Migrações pelo oceano cósmico

   
 
Poema
Seminário discute movimentos migratórios
Giralda Seyferth:
imigração no Brasil
Lená Medeiros:
perspectiva histórica
Memorial do Imigrante
Fábio Bertonha: Migrações internacionais e política
Antônio A. Arantes: paisagens paulistanas
Marcílio Sant'ana: circulação de trabalhadores no Mercosul
Rosana Baeninger: Brasil e América Latina
Brasiguaios
Africanos no Brasil
Carlos Vogt & Peter Fry: Cafundó
Ana Paula Poll: novas facetas de uma migração recente
O novo império português
Conexão Brasil-EUA
Americanos no Brasil
Valéria Scudeler: valadarenses nos EUA
Giralda Seyferth: alemães no Brasil
Migração japonesa e o fenômeno dekassegui
Os judeus sefaradi
Ulisses Capozoli: migrações pelo oceano cósmico
 

Ulisses Capozoli

Durante milênios, as andanças humanas foram bem diferentes das atuais.

Ninguém registrava acontecimentos e, se hoje sabemos parte dessas ocorrências, devemos tudo à paciência infinita de antropólogos e arqueólogos.

Loren Eiseley, a prosa mais lírica da América, e, ele mesmo, antropólogo e arqueólogo, disse, em um de seus escritos, que "o arqueólogo é o último esgravatador entre todas as coisas mortais. Não põe homens, mas civilizações, na cama, e formula sobre elas juízos finais. Encontra, quando estão impressas no barro, tanto as nossas contas do armazém, quanto os hinos aos nossos deuses."

A arqueologia, escreveu Eiseley em The Unexpected Universe, "é a ciência da tarde do homem, não dos seus trunfos do meio-dia." Esta posição revela certo ceticismo quanto aos esforços da pequena multidão de especialistas atuais em migrações: economistas, sociólogos, demógrafos e antropólogos, entre outros.

Por que os homens migram?

Muitas das respostas atuais têm pouca relação com as antigas. E mesmo as antigas, dependendo de quais forem, podem não revelar muita coisa. Talvez nem haja sentido em se falar de razão ou causa. Migrar, cortar campos, varar montanhas, atravessar rios, cruzar desertos e evitar pântanos, quando a Terra ainda era um mundo desconhecido, é parte da saga humana. Essa memória não foi completamente apagada, mas, aparentemente, as migrações atuais, não passam de acomodações desses movimentos muito mais antigos.

Para os homens primitivos, migrar pode ter sido uma experiência tão natural e necessária quanto fazer fogo. Pelo menos até a fundação da agricultura, há 12 mil anos. O cultivo da terra multiplicou os alimentos à custa de um enraizamento humano. Os homens trocaram o nomadismo por paióis fartos de alimentos. Essa foi uma maneira de se aumentar as populações comunitárias. Mas teria sido também um estimulo à guerra. Estoques de comida, ainda hoje, são estratégicos demais para evitar a cobiça de quem não os possui.

Difícil saber quando os homens começaram a migrar. Não sabemos nem mesmo em que momento nos tornamos humanos. Se acender uma tocha e com ela afugentar predadores, além de iluminar e aquecer uma caverna, é um indício de humanidade, podemos aceitar que nascemos com o Homo eretus. Essa criatura foi localizada em fósseis de 1,5 milhão de anos. O Homo eretus, assegura Richard Leakey, sobreviveu até 300 mil anos, quando o Homo sapiens, a nossa própria espécie, apareceu e espalhou-se pelo mundo num padrão diferente de todas as que outras que a antecederam.

O Homo eretus deslocou-se, da África -- onde teria surgido -- à Ásia e Europa. E, mesmo cultivando o fogo, evitou as extremidades mais frias ao norte. Não conheceu, além disso, continentes isolados, como a América e Austrália. Territórios gélidos, ou que exigiam grandes travessias oceânicas, seriam conquistas do Homo sapiens.

A era do Homo eretus, segundo Leakey, passou da necrofagia ocasional à caça ativa, complementada pela coleta. Essa época de caçadas em grande escala, com uso criterioso do fogo, pode ter levado grupos humanos inteiros no encalço de manadas que migravam constantemente em busca das melhores pastagens.

As estações do ano tangeram os primeiros rebanhos submetidos a caçadores para terras promissoras. O solo pisoteado que essas manadas deixaram para trás talvez tenha sido as primeiras rotas de migração humana. Essa, certamente, é uma maneira de dizer que os antigos deslocamentos humanos foram influenciados pela inclinação do eixo da Terra.

