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paisagens
paulistanas
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Antonio Augusto Arantes
transformações do espaço público FRAGMENTOS (...) Lugares e não-lugares articulam-se no ponto de partida destas reflexões que não lamentam nostalgicamente a perda de um onde/quando, em que os marcos físicos encarnariam sentimentos ou personagens míticos, territorializando profunda e definitivamente a experiência social de cada um e fornecendo as referências compartilhadas por todos. Embora adote explicitamente a cidade de São Paulo na passagem dos anos 1940/50 como marco de referência empírico e afetivo destas reflexões, não é a nostalgia que move minha argumentação: desenvolvo, isto sim, um modo de ver que é totalmente comprometido com o presente. Acompanhando Wenders, penso que no espaço urbano são as terras de ninguém, criadas pelo desaparecimento das ilhas - ou seja, de tudo aquilo que é tradicionalmente próximo e caro - o que de fato torna possível tomar distância, visualizar a cidade e flagrar nela a experiência humana situada num primeiro e último planos entrecruzados. No eixo do espaço, procuro identificar portanto zonas luminosas, sombrias e de transição e no do tempo cristalizações efêmeras do processo histórico, nas quais se fundem sobras presentificadas de passado e zonas de turbulência, onde o presente enraíza perspectivas incertas de futuro. (...) (...) Ao tematizar as transições complexas e as densas liminaridades que formam os labirintos do centro de São Paulo, percorri algumas fraturas físicas e simbólicas dessa paisagem. A fluidez do que observei levou-me a flexibilizar conceitos como território, fronteira, identidade, lugar e mesmo não-lugar. Ao explorar o modo como conflitos se espacializam, deixo de privilegiar os traços distintivos dos lugares sociais, ou os contrastes semânticos que culturalmente os qualificam. Mudando necessariamente de posição como observador e, inserindo-me nessas áreas liminares, exponho-me às práticas que situam, em contextos variáveis, os vários sujeitos desta trama. Assim, já não posso partir de um só ponto-de-fuga para desenhar as perspectivas do objeto observado. Busco outros ângulos e enquadramentos e as imagens que resultam de tal des-centramento põem em destaque transgressões, solidariedades e cumplicidades, num ambiente de moralidades "em guerra". (...) (...) A crescente proximidade espacial entre ricos e pobres em São Paulo (como também no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades brasileiras) é acompanhada de um hiato cultural onde as tradicionais relações de dependência e lealdade pessoal, matizadas pela 'malandragem' e o tradicional 'jeitinho', tendem a dar lugar a um novo código de relacionamento na desigualdade. Em relação a essa nova cultura pública que ainda se encontra muito pouco estudada, observa-se de imediato que mais do que estabelecer alguma forma de entendimento ou aproximação social entre parceiros, ela legitima o antagonismo ao preconizar em inúmeras situações cotidianas o uso retórico da força e mesmo o efetivo enfrentamento direto. São próprios desse gênero cultural o que aqui denomino referenciais espaço-temporais flexíveis, situações em que a percepção generalizada de perigo iminente configura uma cultura de risco que re-ordena as oposições tradicionais entre casa e rua, público e privado. A ambivalência e flexibilidade de fronteiras simbólicas, nem sempre explícitas e precisas, associadas a uma crescente contigüidade física entre segmentos cultural e economicamente diferenciados, compõem uma zona indefinida de direitos e de responsabilidades onde fazer parte de gangues, redes de tráfico ou repressão - com seus sistemas paralelos de poder e vigilância - torna-se forma de vida socialmente aceita. Nesse mesmo contexto, possuir e manipular sistemas privados de segurança passa a ser eficiente marca de prestígio e distinção de classe. (...) (...) A cidade -- ao vivo ou nas cores das instituições de comunicação e do mercado - continua sendo locus e objeto de importantes disputas na incessante estruturação prática e simbólica da cidadania. Mas longe de apresentar-se como aquele mosaico de peças fixas, marcadas e previsíveis que a sociologia urbana clássica consagrou, o espaço urbano - mais do que nunca descontínuo e tecnologicamente mediado -- é hoje o sítio onde ganham configuração concreta experiências que ao mesmo tempo formam referenciais espaço-temporais flexíveis e identidades em processo de constante reconfiguração. Neste contexto, os problemas relativos aos direitos humanos e à cidadania tornam-se especialmente complexos e colocam novos desafios à vida social e à gestão local. Pois o espaço urbano contemporâneo tanto cria novas contigüidades, avizinhando o que é diverso, quanto explicita, realça e até - por estratégias de mercado - cria produtos e coloca preços nas diferentes paisagens materiais e políticas, econômicas e étnicas, que a rigor não se articulam umas às outras mas -- para usar um termo caro a Appadurai -- são de fato disjuntivas. Por entre as frestas e fissuras do tecido social não estão se formando predominantemente sistemas simbólicos capazes de articular democraticamente a diferença social. Pelo contrário, em que pese o empenho de certos movimentos localizados de defesa da qualidade de vida e do patrimônio ambiental urbano, em cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro -- que poderiam ser consideradas de uma só vez pré-modernas, modernas e pós-modernas -- quebra-quebras por atraso ou falta de transporte público, inundações e desabamentos freqüentes, a falta de saneamento e de moradia adequada, enfim, todas essas carências que dizem respeito ao que são esferas básicas de direitos e que, nessas metrópoles terceiro-mundistas ainda estão longe de serem resolvidas, interpelam as novas paisagens étnicas, tecnológicas, comunicacionais, financeiras, que se formam em função da globalização. Interpelam e são afetadas por elas. Cabe perguntar: de que forma e com que conseqüências? (...) Antonio A Arantes é antropólogo e pesquisador do Centro de Estudos De Migrações Internacionais (CEMI). |
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Atualizado em 10/12/2000 |
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