Reportagens






 
A ciência e a presença humana no litoral

No Brasil, existem diversas pesquisas geológicas em andamento com aplicações para a exploração e a conservação dos recursos costeiros. Exemplos de pesquisa básica em geologia marinha são estudos sobre deposição de sedimentos pela ação dos oceanos, sobre erosão costeira, análise da composição dos sedimentos (areia, por exemplo), recolhimento de dados sobre ondas, marés e temperatura da água etc. São comuns também vários estudos aplicados, que dependem fundamentalmente dos dados colhidos pela pesquisa básica. Entre essas aplicações, encontram-se estudos para a determinação de jazidas de recursos minerais, estudos sobre o impacto da ocupação humana na erosão costeira e a meteoceanografia.

Esta última disponibiliza dados e previsões sobre marés, ondas e temperatura da água, para serem usados, tal e qual os dados meteorológicos, para diversos fins - turismo, pesca, pesquisa científica, etc. O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo já tem um serviço de disponibilização de dados e previsão de marés e de correntes marinhas, em www.surge.iag.usp.br.

Recursos não-renováveis
Outros dados importantes colhidos pela pesquisa básica, além dos da meteoceanografia, são as composições dos solos próximos à costa ou sob a superfície do mar. Esses dados, disponíveis em publicações científicas, podem dar às empresas mineradoras indicativos sobre locais onde vale a pena procurar jazidas de recursos não-renováveis. As empresas então aprofundam os estudos e definem a incidência ou não de uma jazida mineral de valor econômico.

Recursos renováveis e não-renováveis e a zona costeira como recurso em si:
Apesar do nome, os recursos naturais não-renováveis também se regeneram naturalmente. A diferença com os renováveis é que a escala de tempo para a sua renovação é muito maior do que a escala com que os seres humanos lidam. Os recursos não-renováveis são basicamente os recursos minerais, e os renováveis, os biológicos. Hoje, há uma tendência em aplicar o conceito de recurso natural a toda a zona costeira em si, não só os seus recursos biológicos e minerais. Usa-se, por exemplo, também para lazer e recreação.

Os recursos costeiros minerais, ou não-renováveis, ocorrem em basicamente três tipos de ambientes. No ambiente rochoso - quando as rochas atingem a zona costeira -, um dos principais é a fluorita, encontrada, por exemplo, na região do Morro da Fumaça, em Santa Catarina. Em sedimentos (praias e lamas associadas a lagunas costeiras), um dos principais são os minerais pesados, que aparecem nas areias das praias e das dunas, como a monazita (comum no Espírito Santo), a ilmenita (de onde se extrai o óxido de titânio, importante na indústria de tinta), o calcáreo (associado a fragmentos de conchas e recifes de coral, usados na fabricação de cimento) e a turfa. Esta última, um estágio intermediário na formação do carvão vegetal, aparece em lagunas costeiras. É muito usada como corretivo orgânico na agricultura. O terceiro ambiente é o subsolo marinho, onde aparece o petróleo e o gás natural.

Um caso de estudo científico que resultou na descoberta de jazidas foi o episódio dos depósitos de minerais pesados no litoral do Rio Grande do Sul. Na década de 1970, pesquisadores do Centro de Geologia Costeira Oceânica, um órgão auxiliar do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), descobriram manchas escuras nas areias, indicativas da presença de minerais pesados. As manchas eram mais expressivas nas regiões de Bujuru e Hermenegildo, no litoral gaúcho. Os sedimentos foram enviados ao laboratório e analisados, e foram identificados os minerais pesados de valor econômico. O mais importante deles é a ilmenita, mas apareceram também rutilo, magnetita e zircão, entre outros. Foram feitos cálculos para determinar a concentração desses minerais nas areias das praias e dunas do litoral gaúcho.

Exploração e explotação
O termo exploração, em geologia, relaciona-se à fase de prospecção: busca e reconhecimento da ocorrência dos recursos naturais, e estudos para determinar se os depósitos têm valor econômico. A explotação é a retirada do recurso com máquinas adequadas, para fins de beneficiamento, transformação e utilização. Portanto, o maior impacto no meio ambiente é causado pela explotação.

Nesse ponto, cessou a pesquisa acadêmica, que passou para outros projetos. Nos anos 90, as publicações chamaram a atenção de empresas mineradoras, que foram buscar as jazidas nas regiões indicadas. As empresas aprofundaram os estudos e atualmente as jazidas estão em fase de viabilização da explotação. O principal obstáculo é o litígio com os órgãos ambientais, pois a área de ocorrência está vinculada ao parque nacional da Lagoa do Peixe.

Um outro caso começou há 15 anos, quando os pesquisadores da UFRGS começaram a se interessar pela erosão costeira. Desde 1997, os pesquisadores percorrem a linha costeira do Rio Grande do Sul, que tem 630 quilômetros, mapeando a linha de costa e verificando as alterações devidas à erosão. Os dados sobre essas alterações podem ser usados para indicar a ocorrência de minerais pesados, pois as áreas de maior concentração de tais minerais são, tradicionalmente, as áreas de maior incidência da erosão costeira. Com base nesses dados, os pesquisadores da UFRGS encontraram minerais pesados nas zonas de erosão.

Como os depósitos de minerais pesados estão preferencialmente em zonas de erosão, eles estão disponíveis por muito pouco tempo. Segundo Sérgio Dillenburg, do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as duas principais reservas de minerais pesados do Rio Grande do Sul podem ser dispersadas em 500 ou 1000 anos, o que, do ponto de vista geológico (que muitas vezes lida com processos de milhões de anos), é muito pouco.

