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Espaço
brasiguaio: novas práticas coloniais
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Monocultura intensiva e agricultura de subsistência, produção agrícola de exportação e contrabando, desenvolvimento urbano e lavagem de dinheiro, colonização de território estrangeiro e segregação espacial... curiosa combinação de características contrastantes e aparentemente contraditórias, é esta a tônica da imigração brasileira no leste do Paraguai. Concentrada numa região historicamente cobiçada e hoje de importância estratégica no contexto do Mercosul, o fluxo brasileiro assumiu nas últimas três décadas grandes proporções, a ponto de constituir um verdadeiro "espaço brasiguaio", cujas dimensões exatas, no entanto, não são totalmente conhecidas, já que boa parte da colonização se desenvolveu nos limites da ilegalidade, ainda que com a conivência do poder público. A observação parte não de um paraguaio ou de um brasileiro, mas de um francês, Sylvain Souchaud, que durante meses percorreu o leste paraguaio estudando a formação desse espaço de colonização. O trabalho resultou na tese La formation d´un espace ´brésiguayen´ dans l´Est du Paraguay , defendida em janeiro de 2000, no Centro de pesquisas sobre migrações, Migrinter [], da Universidade de Poitiers. Levando em conta dados históricos, demográficos, econômicos, geológicos, Souchaud fez uma extensa pesquisa sobre esse processo cujas origens remontam ao final dos anos 60 e que ao longo do tempo foi se definindo como uma expansão dos brasileiros em terras paraguaias, cujo fruto acabou se revelando de valor estratégico. "A originalidade da colonização brasiguaia reside no fato de que ela é uma conquista pacífica de um vasto território estrangeiro, levada a cabo por simples colonos, num movimento espontâneo, sem ajuda ou planificação do Estado", diz. Discreta, mas efetiva A imigração brasileira para o Paraguai começa de forma discreta, mas efetiva, nos anos 70, mesma época em que o fluxo para a Amazônica decresce. Este movimento é bem diferente daquele do final da década de 60, quando os primeiros colonos chegam ao país e encontram uma região de fronteira praticamente desocupada, com a população paraguaia concentrada na parte oriental. Dos últimos trinta anos para cá, a paisagem é totalmente diferente. A presença brasileira no Paraguai representa um fenômeno de consequências importantes para a dinâmica social e econômica do país. Estatísticas oficiais paraguaias falam em 112 mil pessoas, mas dados oficiosos chegam a 1 milhão. Difícil saber, de fato, quantos brasileiros vivem em território paraguaio. O certo é que esse número não é pequeno. Segundo os dados levantados por Souchaud, eles são 500 mil (contando os brasileiros e seus descendentes, que podem ter nacionalidade paraguaia), o que representa cerca de 10% da po7pulação paraguaia. Em muitas localidades da região leste, são mais numerosos que os paraguaios. "O que na origem era uma simples ocupação do espaço fronteiriço transformou-se num verdadeiro motor da evolução da sociedade paraguaia", diz o pesquisador. Histórias de vida
No início da pesquisa, Sylvain Souchaud procurou resgatar histórias de vida de colonos brasileiros e paraguaios para reconstituir o percurso da frente pioneira no território. Percorreu, então, diversas as localidades do leste do país, mapeando a área a ser estudada. Nesta ocasião, segundo o pesquisador, ficou claro que era preciso levar em conta a relação entre brasileiros e paraguaios (normalmente "isolados") e caracterizar também os grupos de imigrantes brasileiros, por si sós uma população bastante heterogênea. A intenção era evitar, desde o início, a dicotomia que opõe brasileiros e paraguaios e supõe seu enfrentamento, sendo os primeiros os "ricos empreendedores" e os segundos os "lavradores tradicionais". "Se é verdade que a frente brasileira se impõe claramente na região de fronteira, nem todos os brasileiros são ricos empreendedores da monocultura e, ademais, o avanço geral das frentes pioneiras se baseia em algumas cumplicidades paraguaias, talvez raras, mas essenciais", argumenta. O mapeamento final cobre uma vasta área do leste paraguaio, passando pelos distritos de La Paloma, Puente Kijhá e Katueté (região próxima a Guaíra - PR), ao sul do Alto Paraná, pelos distritos de Santa Rita e Naranjal, e ao norte as localidades de Bernardino Caballero, Nueva Esperanza e Paso Tuyá, entre outras. Segundo ele, as viagens pelo território foram essenciais para perceber as diferenças nos tipos de implantação e de exploração econômica das frentes pioneiras. Em regiões não muito distantes umas das outras se passa de uma paisagem "fortemente uniformizada" pela monocultura da soja (integração rural-urbano-social-cultural) a localidades onde convivem práticas mistas (policultura e criação de gado) e outras em franca decadência. "A cidade de La Paloma, por exemplo, revelou-se um lugar de estudo particularmente interessante, pois associava uma atividade diversa, agrícola e terciária, e uma mistura de populações, brasileira e paraguaia, pouco comum na fronteira. Era, portanto, um espaço privilegiado para observação das mutações sócio-epaciais da penetração brasileira, um lugar de trocas variadas submetidas a influências internacionais, nacionais e locais", relembra Souchaud. Espaço brasiguaio
O espaço que se nomeia "brasiguaio" é o resultado dos últimos trinta anos de colonização. O termo, que surgiu no final dos anos 80 para designar tipicamente os agricultores expulsos do Paraguai, pode ser usado também para referir-se genericamente a todos os imigrantes brasileiros naquela região. Em seu trabalho, Souchaud o emprega para explicar de que forma a "sociedade brasiguaia" se distingue da paraguaia; "se do fato de que representa uma reprodução quase intacta de um sistema sócio-espacial brasileiro no Paraguai, instalado sem consequências sensíveis para os hospedeiros, ou se ao contrário uns e outros agem e reagem de maneira determinante". A resposta, para o pesquisador, está claramente na segunda opção. De um lado a colonização brasileira favorece a integração econômica e política do Paraguai, mas ela também aprofunda sua dependência externa. "Se é verdade que o Paraguai é hoje um dos principais exportadores de soja, ele é também grande comprador de produtos manufaturados brasileiros", assinala. Este comércio, segundo o pesquisador, é facilitado em grande parte pelos brasiguaios, que terminam por assegurar ao Brasil uma extensão de seu mercado. O papel do Estado paraguaio é também muito importante, na medida em que ao invés de controlar a progressão da frente pioneira em seu território faz vistas grossas à questão, sustentando uma situação que, afinal de contas, lhe é também conveniente. A região da fronteira é hoje o principal ponto de discussão sobre o lugar do Paraguai no Mercosul. Para Souchaud, nas condições atuais, a posição do país é muito arriscada. "A integração pode significar forte crescimento nos primeiros anos, porém, em seguida, uma competição acirrada que tende a destruir a economia, sobretudo tendo em conta sua fragilidade: especialização acentuada sobre a monocultura de soja, corrupção etc". Ele sublinha, que há, contudo, opções de desenvolvimento para o Paraguai. "Ocupar as vastas regiões de terra ainda disponíveis com uma política agrária forte e valer-se de sua posição estratégica para desenvolver o comércio internacional e regional seriam medidas importantes". No que depende do cenário político, contudo, ele é ainda muito instável para se fazer qualquer previsão. "Apesar da democracia instalada pouco leva a crer que haverá aumento da participação da sociedade civil na economia", conclui. |
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Atualizado em 10/12/2000 |
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