Reportagens






 
Turismo no litoral produz impactos

O desenvolvimento de uma indústria do turismo no país é considerado estratégico pelo governo atual. Promover o desenvolvimento sócio-econômico, gerar empregos, elevar a renda per capita e aumentar as receitas estaduais, são alguns dos resultados que se espera com investimentos na área. No entanto, esses projetos, segundo diversos pesquisadores, precisam contemplar também meios para diminuir os impactos ambientais e sociais. As comunidades locais precisam ser ouvidas e devem participar do processo de implantação dos empreendimentos.

Efeitos do Prodetur
Como resultado do Prodetur I o último relatório de avaliação aponta a expansão de oito aeroportos internacionais, a implantação e recuperação de 934 km de rodovias e vias vicinais, a viabilização do acesso a sistemas de tratamento de água e esgoto para cerca de 945.000 pessoas, a recuperação de 22 sítios históricos, e o início dos esforços para conservação de mais de 70.000 ha dos ecossistemas costeiros e áreas protegidas. Após os investimentos em obras de infraestrutura o fluxo turístico aumentou no perído de 1997 a 2000 e o Prodetur atraiu, segundo o BID, US$6.5 bilhões de investimentos privados para a região Nordeste. BNDES e BID em 1994 aprovaram cerca de US$400 milhões para o Prodetur/NE, qua atualmente está na sua segunda etapa. O Prodetur realizou um levantamento nos municípios participantes quanto às condições de abastecimento de água, esgoto sanitário, resíduos sólidos, planos diretores e manejo do uso do solo, áreas de preservação, anteriores ao desenvolvimento do programa. A segunda etapa do Prodetur NE envolve nove municípios da Costa das Dunas no Rio Grande do Norte, sete municípios da Costa dos Coqueirais em Sergipe e três municípios, Belmonte, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, na Costa do Descobrimento no litoral sul da Bahia.

O ministro do turismo, Walfrido Mares Guia, afirmou, em seu discurso de posse, que pretende agilizar a liberação de recursos para programas como o Plano de Desenvolvimento Turístico Integrado do Nordeste (Prodetur NE I e II) e o Prodetur Sul, bem como abrir novas linhas de crédito para incrementar o turismo. A iniciativa não é nova, mas mobiliza antigas experiências e conhecimentos em busca da criação de novos caminhos que tornem o turismo uma atividade mais sustentável, do ponto de vista social e ambiental.

O potencial turístico da região Nordeste, por exemplo, foi enaltecido por diversos estudos realizados por agências de fomento nacionais e internacionais, sendo destacados os atributos naturais, culturais e a abundância de mão-de-obra com custos baixos existentes na região. O turismo foi considerado a alternativa econômica mais viável e, nos últimos dez anos, amplos investimentos foram feitos, com verbas do Prodetur e também da iniciativa privada. Ampliaram-se as ofertas de hotéis e pousadas, expandiram-se os aeroportos, foram abertas e recuperadas rodovias e desenvolvidos projetos relacionados ao abastecimento de água, tratamento do esgoto e do lixo. Com estes investimentos, o fluxo turístico para a região Nordeste aumentou significativamente, porém, as avaliações do processo sinalizam a necessidade de reformulação de políticas no setor que prezem pela maior transparência e participação efetiva dos diversos atores envolvidos.

Impacto ambiental vai além da região da praia
"Ao avaliar apenas a ação humana na praia, o impacto ambiental é pequeno quando comparado ao fenômeno turístico como um todo", analisa Teresa Magro, pesquisadora do do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP (Esalq-USP). Para Magro, olhar o turismo como um fenômeno complexo permite a compreensão de que esta atividade envolve desde a ocupação imobiliária, a alteração e descaracterização da paisagem, o deslocamento das comunidades locais, o aumento demográfico sazonal, e o conseqüente aumento na produção de esgoto e lixo. Estes, e outros aspectos, precisam ser levados em consideração quando se avalia o impacto do turismo, tanto em áreas inexploradas, quanto em regiões turísticas tradicionais.

