Projeto
mexilhão-Rio: cultivo e beneficiamento comunitário
de mexilhão
Marcos
Bezerra de Menezes
Desde
os anos 80, diversas iniciativas foram tomadas pelo estado do Rio
de Janeiro, voltadas para a melhoria das condições
de vida dos marisqueiros que se encontravam na marginalidade e em
situação de exclusão social. Umas dessas iniciativas
foi a fundação da Associação Livre dos
Maricultores de Jurujuba - Almarj, em 1992, tendo como base inicial
23 famílias de marisqueiros da comunidade local (atualmente
em torno de 60 famílias). Entre as principais preocupações
estava o desenvolvimento em bases sustentáveis da atividade
de extração do mexilhão com novas técnicas
de aqüicultura e beneficiamento, distribuição
e, especialmente, organização comunitária.
O projeto
foi desenvolvido pelo governo estadual, em "Regime de Execução
Especial", com apoio financeiro da Prefeitura Municipal de
Niterói. O governo estadual gestionou junto ao governo federal
(Serviço do Patrimônio da União - SPU) a legalização
da área na qual seria construída uma unidade de beneficiamento.
O governo do estado do Rio de Janeiro, em maio de 1996, aportou
recursos da ordem de R$65 mil, enquanto a prefeitura de Niterói,
à mesma época, concorreu com outros R$65 mil. O programa
Life, da ONU, participou com um montante aproximado de R$60 mil.
O resultado
dessa parceria é o Centro Comunitário de Beneficiamento
de Mexilhões de Jurujuba que conta com um prédio de
aproximadamente 300m2, localizado na Av. Carlos Ermelindo Marins
760, Jurujuba, Niterói, RJ. Esta unidade de beneficiamento
conta com área para recepção, estocagem, lavagem
e seleção, tratamento térmico e resfriamento,
desconchamento e lavagem, banho de imersão, embalagem, resfriamento,
acondicionamento, expedição e peixaria. A Almarj obteve
também o título de posse da terra para 25 moradias,
totalizando 3,2 mil m2 de terreno e 440m2 de área marinha
para instalação de píer em forma de "T",
com 60m de comprimento, piso em concreto e estando prevista sua
conclusão para abril de 2003.
Em
1999/2000, já com recursos próprios, adquiriram dois
caminhões de 4,5 ton para transporte de pescado. Em 2001,
entendimentos mantidos com a Fundação Banco do Brasil
resultaram na doação de uma embarcação
com 11 metros de comprimento para pesca de linha, bem como equipamento
transportador helicoidal cozinhador contínuo, que permitiu
atingir a produção de 6.250 kg em 8h, in natura,
propiciando 892kg de carne de mexilhão/dia, levando a uma
produção média mensal de 18 toneladas.
Ao
fim de 2002, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio
da COPPE, através do Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania
- Oficina Social, doou embarcação de 7 metros de comprimento
para os trabalhos relacionados com gestão ambiental, cultivo
e extração de mexilhão. Com isso ampliou-se
o raio de ação da comunidade extratora de Jurujuba
para outros bancos mexilhoneiros antes não explorados.
Essa
ampliação de atuação, conjugada com
a complementação da infraestrutura de beneficiamento,
propiciará a atuação social da Almarj junto
a outras comunidades marisqueiras de Niterói. Isso porque
o equipamento de cocção pode ser operado em mais de
um turno. Dessa forma, o barco doado pela UFRJ/COPPE/Oficina Social
recolherá a produção de outras comunidades,
a partir da comunidade pesqueira da Praia/Ilha da Boa Viagem (que
reúne em torno de 20 grupos de marisqueiros), levando o mexilhão
in natura para o Centro de Beneficiamento Comunitário, para
processamento. Esse processamento será feito num turno adicional,
pelas mulheres membros do grupo que forneceram a matéria
prima.
A questão
da qualidade do mexilhão sempre esteve presente como preocupação,
tanto do ponto de vista ambiental quanto do consumidor. A perspectiva
que norteou o projeto era de que a garantia de qualidade ampliaria
o consumo1. O beneficiamento
partia desse pressuposto, como forma de ampliar a segurança
em relação à qualidade do mexilhão.
Foram feitos convênios com a Pontifícia Universidade
Católica (PUC-Rio) para análise e monitoramento do
mexilhão e da água, em locais de extração
e cultivo (hidrocarbonetos e outros poluentes orgânicos, frações
do óleo e derivados de petróleo e os metais mercúrio,
arsênio, zinco, cádmio, níquel, estanho, cobre,
cromo e chumbo), com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e posteriormente
com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) para
o monitoramento microbiológico (coliformes fecais, entre
outros), com o Laboratório Mattos & Mattos, entidade
privada que faz o monitoramento do sistema de análise de
riscos e controle de pontos críticos do Centro de Beneficiamento
e com o Sebrae RJ, abrangendo a capacitação de recursos
humanos para a gestão profissional do empreendimento. A UFRJ/COPPE
atua também no desenvolvimento do Parque de Cultivo de Mexilhões
no complexo da Fortaleza de Santa Cruz2,
em águas oceânicas e internas à Baia de Guanabara.
