O desafio de identificar a biodiversidade marinha
Não
é uma tarefa fácil identificar a biodiversidade marinha
do litoral brasileiro. Afinal, são 7.367 quilômetros
de costa ou 9.198 quilômetros se forem considerados os recortes
geográficos. Por mais que se desenvolvam projetos de pesquisas,
o número de pesquisadores brasileiros ainda é insuficiente
para coletar e identificar os organismos marinhos ao longo de toda
a costa brasileira. Em função disso, a comunidade
científica não tem condições de avaliar
se há grandes distinções entre, por exemplo,
a diversidade marinha da região Nordeste e da região
Sudeste.
As
dificuldades que surgem em conseqüência da grande extensão
do litoral não desanimam os especialistas. Pelo contrário.
Cada vez mais são criados programas com o objetivo de inventariar
e mapear as comunidades marinhas. O último resultado do projeto
Biodiversidade Bêntica Marinha no Estado de São Paulo,
que faz parte do Biota/Fapesp - programa que mapeia toda a diversidade
de plantas e animais existentes em diferentes ambientes do estado
paulista - foi a descoberta de 52 novas espécies de animais
que vivem no fundo do oceano.
A pesquisa
sobre a fauna bentônica, nome dado ao conjunto de moluscos,
crustáceos, vermes e outros seres que habitam o assoalho
dos oceanos, envolveu pesquisadores da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade
Estadual Paulista (Unesp). Contou ainda com o apoio de especialistas
estrangeiros. "A identificação de animais exige
pesquisadores especialistas em cada espécie a ser determinada
. Como em alguns casos não havia especialistas aqui, contamos
com a ajuda de pesquisadores estrangeiros para confirmar algumas
das novas espécies descobertas", afirma a coordenadora
da pesquisa Cecília Zacagnini Amaral, da Unicamp.
Das
535 espécies identificadas, 52 eram desconhecidas. Em termos
de tamanho, 40 das espécies novas pertencem à meiofauna.
São animais que ficam retidos em uma malha de 0,05 milímetros.
As outras 12 espécies são representantes da macrofauna,
sendo visíveis a olho nu. Os trabalhos de campo em praias,
costões e no fundo do mar, nos municípios de Ubatuba,
Caraguatatuba, São Sebastião e Ilha Bela, registraram
a presença de cinco famílias e 28 espécies
de bentos marinhos cuja existência nunca havia sido comprovada
no litoral brasileiro.
Além
de preencher lacunas do conhecimento sobre a biodiversidade da costa
paulista, o projeto estuda as interações entre as
espécies e as possibilidades de conservação.
Entre as espécies recolhidas algumas podem ser de interesse
econômico, como os bancos de Mytella charruana, um
tipo de mexilhão localizado no litoral norte do estado. As
espécies com potencial econômico ainda são exploradas
em pequena escala. "Por enquanto é uma exploração
bem localizada. São consumidas pela população
local e turistas ocasionais. Poderão sofrer risco de extinção
se houver uma exploração sem cultivo", explica
a bióloga da Unicamp. Para oferecer subsídios para
a exploração comercial, os pesquisadores, nos próximos
dois anos, estudarão como vivem e se reproduzem esses animais.
Algumas
espécies de bentos são bioindicadores. Sua ocorrência
sinaliza as condições ambientais do local. É
o caso do Capitella capitata, encontrado em abundância
na enseada de Caraguatatuba. A presença desse verme é
típico de areias poluídas situadas próximas
a locais em que há despejo de esgoto doméstico.
Ecossistema
O funcionamento do ambiente marinho é similar ao de qualquer
outro ecossistema do planeta. Existem organismos produtores, que
sintetizam a matéria orgânica a partir da inorgânica.
Isso pode ser feito pela fotossíntese, que utiliza a luz
como fonte de energia, como ocorre com as macro e microalgas, bactérias
fotossintetizantes e vegetais superiores marinhos, como as gramíneas
marinhas existentes nas regiões costeiras. A outra forma
é através de processos de quimiossíntese, em
que a fonte de energia para síntese de matéria orgânica
é obtida de alguns componentes inorgânicos. Este tipo
de produção é a base, por exemplo, da cadeia
alimentar das fontes termais submarinas.
