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Migração japonesa e o fenômeno dekassegui: do país do sol nascente para uma terra cheia de sol |
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Lentamente desaparece no horizonte a terra natal. Sonhos e temores, esperança e muita coragem são embalados na longa viagem de navio rumo a um lugar cheio de promessas de fartura, com muita terra fértil, sol, água e verdes plantações. A idéia comum para muitos emigrantes com destino ao Brasil, no início do século, não deve ter sido diferente para as 781 pessoas, das 151 famílias que saíram de Kobe no Japão em 28 de abril de 1908 a bordo do navio Kasatu Maru em direção ao porto de Santos. Esta viagem que simboliza o marco inicial da imigração japonesa para o Brasil foi a primeira de muitas que se seguiram.
A aproximação entre os dois países iniciou-se no governo de Floriano Peixoto com a promulgação da Lei n. 97, em outubro de 1892, permitindo a imigração asiática. As negociações para estabelecer japoneses no Brasil culminaram no Tratado de Amizade Comércio e Navegação Japão-Brasil firmado em 05 de novembro de 1895. Impulsionada pelo incentivo do próprio governo japonês e pela demanda brasileira por mão-de-obra para a cafeicultura em expansão no oeste paulista. A onda migratória japonesa para o Brasil trouxe, segundo a Embaixada do Brasil em Tóquio , 188.986 imigrantes no período que vai da chegada do Kasatu Maru (18 de junho de 1908) até 1941. Famílias inteiras partiram do Japão, da terra onde nasceram e cresceram, para talvez nunca mais voltarem. A viagem de navio que durava em média 55 dias era tão árdua quanto o desembarque em terra firme. A enorme diversidade entre as culturas oriental e ocidental proporcionava um grande estranhamento tanto por parte dos japoneses que aqui chegavam como daqueles que aqui estavam. A distância entre as duas culturas pode ser dimensionada, por exemplo, pelo fato dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial ter encomendado um estudo sobre os japoneses para a antropóloga Ruth Benedict. "Em nenhuma outra guerra travada contra um adversário poderoso fora necessário levar em consideração hábitos tão extremamente diversos de agir e de pensar", afirma a antropóloga no primeiro capítulo de O crisântemo e a Espada, livro que resultou deste estudo. E não apenas a diferença cultural foi uma dificuldade para estes imigrantes no Brasil, mas também o trabalho árduo que os esperava nas lavouras de café e, no período da Segunda Guerra, as inúmeras restrições e o isolamento a que foram submetidos. A partir de 1938 a legislação estabelecida pelo Estado Novo, que acompanhava o projeto nacionalista de Vargas, era contrária aos emigrantes no Brasil, principalmente quando fossem de países do Eixo (Japão, Itália e Alemanha). Foram fechadas mais de 200 escolas japonesas, foi vetada a publicação de revistas e jornais estrangeiros, os imigrantes foram proibidos de desenvolver atividades políticas e até mesmo de falar o seu idioma, e as relações diplomáticas entre Brasil e Japão foram rompidas. O número de imigrantes japoneses afetados foi muito grande, afinal, já em 1930, o Brasil possuía a maior colônia japonesa do mundo. É neste contexto que surge a associação Shindô-Renmei formada em 1944, tema de dois livros recentemente lançados: Corações Sujos de Fernando Morais e Inventário Deops – Shindô-Renmei de Rogério Dezem. Ambas as publicações retratam a história deste grupo que não acreditava na derrota do Japão na Segunda Guerra, afirmando que as notícias sobre isso não passavam de propaganda dos Aliados. Em virtude disso a colônia japonesa dividiu-se entre os que sabiam da derrota do Japão (makegumi) e aqueles que acreditavam na vitória japonesa (kachigumi). Por essa última crença vários atentados foram realizados contra os derrotistas. Os historiadores Jeffrey Lesser e Roney Cytrynowicz chamam a atenção para a necessidade de localizar este fenômeno no contexto histórico, político e social do período para que não seja dado um tratamento sensacionalista ao fato. Apenas na década de 50 a imigração japonesa é retomada, com a partida do navio Shinzo Santos Maru de Kobe com destino à Amazônia. Desse período até 1988 o país recebeu 53.555 imigrantes. Segundo o Consulado Geral do Japão no Rio de Janeiro cerca de 260 mil japoneses imigraram para cá. Atualmente o Brasil é o país que tem a maior comunidade japonesa no exterior com 1.500.000 pessoas entre japoneses e seus descendentes. A comunidade japonesa no Brasil estabeleceu-se em diversas colônias principalmente em São Paulo, com 900 mil pessoas. O caminho de volta? Atualmente 225.000 brasileiros descendentes ou cônjuges de japoneses residem e trabalham no Japão caracterizando uma inversão do fluxo migratório que ocorreu até a metade do século XX. Dados do Ministério da Justiça do Japão apontam que dos 1,55 milhão de imigrantes que moram no Japão (1,23 % do total da população), os brasileiros, sem considerar os que não estão documentados, representam 14,4%. Este panorama confere aos brasileiros a terceira maior comunidade estrangeira no país, antecedidos apenas pelos coreanos e chineses.