Do
ponto de vista da comercialização, a preocupação
em diferenciar o mexilhão produzido e beneficiado pela comunidade
de Jurujuba por atributo de garantia de qualidade, envolvendo a
sua origem (bancos monitorados e cultivo em espinhel suspenso),
o beneficiamento, armazenagem e distribuição se traduziu
na criação de marca própria. O Centro de Beneficiamento
é fiscalizado diretamente pelo Serviço de Inspeção
Estadual (órgão sanitário oficial do estado
do Rio de Janeiro) que certifica a marca Mexilhão Rio. Essa
marca é reconhecida como nome de fantasia da Almarj junto
à Secretaria Estadual de Fazenda do Rio de Janeiro.
A conjugação
de esforços entre a Almarj e as diversas entidades no âmbito
do projeto, possibilitaram ganhos adicionais. A experiência
do monitoramento dos bancos de mexilhão e a conseqüente
identificação das condições sanitárias,
tem feito com que outros grupos de extratores de mexilhão
passem a não retirar material em condições
impróprias para o consumo humano. Isso significa um mecanismo
de pressão sobre os órgãos responsáveis
pelo meio ambiente e de saúde pública no Rio de Janeiro,
em níveis municipal, estadual e federal.
Gostaria,
ainda, de ressaltar que a trajetória da Almarj mostra que
o processo de organização da comunidade foi o ponto
de partida e a premissa sobre a qual se assentou todo o projeto
e as estratégias de sua implementação e desenvolvimento.
Com essa base foi feita uma mobilização que articulou
diversas instâncias públicas e privadas, particularmente
as de Ciência e Tecnologia3,
como visto acima. O que diferenciou a Almarj de outras iniciativas
foi a capacidade das lideranças4
da Associação em articular uma rede de cooperação
que foi além do aspecto formal das instituições
envolvidas. Desse ponto de vista, a mudança de gerência,
direção ou de técnicos nunca implicou em solução
de continuidade, mas na incorporação de outros agentes
sem que os anteriores deixassem de fazer parte da rede em questão.
As dificuldades, inclusive as financeiras, foram melhor contornadas
nesse ambiente.
Como
conclusão, torna-se necessário não deixar de
entender que o centro comunitário, representado pela Almarj,
é a resultante de uma luta de emancipação social,
econômica, ambiental e política de um grupo historicamente
marginalizado e estigmatizado pela sociedade (incluídos pelos
próprios pescadores profissionais e suas representações).
Essa emancipação, todavia, não se restringe
à infraestrutura de beneficiamento e comercialização,
mas fundamentalmente na forma de organização e gestão
profissional com que a comunidade apresenta-se para os seus desafios,
entre os quais os que se remetem ao mercado.
Referências:
1 O
mexilhão, Mytilus perna, é também conhecido
como marisco em algumas regiões do Brasil, é uma espécie
marinha que se alimenta através de filtros biológicos,
aspirando da água as matérias nutritivas em suspensão
- algas e plânctons. Esse processo de alimentação
faz com que o mexilhão, quando se desenvolve em ambientes
não controlados - presença de coliformes fecais, de
metais pesados, de óleos e de outros derivados de petróleo
e de resíduos - torna de alto risco seu consumo. Além
dessa questão ambiental, o manejo nas embarcações
de coleta, assim como a manipulação no processo de
cocção, embalagem e distribuição, também
contribuíam para o aumento do risco à saúde
humana. Ou seja, aspectos relacionados com a higiene e sanidade
do produto. [voltar]
2 Parceria com o Comando da Fortaleza de Santa Cruz, subordinada
ao Comando Militar Leste, do Exército Brasileiro.[voltar]
3 Nessas instituições de ensino, pesquisa, extensão
e prestação de serviços técnicos especializados,
foram desenvolvidos diversos trabalhos, cabendo ressaltar cerca
de 15 teses, dissertações e monografias. [voltar]
4 O presidente da Almarj ganhou tamanha expressão com seu
trabalho que atualmente é presidente da Federação
das Associações de Pescadores Artesanais Profissionais
do Estado do Rio de Janeiro (Fapesca), que congrega 66 entidades.
[voltar]
Marcos
Bezerra de Menezes é médico veterinário e foi
um dos articuladores do projeto mexilhão-Rio.
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