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A
construção do novo império português
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Antiga metrópole colonizadora, Portugal é certamente um dos países que mais "exportou" gente para o Brasil e que contribuiu decisivamente para o processo de construção da cultura brasileira. Hoje, no entanto, Portugal deixou de oferecer ao Brasil uma grande leva de trabalhadores, dispostos a trocar de país para tentar melhorar suas condições de vida e, ao contrário, passou a ser lugar de desembarque de muitos brasileiros, interessados em melhorar de vida em um país de Primeiro Mundo. Alguns dos imigrantes brasileiros que chegam a Portugal não tem como objetivo nem ao menos ficar lá, apenas usam o país como porta de entrada (ou dos fundos) da recém criada Comunidade Européia.
Entretanto, no sentido tradicional da migração, de Portugal para o Brasil, o fluxo não cessou, apenas mudou de perfil. Ao invés de portugueses pobres, que iriam ajudar a substituir a mão de obra escrava em trabalhos braçais ou seriam os caixeiros em pequenos Armazéns de Secos e Molhados espalhados pelo país, os portugueses que tem chegado mais recentemente ao Brasil são os executivos de empresas portuguesas. Motivados pela onda de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso e com o bolso cheio após a união européia, esses novos imigrantes vêem no Brasil uma "porta do Mercosul", eixo de ligação entre a Comunidade Européia e o emergente mercado comum do Cone Sul. Pequenos em número, esses novos imigrantes, ganham destaque nas associações de imigrantes lusitanos. "A chegada desses investimentos, juntamente com a política de alta cultura do estado português, está repercutindo na política associativa dos portugueses e luso-descendentes de São Paulo", afirma a antropóloga Bela Feldman-Bianco no artigo "Portugueses no Brasil, Brasileiros em Portugal: antigas rotas, novos trânsitos e as construções de semelhanças e diferenças culturais" a ser publicado no livro Entre Portugal e Brasil: jogos ambíguos de identidades e poder (título provisório), ainda no prelo. Segundo ela, o estado português pós-colonial buscaria reforçar as idéias de irmandade entre Portugal e Brasil com vistas ao mercado brasileiro, por si só de dimensões continentais. Ao mesmo tempo, empresas e investidores portugueses apoiariam-se em associações de imigrantes, considerando os associados como potenciais consumidores.
Nesse novo projeto expansionista, as autoridades portuguesas procurariam criar a imagem de Portugal como uma "'moderna' nação européia", afirma Bianco. Desse modo, seriam recriadas diferenças e semelhanças entre Portugal e Brasil. As diferenças residem, em sua maior parte, nas características européias de Portugal, enquanto as semelhanças aconteceriam principalmente em torno da lusofonia. Data de 1996 a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Segundo afirma Bianco no mesmo artigo, "as narrativas mestras dessa comunidade supranacional reconfiguram as semelhanças culturais entre colonizador e ex-colonizados, através de elos de 'irmandade, cultura, história e língua portuguesa comum'". Não seria gratuito o apelido de Comunidade de Sentimentos dado à CPLP que, para Bianco "representa a nova face do império português em tempos de globalização econômica" Haveria ainda um outro fenômeno importante ocorrendo nas associações de imigrantes lusitanos. A partir da entrada de grandes grupos econômicos portugueses no Brasil, algumas delas estariam vivendo tempos de prosperidade. Buscando sobreviver em um contexto em que a vinda de portugueses para o Brasil diminui consideravelmente, seus líderes procurariam enaltecer a trajetória de vida de determinados imigrantes, construindo-os como "heróicos empreendedores". Deste modo, surgiria então a ênfase em de determinados personagens como representativos, tendo em vista o restabelecimento de sentimentos de orgulho com relação à herança nacional. No entanto, processos como esse acabam por excluir outros membros da comunidade ao preferir ressaltar as trajetórias de sucesso. Tal ênfase, ao ressaltar apenas trajetórias de sucesso, tende a excluir grande parte dos imigrantes que são então chamados de "invisíveis". É a partir dos processos de exclusão e inclusão desses imigrantes, tanto pelas lideranças associativas quanto pelos projetos nacionais portugueses, que o antropólogo Eduardo Caetano da Silva, discute a construção de diferentes discursos acerca do "ser português no Brasil". Segundo ele, é no contraste entre as categorias de "visibilidade" e "invisibilidade" que as lideranças de associações como a Casa de Portugal, em São Paulo, encontram argumentos para explicar a pouca expressividade da imigração portuguesa na sociedade paulistana. Caetano da Silva aponta que os "invisíveis", na visão das lideranças, são imigrantes que não preservam suas diferenças como portugueses, diluindo-se entre os brasileiros, facilitados pelo uso da mesma língua. Porém, baseando-se na observação de manifestações políticas e manifestações privadas de "portugalidade" entre lideranças e "invisíveis", o pesquisador sugere que o discurso da invisibilidade deve ser interpretado mais como uma impossibilidade, ou mesmo uma opção das lideranças por não verem do que uma qualidade inerente aos imigrantes distante de associações. Sexo e malandragem em Portugal Do outro lado do Atlântico, em Portugal, ser ou não brasileiro é uma questão bastante fluida e varia segundo diversas interpretações. O português que viveu muito tempo no Brasil (o "torna-viagem") e que fala como brasileiro pode receber o "brasileiro" como apelido. Ou ainda, aqueles que têm no Brasil sua pátria afetiva (nascidos lá ou cá), podem ser tomados como brasileiros. Nesse jogo, entram em ação território, língua, costumes e estereótipos, como revela o artigo "Identidade na diáspora: o papel das permanências e estereotipizações na experiência de imigrantes brasileiros no Porto", de autoria do antropólogo Igor José de Renó Machado, também presente no livro Entre Portugal e Brasil: jogos ambíguos de identidades e poder.
