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Antigas
e novas facetas de uma imigração recente
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Ana Paula Poll Foi no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, onde curso o mestrado em sociologia e antropologia, que estabeleci os primeiros contatos com os imigrantes angolanos, alguns matriculados nesta instituição, outros apenas visitantes. Eram pessoas que fugiam dos recentes conflitos reiniciados em seu país. Desde então, compreender como vivem os "refugiados" de Angola, estabelecendo suas redes de relações sociais, na cidade do Rio de Janeiro, tornou-se um grande desafio. E desta forma, um enorme interesse sobre a situação pregressa e atual de Angola, e da África de uma forma geral, ganhava espaço na minha vida acadêmica. Assim foi iniciada uma busca por dados que pudessem esclarecer os contornos dos recentes conflitos civis em Angola, apontados como responsáveis pelo desembarque de um grande número de angolanos no Aeroporto Internacional do Galeão[1] durante vários meses do ano de 1993. Foram então reunidas, algumas informações fundamentais. Os principais conflitos da história recente de Angola tomaram vulto com a luta pela independência nacional e, foram mantidos pelos movimentos organizados nesse período, movimentos que disputavam e ainda disputam acirradamente o poder de seu país. A guerra civil estendeu-se após a independência de Angola[2], durante os 17 anos subseqüentes quando o país foi governado pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Esta situação prolongou-se até o início da década de 90 quando eleições livres foram marcadas para setembro de 1992, pleito garantido pelo acordo de Bicesse (31 de maio de 1991) assinado pelos presidentes do MPLA, José Eduardo dos Santos e, da UNITA (União Para a Libertação Total de Angola), Jonas Savimbi. Estes são respectivamente, os líderes dos principais partidos de Angola, que possuem também, a maior expressão política e, principalmente, maior efetivo militar. Após a vitória do MPLA, em setembro de 1992, seus líderes formaram novamente o governo federal angolano. A UNITA recusou-se a aceitar o resultado das eleições, assinalando fraude no processo, e reagiu instaurando novos conflitos civis iniciados em Luanda (capital de Angola) ao findar o mês de outubro do mesmo ano. Logo os conflitos estenderam-se por todo o país, e a tensão teve um trágico clímax culminando com o massacre dos bakongos[3] em janeiro de 1993, acusados de apoio a UNITA. O massacre foi conduzido por angolanos que apoiavam o MPLA, e, há suspeitas de envolvimento do próprio governo. Esta é a reduzida síntese, de uma história muito extensa e, sobretudo, densa, que envolve, desde a partilha da África, a colonização, os movimentos de resistência que surgiram, a guerra fria, até a apropriação de discursos étnicos, entre outros fatores. Este também é o quadro que compõem um pano de fundo para a emigração dessas pessoas para o Brasil na década de 90. Com o apoio do ACNUR, da CARITAS e do Centro de Referência, os refugiados conseguiram regularizar seus vistos de permanência no Brasil. Conseguem também alguns auxílios como: atendimento médico e hospitalar, medicamentos e contratos de trabalho, esse atendimento ainda não supre as necessidades dos grupos que vivem no Rio de Janeiro, mas, prestam um tipo de ajuda que não conseguiram do governo federal de seu país, ou do governo federal brasileiro. De volta à 1993, o grande fluxo migratório trouxe angolanos de várias partes daquele país, luandeses[4] , bakongos enfim, um grande número de pessoas que fugiam das áreas de intenso conflito. Com essas pessoas desembarcaram também suas histórias de vida, suas trajetórias, costumes e valores. E em 1996, disposta a ouvir seus relatos, 'desvendar' e compreender as formas de sociabilidade que estabeleciam aqui desde o seu desembarque, iniciamos os primeiros contatos. Desde então foram feitos muitos progressos, a convivência com vários refugiados que, com muita disposição, concediam informações sobre os bairros onde estabeleciam seus domicílios, os dias em que se reuniam, o modo como organizavam as tarefas de sua vida cotidiana, entre outros dados, possibilitou uma compreensão mais cuidadosa sobre sua inserção em um novo contexto social. Foram vários os relatos recolhidos, alguns versando sobre os problemas enfrentados no Brasil, outros informando sobre as variadas formas de sociabilidade que dispunham e que conduziam suas práticas sociais. Os primeiros contatos com o 'racismo à brasileira', as recentes acusações veiculadas pela imprensa de envolvimento com o tráfico de drogas na Maré, onde vive um grande número de angolanos, que neste episódio foram acusados de ministrarem cursos sobre táticas de guerrilha aos traficantes brasileiros, as dificuldades em conseguir trabalho e o preconceito com imigrantes vindos de Angola, são alguns dos principais problemas apontados por aqueles que fugiram buscando melhores condições de vida. Através da realização do trabalho de campo, foi observada a disposição de