Dificilmente um especialista atual relacionaria migrações a um fenômeno aparentemente trivial como a inclinação do eixo de rotação do Planeta. Apesar de vivermos num século científico, há um desconhecimento crescente da Natureza, como se o homem fosse externo a ela.

Consideramos a nós próprios seres excepcionalmente racionais, mas desconsideramos absurdos lógicos como essa idéia de sermos, de alguma maneira, externos à natureza. Céus velados pela iluminação urbana e escurecidos por nuvens de fumaça ofuscam estrelas tão grandes como Betelgeuse, o pé direito do gigante Órion, com 40 vezes o diâmetro do Sol.

No passado, essas fogueiras celestes orientaram grupos humanos em movimento. Esses homens antigos duvidariam de nossa sanidade se pudessem saber que, um dia, de nossas grandes cidades, perderíamos a visão mesmo das estrelas mais brilhantes; nos separaríamos definitivamente do fogo e nos conformaríamos, a cada manhã, com passos previsíveis e o coração pesado, em retornar a um mesmo local para desempenhar a mesma tarefa, por anos e anos a fio. Ironicamente, fizemos uma longa caminhada para chegar ao sedentarismo.

Nossos remotos avós não compreenderiam como pudemos abrir mão do misterioso prazer de caminharmos sob a Lua cheia, de não temermos que, durante chuvas intensas de meteoros, a Terra pudesse ser incendiada pelo fogo celeste. Não aceitariam como pudemos ter desaprendido a sentir, à distância, o perfume discreto das fontes d'água. Ririam desapontados da nossa dificuldade em distinguir, no sopro manso da brisa, o aroma adocicado de frutos maduros, do perfume de flores que devem atrair insetos e aves polinizadores antes de se converter em fruto.

Se, por um truque da ciência moderna dobrássemos o tempo e retornássemos ao passado, em pouco tempo nosso desconhecimento da natureza faria de nós uma triste esteira de mortos. Fizemos muitas conquistas, e nas celebrações delas, esquecemos as nossas perdas. A direção a seguir, de forma a evitar uma longa caminhada em círculos, nos trazendo de volta ao ponto de partida, para muitos é uma habilidade perdida.

A fundação da agricultura, ao final da última glaciação, foi a primeira grande barreira psicológica às migrações e neste caso, como nas estações, também há uma influência astronômica. Uma anomalia orbital, o abandono de uma nuvem de poeira interestelar do braço da Galáxia, uma reativação da radiação solar, ou tudo isso pode ter acumulado forças para empurrar o gelo de volta às calotas polares.

O gelo recuou com esforço, agarrando-se insistentemente à terra, mas sem outra opção a não ser recuar. A retração do gelo liberou áreas para o cultivo e a população do planeta, na passagem do século XX para o XXI é de 6 bilhões de pessoas.

Os primeiros homens não compreenderiam um número como esse e não devemos repreendê-los por isso. Embora frequentem nossos cotidianos, também nós temos dificuldades para imaginar essas ordens de grandeza. Valentin Tsiolkovskii, professor de escola rural na Rússia e pai da astronáutica, como Eiseley também deixou escritos. Um deles, mesmo sem usar exatamente estas palavras, diz que "a terra é o berço do homem, mas ninguém pode viver eternamente no berço."

Quando pensou nisso, certamente Tsiolkovskii levava em conta migrações futuras entre as estrelas. Sua contribuição foi a moderna tocha incandescente que colocou várias tripulações humanas na superfície da Lua. Esse fogo também já levou dois pares de naves humanas para fora do Sistema Solar.

No ano 400, quando o conhecimento grego, especialmente Aristarco de Samos, era engolido pelas sombras pesadas da Idade Média, começou a lenta colonização da Polinésia, uma miríade de ilhas na vastidão do Pacífico. Em 1774, quando atravessou a região fugindo do rigoroso inverno antártico, James Cook, o mais habilidoso navegador inglês, espantou-se com a velocidade de embarcações aparentemente rústicas. No passado, elas espalharam as sementes humanas por toda aquele vastidão do Pacífico.

O enigma da ocupação da Polinésia, apesar das informações mais recentes, está longe de completamente decifrado. Ainda assim muitos exobiológos a consideram, um modelo para a futura colonização de muitas das 200 bilhões de estrelas da Galáxia. Se eles tiverem razão, todo o ocorrido, até agora, foi apenas uma preparação para esse grande salto.

   
           
     

Esta reportagem tem
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13,
14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21

documentos
Bibliografia | Créditos

   
     
   
     

 

   
     

Atualizado em 10/12/2000

   
     

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2000
SBPC/Labjor
Brasil