Com a explosão da imigração brasileira para Portugal, durante a década de 1990, somada à crescente exibição de novelas brasileiras por TV's portuguesas, tem crescido a sensação de "invasão brasileira" entre a população portuguesa. O artigo de Machado mostra que a interpretação feita dos brasileiros pelos portugueses é elaboradaa partir do antigo binômio sexo e malandragem. Do mesmo modo, quando os brasileiros interpretam os portugueses, partem dos estereótipos existentes sobre os portugueses no Brasil, seja para refutá-los ou confirmá-los.
Machado entende que as representações significam metaforicamente para portugueses e brasileiros papéis de acordo com os quais vão entender o roteiro ao desenvolver suas ações. "Os estereótipos são esses roteiros maginários, aos quais os brasileiros as vezesrendem-se, outras estimulam, e outras recusam. Por isso as representações são múltiplas e facetadas", afirma o artigo de Machado.
No cotidiano, esses estereótipos seriam tão importantes que significariam a delimitação de espaços de trabalho aos brasileiros. "Dentro do mercado de trabalho da cidade do Porto a presença dos brasileiros destaca-se no que é considerado 'hotelaria', que são os serviços de restaurantes, casas noturnas, bares e lojas de atendimento em geral". Dentre os motivos práticos e simbólicos dessa delimitação encontrariam-se: a falta de mão de obra na área do turismo; a necessidade de se falar português, que exclui os imigrantes do leste europeu; e, finalmente, a noção presente no senso comum português de que a alegria e a simpatia fazem parte da essência do ser brasileiro, tornando-o naturalmente adequado ao atendimento ao público. A parte mais cruel desse senso-comum português recai sobre o imigrante africano, relegado aos trabalhos que envolvem força física e que não aparecem para o público.
Para Machado, no entanto, a estereotipização vai além de uma reserva de mercado de determinadas atividades para os brasileiros. Segundo seu artigo, outras instâncias que lembram o Brasil para os portugueses são associadas ao binômio sexo e malandragem. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) vêm crescendo consideravelmente em território português. "À imagem da IURD é relacionada imediatamente a estereotipia da malandragem, corrupção". Já a crescente exibição das telenovelas brasileiras seria vista como um "imperialismo cultural" e adequaria-se à idéia de que no Brasil os parceiros sexuais são menos fixos. "É possível que os atores brasileiros sejam estrelas em Portugal e, ao mesmo tempo, as novelas com altíssima audiência sejam usadas para reforçar estereótipos pouco lováveis sobre o Brasil, como a idéia de que no Brasil a licensiosidade sexual seja regra, implicando numa espécie de vale-tudo nas relações pessoais", afirma o antropólogo. O outro par estrutural apontado por Machado como correspondente ao binômio sexo e malandragem são as prostitutas e os dentistas. Após o grande fluxo de profissionais dentistas para Portugal e das disputas com os dentistas portugueses os dentistas brasileiros passaram a ser associados à malandragem. O primeiro elemento desse par, as prostitutas, encerraria ao mesmo tempo os dois aspectos, o sexo e a malandragem, ambos com conotação negativa. "Outra 'categoria', que engloba os dois pólos, de forma menos pejorativa são os jogadores de futebol", diz Machado em seu artigo. "Não é por acaso que a piada corrente de que no Brasil só há prostitutas e jogadores de futebol é tão frequentemente ouvida", acrescenta o pesquisador. A retórica da irmandade
Por trás dos diferentes conflitos e negociações vividos na comunidade portuguesa no Brasil e na comunidade brasileira em Portugal, haveria uma aparente dúvida do Estado Português entre estar de costas ou de frente para o Atlântico, mas que de fato significaria a solução encontrada para a internacionalização da economia portuguesa. "No contexto da atual política de internacionalização da economia, o Estado pós-colonial português, juntamente com investidores e empresas de Portugal, voltam-se uma vez mais aos seus antigos espaços coloniais - hoje 'território [supranacional] da língua portuguesa", ressalta Bianco. Na verdade, o governo português estaria buscando equilibrar dois interesses distintos: por um lado, explorar o mercado brasileiro, bastante favorável a investimentos estrangeiros (de 1994 a 1996 o investimento de Portugal no Brasil passou de 33 para 230 milhões de dólares); de outro, atender, como e quando lhe convém, às exigências de restrição da entrada de imigrantes da comunidade européia. "O dilema do mercado de trabalho português é que sua mão de obra barata, europeizada, vai trabalhar nos países mais ricos da Eurolândia, como França e Alemanha, deixando um vazio que o empresariado português, inflado com capital da União Européia, vai preencher com trabalhadores imigrantes. Agora a 'invasão' é desejada pelo capital, desde que limitada a condições específicas", afirma Machado em seu artigo. |
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Atualizado em 10/12/2000 |
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