A partir da década de 80 a expansão econômica japonesa aliada à crise econômica brasileira impulsionou este novo fluxo migratório. Afinal, ao mesmo tempo em que se anunciava diariamente a alta inflação e a crescente dívida externa, o Japão era freqüentemente mencionado na mídia como potência tecnológica. Além da série de fatores que contribuem para este fluxo migratório, como por exemplo, as relações estabelecidas entre os dois países anteriormente, soma-se a demanda por mão-de-obra que realizasse as funções rejeitadas pelos japoneses. Tais tarefas foram estigmatizadas, de acordo com a pesquisa de Lili Kawamura, socióloga e autora do livro Para onde vão os brasileiros?, sob o signo dos 3 Ks – kitsui (penoso), kikken (perigoso) e kitanai (sujo), que posteriormente foram acrescidos de mais dois adjetivos dados pelos próprios brasileiros kibishii (sacrificado) e kirai (desagradável). Estes trabalhadores são chamados dekassegui ("leva de filhos e netos de japoneses em busca de trabalho em outras paragens para ganhar mais dinheiro") que, segundo Lili Kawamura, é um termo pejorativo quando utilizado no Brasil, pois insere a idéia de oportunismo e o estigma de classe baixa associados no período inicial do movimento. No Japão, o termo não é pejorativo, mas compreende uma denominação para a realidade de migrantes de regiões pobres para ricas, com todas as caracterizações daí decorrentes. Inicialmente eram recrutados para trabalhar em fábricas mas, com o aumento do que passou a ser denominado movimento ou fenômeno dekassegui, passaram a trabalhar nos mais diversos serviços. O fenômeno, que se iniciou no período do governo Sarney, acentuou-se no governo Collor, principalmente após 1990. Nesse ano o governo japonês edita a Lei de Controle da Imigração, cuja vigência institucionaliza a imigração, permitindo que japoneses e seus cônjuges ou descendentes até a quarta geração possam exercer legalmente qualquer atividade por um período relativamente longo (2 a 3 anos). A reforma legislativa na política migratória japonesa surge, segundo Elisa Massae Sasaki, pesquisadora e autora da tese O jogo da diferença: a experiência identitária no Movimento Dekassegui, dada a alta incidência de imigrantes ilegais que trabalhavam clandestinamente, em sua maioria filipinos, paquistaneses, coreanos e bangladeshianos. Para Lili Kawamura a migração de brasileiros para o Japão, faz parte do amplo processo migratório de trabalhadores brasileiros para o exterior (EUA, Europa, Ásia e América Latina), em busca de saídas individuais para a crise econômica brasileira, uma vez que , diferentemente de casos de migração no passado, não ocorrem de forma sistemática com apoio governamental, sob uma política migratória. No entanto, no caso específico dos dekassegui há uma característica diferente: a migração seletiva de brasileiros, privilegiando a população nikkei, ou a consangüinidade, seguindo o padrão cultural adotado pelo Japão para definir a nacionalidade nipônica. No entanto, mesmo apresentando feições orientais e costumes japoneses - embora costumes da Era Meiji, afinal os antepassados que passaram as tradições e os costumes chegaram aqui no início do século - e trazendo a idéia de similaridade, os nikkeis são considerados estrangeiros. Até mesmo uma criança, filha de estrangeiros, que nasça no Japão nestas circunstâncias é considerada estrangeira. Mas será que os dekasseguis estão simplesmente reproduzindo a trajetória de seus