O Brasil no contexto das migrações internacionais da América Latina
   
 
Poema
Seminário discute movimentos migratórios
Giralda Seyferth:
imigração no Brasil
Lená Medeiros:
perspectiva histórica
Memorial do Imigrante
Fábio Bertonha: Migrações internacionais e política
Antônio A. Arantes: paisagens paulistanas
Marcílio Sant'ana: circulação de trabalhadores no Mercosul
Rosana Baeninger: Brasil e América Latina
Brasiguaios
Africanos no Brasil
Carlos Vogt & Peter Fry: Cafundó
Ana Paula Poll: novas facetas de uma migração recente
O novo império português
Conexão Brasil-EUA
Americanos no Brasil
Valéria Scudeler: valadarenses nos EUA
Giralda Seyferth: alemães no Brasil
Migração japonesa e o fenômeno dekassegui
Os judeus sefaradi
Ulisses Capozoli: migrações pelo oceano cósmico
 

Rosana Baeninger

No cenário dos movimentos internacionais na América Latina e Caribe, o Brasil concentra o quarto maior estoque desses estrangeiros (118.525 pessoas, ao redor dos anos 90), contra 181.273 brasileiros residentes nos países da região. Embora o número de emigrantes supere o de imigrantes, ao se examinar os destinos desses emigrantes pode-se apreender que se tratam de situações heterogêneas, revelando, desse modo, as atuais modalidades das migrações latino-americanas de e para o Brasil.

A evolução dos estoques de brasileiros nos países da região indica, principalmente a partir de 1980, uma nova situação do Brasil no contexto regional (Tabela 1). O estoque de brasileiros na Argentina de 1960 a 1991 vem diminuindo (de 48 mil para 33 mil pessoas, respectivamente), ao passo que o de argentinos no Brasil vem se elevando (de 15 mil para 25 mil pessoas, nesses quarenta anos). Esse mesmo fenômeno vem ocorrendo também com o Uruguai, onde o número de brasileiros tem se estabilizado desde 1975 (em torno de 14 mil pessoas), enquanto que de 11 mil uruguaios no Brasil, em 1960, passou-se para 22 mil em 1991; com o Peru, de 3 mil brasileiros em 1972 para 2,5 mil, em 1993, sendo que haviam 2,5 mil peruanos aqui, em 1960, alcançando 5,8 mil, em 1991; e, com a Colômbia, que chegou a registrar 2,3 mil brasileiros, em 1960, baixando para 1,4 mil, em 1993, registrando o Brasil 2 mil colombianos, em 1991, contra os 685, de 1960.

Com o Chile e a Bolívia, o Brasil sempre apresentou maior estoque desses estrangeiros do que eles de brasileiros, embora em patamares bastante baixos. Os anos 70 consolidaram essa tendência, com o enorme aumento de chilenos no Brasil (de 1,4 mil, em 1960, para 17,8 mil, em 1980, elevando-se para 20,4 mil, em 1991) e o incremento no estoque de bolivianos (de 8 mil, em 1960, para 15,6 mil, em 1991).

Se com esses países o Brasil reverteu sua tendência de evasão populacional ou transformou-se em área de atração migratória nos anos 70, com o Paraguai vem fortalecendo, a partir de então, seu processo emigratório. Em 1960 haviam cerca de 34 mil brasileiros em terras paraguaias, volume que elevou-se para 98,8 mil, em 1980, chegando a 107 mil, em 1990; já o contingente de população do Paraguai no Brasil era de 19 mil pessoas em 1991. Embora seja um volume bem inferior ao dos brasileiros lá, o estoque de paraguaios no Brasil ocupa a terceira posição (juntamente com o Chile) no conjunto dos estrangeiros latino-americanos no País.

A Venezuela também registrou, em 1990, maior volume de brasileiros lá, do que nós, de venezuelanos aqui.