Porto Seguro, situado na Costa do Descobrimento litoral sul da Bahia, foi um dos municípios que recebeu maior quantidade de verbas do Prodetur NE I. Como resultado, a pacata vila transformou-se em um grande pólo turístico recebendo turistas durante todo o ano, inclusive um grande número de turistas estrangeiros, graças a infra-estrutura criada que comporta atrativos "naturais", praias, vegetação, sol e "artificiais", como um amplo setor de serviços, comércio e espaços especializados em diversão e entretenimento.

Georges Souto Rocha, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet BA) e coordenador do Grupo de Recomposição Ambiental (GERMEN), comenta que a política de incentivo ao turismo adotada pelo governo para a região entra em conflito com outra política adotada para uma faixa maior, e mais ao interior do estado: a implantação da indústria de papel e celulose. "A degradação ambiental das águas e ar e a modificação da paisagem natural causada pela indústria de papel e celulose na região reduz as chances da instalação e consolidação de uma indústria turística de porte internacional nesta área, dadas as exigências estabelecidas por este seguimento turístico".


Remanescentes de Mata Atlântica, no sul da Bahia - Anos 1945, 1974 e 1990
Fonte: Projeto Mata Atlântica - Ceplac - Jardim Botânico de Nova York - 1993

Além disso, Rocha comenta que a implantação da indústria de papel e celulose, e outros fatores, como a seca e a crise na lavoura de cacau, têm levado uma imensa quantidade de pequenos lavradores a se deslocarem das áreas rurais da região para as periferias das cidades litorâneas do sul da Bahia. Atraídos pela possibilidade de sobrevivência com os empregos, subempregos, e outras ocupações informais geradas pela atividade turística, os novos moradores amontoam-se em favelas. O Baianão, por exemplo, é uma favela de Porto Seguro que abriga mais de 20.000 pessoas que, em sua maioria, vive de atividades ligadas ao turismo. Sua localização estratégica - do outro lado da rodovia - evita a exposição direta do problema para os visitantes. A tensão social vivida na periferia de Porto Seguro gera questionamentos sobre quem são os beneficiados com a política de incentivo ao turismo, assim como também coloca em questão a necessidade de uma avaliação mais criteriosa dos impactos sócio ambientais.

O último relatório de avaliação do Prodetur, de agosto de 2002, (Leia os relatórios do Programa Prodetur/NE I e II, destaca "as lições aprendidas" com o Prodetur I e as diretrizes que orientam o Prodetur II. As análises do Prodetur I mostram que as obras de transporte viário e de saneamento concentram um maior número de problemas e de queixas apresentadas pelas comunidades afetadas e ONGs. A maioria dos problemas estão associados às análises limitadas dos impactos sócio-ambientais indiretos, ligados à construção ou renovação de estradas e implantação de estações de tratamento de água e esgoto sanitário; à ausência de monitoramento ambiental adequado pelas autoridades estaduais e os órgãos executores; e à falta de cumprimento das medidas mitigadoras pelos empreiteiros das obras .

Segundo o relatório, o Prodetur I permitiu às autoridades estaduais e municipais perceberem que, devido a complexidade do setor turístico, este precisa de atenção e, mais do que isto, requer planejamento. São apontadas inúmeras irregularidades e a falta de transparência e participação dos diversos atores envolvidos nas ações voltadas para o turismo. A exceção é o estado do Rio Grande do Norte. Ainda no relatório, são explicitadas as linhas que orientam as ações políticas do Prodetur II a partir dos aprendizados com o Prodetur I: garantir a participação efetiva da comunidade e das prefeituras no processo, desenvolver a capacidade local de gerenciar o turismo para o beneficio da população, e tornar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) um processo público de avaliação e decisão, dando subsídios e orientação às decisões do governo. Outra questão amplamente analisada é a interpretação dos papéis que o poder público, a iniciativa privada e as comunidades locais têm exercido no processo de desenvolvimento do turismo e, em especial, o impacto que tal evolução tem resultado sobre o meio ambiente e sobre a população residente.