antepassados? A primeira vista pode parecer que sim, no entanto, existe uma enorme distância histórica entre estes dois fluxos migratórios. Os nikkeis que rumam em busca de melhores condições econômicas no Japão são, em geral, pessoas economicamente ativas da classe média urbana. Mesmo indo exercer trabalhos que não exigem qualificação possuem escolaridade, algo muito diferente dos imigrantes japoneses da primeira metade do século, que em geral já eram agricultores em seu país de origem. Além disso, o Brasil, no auge da imigração japonesa, era um país buscando sair do subdesenvolvimento, uma situação completamente oposta da que vive o Japão hoje. Para Elisa Sasaki, pode-se dizer de forma geral que, no início, era mais comum que homens (considerados chefes de família) ou pessoas sozinhas fossem trabalhar. Nesse período, relata a pesquisadora, era muito comum que estes emigrantes não deixassem óbvia sua ida para o Japão, pois eram considerados mal sucedidos pela sua comunidade. Afinal, estavam indo trabalhar em funções desprezadas pelos japoneses. Com o passar do tempo e o crescimento do movimento migratório houve uma mudança no discurso acerca da ida destes trabalhadores. Surge a idéia de proximidade cultural, ou seja, os descendentes de japoneses valorizavam e legitimavam a ida ao Japão pelo fato de ser a terra natal de seus ancestrais. Nesse segundo momento é mais comum a emigração de famílias ou jovens casais. A vivência social e cultural entre imigrantes brasileiros e a população japonesa, trouxe à tona, segundo Kawamura, comportamentos, atitudes e idéias preconcebidas de ambas as partes, provocando encontros, desencontros, conflitos e ajustamentos mútuos. Apesar de achar que ainda é cedo para afirmar que irá se estabelecer uma comunidade brasileira no Japão, Elisa Sasaki destaca o fortalecimento e ampliação das redes sociais de brasileiros. "Oizumi (cidade japonesa) é hoje conhecida como Brazilian Town; nela instaram-se muitas casas comerciais e serviços de propriedades de brasileiros, inclusive um shopping center, com conexões no Brasil, expandindo diferentes formas de vínculos formais e informais, caracterizando a complexidade das redes Brasil-Japão, fato que se alastra por várias regiões do país", relata Lili Kawamura. Ir para o Japão não significa, no entanto, garantia de sucesso financeiro. O salário, inicialmente atrativo, confronta-se com o alto custo de vida japonês. O dinheiro remetido ao Brasil é proveniente das horas extras que os trabalhadores realizam. A crise econômica asiática afetou o movimento dekassegui, na medida em que o número de horas extras oferecidas foi bastante reduzido. O número de brasileiros no Japão, até então em crescimento constante, estabilizou-se. A adaptação no Japão não é fácil para os nikkei, considerados japoneses no Brasil e estrangeiros no Japão, seja quando estão trabalhando neste outro país ou quando retornam à sua terra natal. Segundo Elisa Sasaki, o longo tempo de permanência no Japão acaba, muitas vezes, se transformando numa série de idas e vindas que imprimem um constante processo de negociação de identidade por parte destes migrantes. Partir não tem mais o mesmo significado do passado e, rapidamente, o avião deixa para trás a terra natal. Sonhos e temores, esperança e muita coragem rondam a mente dos novos imigrantes. |
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Atualizado em 10/12/2000 |
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