Tabela 1 - Estoques de Emigrantes Brasileiros e Imigrantes no Brasil (1960-1990)
Países
Emigrantes Brasileiros
Imigrantes no Brasil
Argentina
1960
48.195
1970
48.600
1980
42.134
1991
33.543
1960
15.877
1970
17.213
1980
26.633
1991
25.468
Paraguai
1972
34.276
1980
97.791
1990
107.452
1960
17.748
1970
20.025
1980
17.560
1991
19.018
Bolívia
1976
8.492
1992
8.586
1960
8.049
1970
10.712
1980
12.980
1991
15.694
Chile
1970
930
1982
2.076
1992
4.610
1960
1.458
1970
1.900
1980
17.830
1991
20.437
Peru
1972
3.077
1981
2.926
1993
2.523
1960
2.487
1970
2.410
1980
3.789
1991
5.833
Uruguai
1960
17.748
1970
20.025
1980
17.560
1991
19.018
1960
17.748
1970
20.025
1980
17.560
1991
19.018
Venezuela
1971
17.748
1981
20.025
1990
17.560
1960
1.246
1970
989
1980
1.262
1991
1.226
Colômbia
1964
2.267
1993
1.383
1960
685
1970
870
1980
1.490
1991
2.076
Costa Rica
1963
17.748
1973
20.025
1984
17.560
1960
129
1970
152
1980
327
1991
357
Fonte: IMILA/CELADE (2000).

Essas evidências permitem caracterizar o Brasil no cenário das migrações internacionais na América Latina e Caribe, como indica o Quadro 1. Quanto aos países com os quais o Brasil registra evasão de população, destaca-se que com o Paraguai os anos 80 já não demostraram a mesma força dos 70 e a Argentina com evasão decrescente. Por outro lado, com a Venezuela o Brasil vem aumentando seu processo de evasão populacional. Com os demais países, o Brasil vem se caracterizando como área de recepção crescente de bolivianos, chilenos e, com particular ênfase a partir dos anos 80, de peruanos, uruguaios e colombianos.

Quadro 1 - Caracterização Migratória do Brasil, América Latina e Caribe (1960 - 1990)
Principais países
Caracterização
Argentina
Evasão decrescente
Paraguai
Evasão
Bolívia
Recepção crescente
Chile
Recepção crescente
Peru
Recepção a partir dos 80
Uruguai
Recepção a partir dos 80
Venezuela
Evasão crescente
Colômbia
Recepção a partir dos 80

De fato, esses contingentes de estrangeiros têm elevado expressivamente sua participação no total de estrangeiros no Brasil (Tabela 2). Os chilenos representavam apenas 2,6% dos latino-americanos em 1970, passando para 17,2%, em 1990; os uruguaios vêm respondendo por cerca de 19,0% desses estrangeiros no Brasil nas três décadas. Com menores participações, mas crescentes, estão o Peru (de 3,4% para 5,0%, respectivamente) e a Colômbia (1,2% para 1,8%).

Embora os argentinos constituam o maior estoque de estrangeiros latino-americanos no Brasil (seguido pelos uruguaios, chilenos, paraguaios e bolivianos), sua proporção no total de latinos vem decrescendo em termos relativos (de 24%, em 1970, para 21,5%, em 1991), principalmente com o incremento do estoque de chilenos e bolivianos. Por outro lado, a participação dos imigrantes latino-americanos no total de estrangeiros no Brasil ganham maior peso relativo, de 1970 para 1991, com a diminuição do estoque de estrangeiros chegados no início do século, em função da mortalidade dessa população. De fato, os argentinos representavam 1,4% do total da população estrangeira no Brasil, em 1970, elevando-se para 3,3%, em 1991; o Chile, de 0,15% para 2,7%, respectivamente; a Bolívia, de 0,9% para 2,0%; o Paraguai, de 1,6% para 2,5%; e, o Uruguai, de 1,1% para 2,9%, dentre outros.

No caso dos brasileiros na América Latina (Tabela 3) destaca-se que no Paraguai estes respondiam, segundo os censos dos anos 90, pela maior parte dos latino-americanos da área (64,6% do total). Seguem, com menores participações, os brasileiros no total dos latino-americanos do Uruguai (25,6%), da Bolívia (18,4%), do Peru (10,9%), do Chile (7,0%) e da Argentina (4,4%).