vários grupos de refugiados espalhados por bairros específicos da cidade. O maior número concentrava-se no antigo Complexo da Maré, hoje Vila do João e Vila Pinheiros, no Catumbi, no Centro e em Duque de Caxias. Algumas características, se observadas com cuidado, permitiriam identificá-los como estrangeiros. Uns falam o português com sotaque muito diferente do carioca, utilizam suas línguas maternas quando estão reunidos em grupo, cortam seus cabelos de modo específico, entre outros sinais de reconhecimento. Muitos refugiados angolanos vivem do comércio e organizaram uma prática comercial, com eficácia garantida através de 'cartas de controle', que funciona do seguinte modo: enviam produtos facilmente comercializáveis para Luanda (para a venda nos mercados populares) através de um portador. A pessoa que estará esperando pela mercadoria receberá de outros portadores algumas cartas. Essas cartas descrevem a pessoa que estará trazendo os produtos. Este instrumento de controle garante o envio das mercadorias que serão comercializadas e, a certeza na identificação da pessoa que estará trazendo os tais produtos. Da mesma forma é feito o envio do dinheiro para o Brasil (dólar americano), dinheiro proveniente das vendas. Suas estratégias de permanência no Brasil, a forma como relacionam-se com os brasileiros e, o modo como relacionam-se entre si, em princípio deveriam nos informar sobre a construção de uma identidade, a saber, de angolanos refugiados no Rio de Janeiro. Mas, estar presente e, até mesmo, fazer parte de algumas situações rituais ou cotidianas que reforçavam a identidade de um grupo e, ao mesmo tempo, presenciar situações que os distinguiam como "mais angolanos ou menos angolanos" (o que envolve antigos conflitos gerados pela apropriação dos discursos étnicos), o que foi percebido como uma categoria de acusação, foi também, fundamental para compreender quem eram e como estavam organizados aqui. Ao contrário do que poderíamos inicialmente imaginar, os emigrantes de Angola, que encontramos no Rio de Janeiro e que viveram em uma situação conflituosa em seu país, uma situação que envolve etnia, filiação política, acusações e desconfianças, não constituem aqui, como também não o fazem lá, um grupo coeso. Não compartilham as mesmas crenças, os mesmos valores sociais, a mesma língua materna ou os mesmos costumes. Desta forma, tornou-se mais evidente que, mesmo num contexto carioca, poderíamos perceber, como fizemos, através dos seus discursos, do sotaque, de suas línguas maternas, e da presença de algumas instituições, a religiosa por exemplo, as distinções que possivelmente maximizam os conflitos em seu país de origem. E a experiência garantida pelo contato com esses estrangeiros, que haviam desembarcado há pouco tempo no Brasil, mostrava aos poucos que era possível compreender sua história através de suas práticas coletivas, da organização de eventos, da presença ou ausência das pessoas em determinados lugares. Um desses locais privilegiados para a observação de crenças e práticas sociais, é a Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra pelo Profeta Simon Kimbangu, ou simplesmente Igreja Kimbanguista. Uma igreja cristã e protestante, surgida na região do baixo Congo, no início deste século, como um movimento messiânico de resistência ao colonialismo, e 'trazida' para o Rio em 1993, com os refugiados que aqui desembarcaram. A análise mais cuidadosa desta instituição permitiu compreender que aos olhos dos 'desavisados', os novos estrangeiros poderiam ser todos iguais, angolanos refugiados, mas, um olhar cuidadoso nos mostraria muito mais. Eram pessoas que mesmo em um outro contexto, o carioca, tornavam evidente os conflitos que nortearam suas trajetórias. Para a maioria dos brasileiros, podiam ser todos angolanos, mas entre esses imigrantes havia algumas formas utilizadas para o reconhecimento ou a distinção, algo que informasse quem era quem. E essa distinção também é reproduzida aqui, de um modo mais sutil e incorporando novos elementos. O fato é que os estrangeiros ou imigrantes vindos da África para o Brasil, no início da década de 90, trouxeram suas histórias e a reconstroem hoje aqui no Brasil, utilizando velhos e novos símbolos. [1]O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) que atua no Brasil em parceria com a Caritas (Organização não governamental fundada pela Igreja Católica para Ajuda aos Refugiados) forneceu em junho de 2000 alguns números e informações cadastrais. Nesta ocasião a assistente social contabilizou 1132 angolanos cadastrados como refugiados na Caritas/ Acnur, 241 ainda não possuíam situação regularizada frente ao governo federal que deveria em breve conceder-lhes vistos de permanência no país como refugiados. [2]1975. [3]Grupo étnico-linguístico, originário ou proveniente da região norte de Angola. [4]Nascidos na capital de Angola, Luanda. Ana Paula Poll é antropóloga. E-mail: apoll@uol.com.br |
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Atualizado em 10/12/2000 |
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