro", comenta a socióloga.
Fatores
sócio-econômicos
Nas seis regiões metropolitanas analisadas pelo Dieese, embora
haja diferenças de região para região, as taxas
de desemprego são maiores entre os negros do que entre os
não-negros. Em Salvador, por exemplo, onde são encontradas
as maiores taxas em ambos os casos, 29,0% dos negros encontram-se
desempregados, enquanto a taxa entre não-negros é
de 19,9%. Em São Paulo, essas taxas são de 23,9% e
16,7%, entre negros e não-negros, respectivamente. Além
disso, as mulheres, tanto negras como não-negras, têm
taxas de desemprego superiores às médias, em todas
as regiões pesquisadas, enquanto as taxas entres os homens,
tanto negros como não-negros, são sempre inferiores
às médias. Entre os quatro grupos, as mulheres negras
têm as maiores taxas de desemprego e os homens não-negros,
as menores (Tabela 2).
Tabela
2 - Taxas de desemprego total, por sexo e cor
Regiões metropolitanas do Brasil - 2002
Regiões
Metropolitanas |
Negros
|
Não-Negros
|
Total |
Mulheres |
Homens |
Total |
Mulheres |
Homens |
Belo
Horizonte |
19,9 |
22,4 |
17,9 |
16,1 |
19,9 |
12,8 |
Distrito
Federal |
23,0 |
25,2 |
21,0 |
17,2 |
21,2 |
13,3 |
Porto
Alegre |
22,7 |
24,7 |
20,8 |
14,9 |
17,9 |
12,5 |
Recife |
22,4 |
25,8 |
19,8 |
19,1 |
23,3 |
15,3 |
Salvador |
29,0 |
32,0 |
26,2 |
19,9 |
21,9 |
17,9 |
São
Paulo |
23,9 |
27,4 |
21,0 |
16,7 |
20,1 |
14,0 |
Fonte:
Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais.
PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE
Obs.: (a) Dados com base na média do período de janeiro a
junho de 2002
(b) Negros inclui pretos e pardos. Não-negros inclui brancos e amarelos
Com
relação às condições de vida,
os níveis de pobreza e indigência mostram que os pardos
e os pretos vivem em condições mais precárias
do que os brancos: 48,4% dos pardos são pobres e 22,3%, indigentes;
as proporções entre pretos são 42,9% e 18,3%,
de pobres e indigentes, respectivamente; enquanto 22,6% dos brancos
são pobres e 8,1% são indigentes. É importante
ainda notar que, em números absolutos, os pardos pobres (30.041)
e indigentes (13.841), somados aos pretos pobres (3.597) e indigentes
(1.533), são em maior número do que os brancos pobres
(19.008) e indigentes (6.862) (dados de 1999, apresentados no Boletim
Dieese - Novembro de 2001).
Considerando a distribuição das famílias por
classes de rendimento médio mensal, as proporções
de famílias chefiadas por pretos e pardos que recebem mais
de três salários mínimos são de 7,7%
e 7,6%, respectivamente, enquanto, entre os brancos, 25,2% estão
nessa faixa salarial. Por outro lado, 26,2% das famílias
com chefes pretos e 30,4% com chefes pardos recebem menos de meio
salário mínimo, sendo a proporção de
famílias com chefes brancos nessa situação
de 12,7% (Tabela 3).
Tabela
3 - Distribuição das famílias por classe
de rendimento médio mensal familiar per capita,
segundo a cor do chefe (em %)
Brasil - 1999
Classes
de Rendimento |
Famílias
segundo a cor do chefe |
Branca |
Preta |
Parda |
Até
1/2 salário mínimo |
12,7 |
26,2 |
30,4 |
Mais
de 1/2 salário mínimo |
20,0 |
28,6 |
27,7 |
Mais
de 1 a 3 salários mínimos |
37,3 |
31,1 |
27,7 |
Mais
3 a 5 salários mínimos |
11,1 |
4,3 |
4,4 |
Mais
de 5 salários mínimos |
14,1 |
3,4 |
3,2 |
Fonte:
IBGE. Síntese de Indicadores Sociais, 2000
Elaboração: DIEESE
Ainda
com relação aos aspectos sócio-econômicos,
os dados da distribuição dos empregados segundo os
direitos sociais e benefícios recebidos mostram que a porcentagem
de empregados negros e pardos que recebem vale-transporte, vale-refeição
e férias é inferior à de brancos, sendo que
a situação se inverte apenas no caso do auxílio-moradia.
Por exemplo, enquanto 29,84% dos trabalhadores brancos recebem vale-transporte,
a porcentagem no caso de pretos e pardos é de 11,80% (Fonte:
Pesquisa sobre padrões de vida 1996 - 1997, Rio de Janeiro:
IBGE, 1998.
Disponível em "Estatísticas
do século XX", tema "Trabalho").