Tabela 2 - Latino-americanos e caribenhos no Brasil (1970, 1980 e 1991)
Países de nascimento
Estrangeiros da América Latina e Caribe no Brasil
1970 1980 1991
Proporção no total de latino-americanos (%)
1970 1980 1991
Proporção no total de estrangeiro (%)
1970 1980 1991
TOTAL
71833 110497 118525
100 100 100
1229128 1110910
767780
Argentina
17213 26633 25468
23,96 24,10 21,49
1,40 2,40 3,32
Bolívia
10712 12980 15694
14,91 11,75 13,24
0,87 1,17 2,04
Chile
1900 17830 20437
2,65 16,14 17,24
0,15 1,60 2,66
Colômbia
870 1490 2076
1,21 1,35 1,75
0,07 0,13 0,27
Costa Rica
152 327 357
0,21 0,30 0,30
0,01 0,03 0,05
Cuba
470 574 492
0,65 0,52 0,42
0,04 0,05 0,06
Equador
357 758 605
0,50 0,69 0,51
0,03 0,07 0,08
El Salvador
352 495 364
0,49 0,45 0,31
0,03 0,04 0,05
Guatemala
145 176 121
0,20 0,16 0,10
0,01 0,02 0,02
Haiti
90 127 141
0,13 0,11 0,12
0,01 0,01 0,02
Honduras
83 207 300
0,12 0,19 0,25
0,01 0,02 0,04
México
519 853 660
0,72 0,77 0,56
0,04 0,08 0,09
Nicarágua
593 608 329
0,83 0,55 0,28
0,05 0,05 0,04
Panamá
371 641 981
0,52 0,58 0,83
0,03 0,06 0,13
Paraguai
20025 17560 19018
27,88 15,89 16,05
1,63 1,58 2,48
Peru
2410 3789 5833
3,36 3,43 4,92
0,20 0,34 0,76
R.Domenicana
221 169 178
0,31 0,15 0,15
0,02 0,02 0,02
Uruguai
13582 21238 22141
18,91 19,22 18,68
1,11 1,91 2,88
Venezuela
989 1262 1226
1,38 1,14 1,03
0,08 0,11 0,16
Barbados
Belize
81 40 120
0,11 0,04 0,10
0,01 0,00 0,02
Guyana
364 696 1131
0,51 0,63 0,95
0,03 0,06 0,15
Guiana Francesa
116 1759 651
0,16 1,59 0,55
0,01 0,16 0,08
Jamaica
58 89 11
0,08 0,08 0,01
0,00 0,01 0,00
Suriname
160 196 191
0,22 0,18 0,16
0,01 0,02 0,02
Trinidade e Tobago
Fonte: IMILA/CELADE (2000).


Tabela 3 - Brasileiros na América Latina e Caribe (Anos 90)
Países Total de estrangeiros (A) Estrangeiros latino-americanos Estrangeiros nascidos no Brasil Brasileiros no total estrangeiros (%) Brasileiros no total latino-americanos (%)
Argentina 1.605.871 807.331 35.543 2.21 4.40
Bolívia 59.807 46.600 8.586 14.36 18.42
Brasil 767.780 118.525
Chile 114.597 66.259 4.610 4.02 6.96
Colômbia 106.162 66.505 1.383 1.30 2.08
Costa Rica 88.954 74.488 191 0.21 0.26
Cuba 128.392 ... ... ...  
Equador 73.179 53.014 903 1.23 1.70
El Salvador 26.279 19.321 181 0.69 0.94
Guatemala 412.352 31.521 136 0.03 0.43
Haiti 6.000 3.046 ... ... ...
Honduras 34.387 ... ... ... ...
México 340.824 85.994 1.293 0.38 1.50
Nicarágua 26.043 20.234 110 0.42 0.54
Panamá 61.394 38.742 618 1.01 1.60
Paraguai 187.372 166.399 107.452 57.35 64.57
Peru 52.725 23.089 2.523 4.79 10.93
R.Domenicana 32.419 21.487 ... ... ...
Uruguai 92.378 52.867 13.521 14.64 25.58
Venezuela 1.024.121 670.067 4.223 0.41 0.63
Fonte: IMILA/CELADE (2000).

Na realidade, estes países constituem os principais destinos dos brasileiros na América Latina (Gráfico 1) Do total dos brasileiros residentes nos países da região, ao redor dos anos 90 (em torno de 181.273 pessoas), 59,3% concentravam-se no Paraguai; seguido da Argentina, Uruguai e Bolívia.


Gráfico 1 - Brasileiros na América Latina Anos 90
Fonte: IMILA/CELADE (2000).

Considerando, portanto, a inserção do Brasil nesse padrão migratório intra-regional nota-se que, a partir de 1980, o país vem se configurando como área de expansão das migrações latino-americanas, reforçando:

a) modalidades de tipo fronteiriço - como são os casos com os países do Mercosul (Patarra, 2000) e também com a Colômbia e a Venezuela;

b) migrações em direção às áreas metropolitanas, como no caso dos bolivianos e peruanos (Silva,1997 e Galetti,1996);

c) migrações intra-regionais com países não-limítrofes, como com os chilenos.

Rosana Baeninger - Professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas e Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (NEPO) - Unicamp.

   
           
     

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Atualizado em 10/12/2000

   
     

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