Mapeando conflitos sócio-ambientais gerados pelo turismo
Mapear os conflitos que surgem entre o poder público, instituições privadas, organizações não governamentais e comunidades, envolvidas no processo de instalação de projetos turísticos, é uma das alternativas encontradas por um grupo de pesquisadores da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. José Célio S. Andrade, Maria Teresa Franco Ribeiro, Maria de Fátima Góes e Emiliana Vargens, pesquisadores do grupo, têm investigado os conflitos sócio-ambientais que surgiram com a instalação do complexo turístico Costa do Sauípe, no litoral norte da Bahia. Entre os problemas mapeados pelos pesquisadores a partir do que a população local achava importante estava o da piaçava, recurso natural usado pelas mulheres da região para a produção de artesanato, que tornou-se, para algumas comunidades, de difícil acesso. Ribeiro lembra que "quando você cria um empreendimento turístico, você cerca, e impede o acesso de pessoas da região". A possibilidade de algumas pessoas deixarem de produzir o artesanato com a piaçava é, na opinião de Ribeiro, "uma ameaça ao conhecimento local".

O tratamento do esgoto foi outro problema identicado junto à comunidade. O projeto inicial para o conglomerado turístico de Sauípe definia a construção de um emissário submarino, porém esta tecnologia não foi utilizada e o esgoto pode degradar os rios da região, atingindo os manguezais e compromentendo as atividades de pesca da comunidade. Um terceiro problema envolve um grupo italiano que comprou uma área chamada Barra, onde a população local pesca e tem barracas de praia para receber turistas da região. Os empreendedores construiram um muro impedindo o acesso da comunidade local. O muro foi derrubado e está em andamento um processo judicial sobre o caso. Ribeiro conta ainda que alguns destes, e outros, conflitos já foram levados ao Ministério Público e, apesar das dificuldades, analisa como importante a atuação do ministério no caso.

Localização da Costa do Sauípe - Litoral norte da Bahia
Fonte: Divulgação

Com esse trabalho de pesquisa, o grupo pretende criar uma grade analítica que considere as dimensões econômica, ambiental, social e política. "Há uma necessidade de compreender a lógica dos atores, dos conflitos e a partir disso, pensar a participação dos diversos atores na gestão ambiental. Construir assim, um conhecimento coletivo, por meio de uma metodologia participativa, criando espaços para que as diferentes lógicas - das instituições privadas, do Centro de Recursos Ambientais (CRA), do Conder e da comunidade local - possam ser compreendidas e colocadas em diálogo", diz Ribeiro. Após mapear os possíveis espaços de cooperação entre esses atores, os pesquisadores acreditam que poderão contribuir com importantes subsídios para a discussão.

Rotas possíveis de sustentabilidade
"Criar estratégias para garantir que a renda gerada pelo turismo seja mantida nas regiões onde é produzida e olhar com atenção as experiências anteriores antes de planejar e realizar novas ações" são preocupações que Teresa Magro destaca serem importantes para se pensar em um turismo mais sustentável. Porém, a pesquisadora ressalta dois temores: o de que se repita a corrida de empreendimentos turísticos sem o planejamento adequado, devido à ampla divulgação pelo governo dos seus futuros planos; e a possibilidade de se investir apenas em novos destinos, em novos empreendimentos, abandonando áreas turísticas tradicionais já degradadas, como Santos por exemplo, em que os gastos de recuperação paisagística e ambiental serão grandes. Como o país ainda tem novas áreas a serem disponibilizadas, não existe uma política de desenvolvimento em regiões degradadas pelo processo turístico.

O economista Georges Rocha acredita ser necessário redefinir as políticas para o desenvolvimento turístico no extremo sul da Bahia, em especial, garantindo instrumentos que permitam uma maior distribuição de renda, evitando a restrição da atividade ao turismo de alto padrão, propiciando mecanismos de inserção da população de baixa renda, e com pouca ou nenhuma qualificação profissional nas atividades relacionadas ao turismo. Para tanto, sugere: a abertura de linhas de crédito, com baixas taxas de juros e longos prazos para amortização das dívidas, para os micros e pequenos empresários interessados em investir no turismo regional; a criação de escolas técnicas de pesca e linhas de crédito para aquisição de barcos e renovação de frotas; a criação de infra-estrutura para recepção, conservação e a comercialização do pescado, articulando-a à uma política alimentar, à demanda dos Centros Turísticos e à exportação do excedente; e o fomento à organização de associações de classe, de moradores e entidades ambientais.

(SD)

 
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Atualizado em 10/03/2003
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