Fatores educacionais
Considerando diferentes níveis de escolaridade, o valor do
rendimento médio por hora no trabalho para pretos e pardos
é sempre inferior ao valor para brancos, em cada um dos níveis.
Por exemplo, se os anos de estudo variam entre quatro e sete, o
valor do rendimento médio é de R$ 1,93 para pretos
e pardos e de R$ 2,86 para brancos. Para um nível de escolaridade
mais alto, de 12 anos ou mais, os valores são R$ 11,32 para
pretos e pardos e R$ 14,44 no caso de brancos (Fonte: Pesquisa sobre
padrões de vida 1996 - 1997, Rio de Janeiro: IBGE, 1998.
Disponível em www.ibge.gov.br em "Estatísticas
do século XX", tema "Trabalho"). Portanto,
ainda que uma pessoa negra ou parda tenha estudado o mesmo número
de anos que uma pessoa branca, seus rendimentos são menores.
Além disso, enquanto o número médio de anos
de estudo é de 6,7 para a população de cor
branca, o número de anos correspondente para pretos é
de 4,5 e para pardos, de 4,6 (dados de 1999, apresentados no Boletim
Dieese - Novembro de 2001).
Tanto entre negros, como entre não-negros, as taxas de desemprego
são mais elevadas entres os trabalhadores que possuem ensino
médio incompleto, nas seis regiões pesquisadas pelo
Dieese. Em Salvador, para esse grau de escolaridade, a taxa de demsemprego
é de 42,1% entre os negros, sendo a maior em comparação
com as outras regiões (a taxa entre os não-negros
não é apresentada). Por outro lado, independente do
grau de escolaridade, as taxas de desemprego são maiores
entre negros do que entre não-negros, com exceção
do Distrito Federal, para trabalhadores com curso superior, onde
as taxas se igualam. Além disso, em Belo Horizonte, Porto
Alegre e Salvador, as taxas de desemprego entre trabalhadores que
possuem ensino médio completo e ensino superior são
inferiores às taxas entre trabalhadores analfabetos e trabalhadores
com ensino fundamental incompleto ou completo (Tabela 4).
Tabela
4 - Taxas de desemprego total, por cor
e escolaridade (em %)
Regiões metropolitanas do Brasil - 2001
Regiões
Metropolitanas |
Cor |
Analfabeto |
Fundamental
Incompleto |
Fundamental
Completo |
Médio
Incompleto |
Médio
Completo |
Superior |
Belo
Horizonte |
Negra |
(1) |
24,2 |
23,2 |
33,8 |
19,2 |
(1) |
Não-Negra |
17,9 |
15,6 |
16,3 |
22,3 |
12,6 |
4,8 |
Distrito
Federal |
Negra |
23,1 |
27,2 |
25,5 |
33,8 |
19,7 |
7,3 |
Não-Negra |
15,9 |
22,0 |
23,0 |
30,3 |
18,3 |
7,3 |
Recife |
Negra |
17,0 |
22,0 |
23,3 |
30,9 |
22,4 |
(1) |
Não-Negra |
(1) |
20,5 |
21,9 |
29,7 |
22,5 |
(1) |
Porto
Alegre |
Negra |
(1) |
24,2 |
23,2 |
33,8 |
19,2 |
(1) |
Não-Negra |
17,9 |
15,6 |
16,3 |
22,3 |
12,6 |
4,8 |
Salvador |
Negra |
(1) |
31,5 |
29,3 |
42,1 |
25,3 |
(1) |
Não-Negra |
(1) |
26,5 |
27,3 |
(1) |
19,7 |
(1) |
São
Paulo |
Negra |
16,4 |
21,4 |
25,9 |
32,7 |
18,1 |
6,9 |
Não-Negra |
16,2 |
16,7 |
17,8 |
26,4 |
14,3 |
6 |
Fonte:
DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Nota (1) A amostra não comporta desagregação para esta categoria
Obs.: (a) Dados com base na média do período de janeiro a junho de
2001;
(b) Negros inclui pretos e pardos. Não-Negros inclui brancos e amarelos
A exclusão
existente no mundo do trabalho também se dá no sistema
educacional. Dos 28.234.039 estudantes do ensino fundamental, 52,0%
são brancos, 43,1% são pardos e 4,5%, pretos. No ensino
médio, que tem 3.760.935 alunos, as proporções
correspondentes são 65,3%, 30,1% e 3,3%, para brancos, pardos
e pretos, respectivamente, e, cursando o ensino superior, existem
1.665.982 estudantes, sendo 78,6% deles brancos, 17,4% de pardos
e 1,4% de pretos (Fonte: Anuário Estatístico do Brasil
1992, Rio de Janeiro: IBGE, v. 52, 1992. Disponível em www.ibge.gov.br
em "Estatísticas do século XX", tema "Educação").
(MCA)
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