No
nível seguinte estão os organismos consumidores, que
se alimentam da biomassa dos produtores (herbívoros) ou de
outros consumidores (carnívoros). Por último, existem
os organismos decompositores, que decompõem a matéria
orgânica novamente em compostos inorgânicos, fechando
o ciclo dos materiais. Os decompositores são fundamentalmente
constituídos pelas bactérias decompositoras.
No
ecossistema marinho existem diversas comunidades, isto é,
grupos de organismos que ocupam um determinado habitat. A professora
Sônia Maria Gianesella, do Instituto Oceanográfico
da Universidade de São Paulo (USP), explica que numa comunidade
existem organismos pertencentes a todas as categorias tróficas,
ou seja, produtores, consumidores e decompositores.
Nos
oceanos, o bentos, formadores das comunidades bentônicas,
representam os organismos que estão associados de alguma
maneira ao substrato. São encontrados fixos, como as anêmonas;
enterrados, como alguns poliquetas; ou vagéis (caranguejos
e linguados), nadando apenas muito próximo ao fundo do mar.
As comunidades planctônicas e nectônicas circulam pela
água. A distinção entre plâncton e nêcton
é feita pela capacidade deles em vencer ou não a correnteza.
Os organismos do nêcton (peixes e mamíferos marinhos,
entre outros) são capazes de nadar contra a corrente, enquanto
os organismos do plâncton são levados pelas correntezas,
apesar de apresentarem capacidade de natação. Os organismos
de plâncton são geralmente microscópicos ou
muito pequenos, como, por exemplo, as microalgas do fitoplâncton,
bactérias, microcrustáceos do zooplâncton. Mas
algumas são visíveis a olho nu, como as medusas.
Litoral
Para os oceanógrafos, litoral refere-se à região
da costa diretamente sob influência das marés. A região
que é coberta e descoberta diariamente pelas marés
é denominada meso-litoral. Já a região que
é molhada durante as marés excepcionais (ressacas
e tempestades) ou que sofre efeitos dos borrifos do mar é
considerada supra-litoral. A região que é descoberta
nas marés excepcionalmente baixas é chamada de infra-litoral.
"Cada
uma destas regiões apresenta diferentes graus de exposição
aos fatores físicos e químicos, tais como temperatura,
salinidade, iluminação, concentração
de oxigênio etc. Além dessa variação
perpendicular à costa, os ambientes variam também
em sua fisiografia ao longo da costa, o que, em conjunto, possibilita
o desenvolvimento de grande diversidade de organismos na região
costeira", afirma a pesquisadora do Instituto Oceanográfico.
Os
quase 700 km de litoral do estado de São Paulo são
divididos em três regiões: costa norte, baixada santista
e costa sul. A costa norte é recortada, dominada por pequenas
baías e costões, além de apresentar rios pequenos
e um número razoável de ilhas de médio e pequeno
porte. A baixada santista e a costa sul são dominadas por
praias longas e estuários de médio porte, estes com
predomínio de manguezais em seu entorno.
De
forma geral, a zona costeira dá origem a cadeias alimentares
específicas e encerra importantes ecossistemas para a vida
marinha. Nas relações de todas as partes de um ecossistema
destaca-se a cadeia alimentar que liga produtores, consumidores
e decompositores com a fertilização do substrato e
da água. As zonas costeiras são consideradas mais
produtivas do que o mar aberto. A menor profundidade da camada de
água, permite a penetração da luz solar, facilitando
assim, o florescimento do fitoplâncton e das macroalgas, que
possibilita a abundância das espécies marinhas. O papel
dos estuários, dos marismas, dos manguezais, das lagoas costeiras,
dos recifes de coral, das ilhas, entre outros ecossistemas, é
conhecido como garantia de produtividade e de diversidade biológica.
Há
mais de 50 anos, o Instituto Oceanográfico da USP estuda
a zona costeira do estado de São Paulo. Os estudos focam
principalmente a questão da interação entre
organismos das várias comunidades (bentônicas, planctônicas
e nectônicas). Já foram feitos levantamentos da fauna
e da flora, que permitem identificar a biodiversidade, na região
costeira de Ubatuba, na área de plataforma interna da região
de São Sebastião, no complexo estuarino de Santos
e na região do complexo estuarino-lagunar de Cananéia-Iguape.
(LC)
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