Processos costeiros
A erosão e a sedimentação costeiras e a variação da linha da costa causada por elas são fenômenos naturais. No centro, sudeste e sul do litoral brasileiro, a erosão é causada principalmente pela ação das frentes frias, que modificam o comportamento do mar, tanto da agitação marítima quanto no seu nível. No norte e nordeste, o principal fator são os ventos, que modificam o clima das ondas.

Entretanto, quando há ocupação humana nas áreas costeiras de variabilidade natural, podem aparecer problemas sérios. Na cidade de Matinhos, no litoral do Paraná, a Avenida Beira-Mar foi construída sobre as dunas da praia. "As dunas são o reservatório de areia das praias", explica Eduardo Marone, coordenador do Laboratório de Processos Costeiros e Estuarinos (PROCEs) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Quando você asfalta as dunas - a reserva de areia que evita que a praia seja erodida - desparece a fonte de manutenção da linha de praia." O resultado disso é que a cidade é quase anualmente atingida por grandes marés ("ressacas"), que já chegaram a destruir parte da Avenida Beira-Mar e algumas construções próximas.

Após uma dessas ressacas, há mais de 15 anos, foram instalados na praia os chamados "gaviões", ou seja, foram depositadas pedras ao longo de um setor da praia, presas com uma grade. Isso aumenta o processo de deposição, e a praia começou a se reconstituir. Porém, segundo Marone, a solução através de estruturas duras como essas é apenas paliativa. Primeiro, porque hoje o arame que prende as pedras já está gasto e rompendo-se, transformando-se num perigo para os banhistas, além de ser esteticamente pouco agradável. Segundo, porque, quando se bloqueia a ação do depósito ou erosão em um local, o mar vai agir em outro. "A natureza tem que tirar e pôr sedimentos o tempo todo, esse é o estado natural dela", diz o pesquisador. "Quando impedimos que em algum local o ciclo de retirada e transposição de sedimentos desapareça, você pode até resolver o problema desse local, mas o mar vai ter que agir em outro lugar que não está protegido."

Por isso, a solução mais recomendada para o problema da erosão costeira é a reavaliação da ocupação do solo. Dependendo do custo, pode-se realocar comunidades litorâneas. "A Espanha", diz Marone, "é o país mais avançado nesse sentido: simplesmente desapropriou as obras marítimas nos locais onde havia problema de erosão e reconstruiu o ambiente natural."

Em outros casos, como em cidades, não é possível fazer a realocação. Nesses casos, a segunda técnica mais recomendada é a manutenção da orla de praia por meio de deposição artificial. É usada, por exemplo, no litoral da Califórnia: os restaurantes, hotéis etc. pagam uma draga que está todo o ano circulando e "engordando" as praias.

Instituto do Milênio
Para contemplar esses problemas no litoral brasileiro, o governo possui um programa de financiamento de pesquisas oceanográficas chamado Instituto do Milênio do Mar, cujo título é "Uso e apropriação de recursos costeiros" (Recos), e do qual participam 19 instituições brasileiras, envolvendo cerca de 200 pesquisadores. O objetivo é investir em pesquisas científicas para propor soluções para os problemas causados pela ocupação do litoral e apropriação de recursos naturais da costa. O programa divide-se em quatro temas: Modelo Gerencial de Pesca, Qualidade Ambiental e Biodiversidade, Maricultura Sustentável e Modelagem, Monitoramento, Erosão e Uso do Solo. Deste último projeto estão participando 10 instituições, com cerca de 60 pesquisadores.

A erosão costeira é contemplada no quarto módulo. As pesquisas nesse campo envolvem dez universidades e instituições de pesquisa, do Rio Grande do Sul ao Pará. A idéia é mapear o litoral brasileiro periodicamente, para determinar as variações devidas à erosão e à sedimentação e, com isso, determinar quais as áreas onde a incidência de erosão é crítica e apresentar possíveis soluções.

Um dos métodos usados pelos grupos para fazer esse mapeamento é percorrer a costa a pé (caminhamento), de bicicleta ou de carro, com um GPS (sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Global), um aparelho que indica com precisão a latitude e a longitude de sua localização. No Paraná, no Rio Grande do Sul e em locais onde existe o equipamento, usa-se um DGPS, uma versão mais precisa, capaz de determinar a localização no globo terrestre com precisão de dezenas de centímetros.

Outro método do projeto de erosão investiga o leito do mar próximo à costa. Para isso, são lançados no fundo do mar, depois da zona de arrebentação das ondas, aparelhos que medem a temperatura, a salinidade e a profundidade da água. A profundidade é determinada através da medida da pressão da água. Esses aparelhos devem ser levados até depois da zona de arrebentação através de barcos pesqueiros. No dia 21 de fevereiro, o PROCEs testou o primeiro protótipo de um novo veículo por controle remoto que leva sozinho os aparelhos até o local desejado, e depois lança-os em direção ao fundo do mar, onde realizarão as medidas automaticamente. O veículo chama-se ROV (sigla em inglês de Veículo Operado Remotamente), um aparelho comum em pesquisas marinhas, mas que nunca tinha sido antes usado para estudos da linha costeira. Nos próximos dias, será distribuído às outras 7 universidades que fazem parte do projeto sobre erosão costeira (veja notícia na ComCiência).

(RB)

 
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Atualizado em 10/03/2003
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