Convenção
do mar alterou os limites para a exploração
O mar sempre foi o elemento da natureza que mais influenciou no
desenvolvimento, na sobrevivência e no poder dos povos e nações.
A acelerada evolução tecnológica ampliou as
possibilidades de uso e exploração dos oceanos e os
países passaram a considerar o mar, seu leito e subsolo,
não só como via de transportes ou como fonte de alimentos,
mas, e principalmente, como grande gerador de riquezas e de considerável
importância estratégica como supridor de matérias-primas.
Assim, o desejo de incorporar maior parcela do espaço marítimo
a seus domínios ou de, no mínimo, exercer maior jurisdição
sobre esse espaço, tem sido motivo de constantes conflitos
de interesses entre os países.
A Convenção
das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM), tem
por objetivo principal a definição de normas jurídicas
para os mares e oceanos, a serem respeitadas por todos os países
signatários da Convenção. Assinada pelo Brasil,
juntamente com outros 118 países, em dezembro de 1982, na
Jamaica, foi concluída, depois de quase nove anos de negociação.
Composta de trezentos e vinte artigos e vários anexos, consagra
os conceitos de mar territorial, zona econômica exclusiva
e plataforma continental. A Convenção entrou em vigor,
internacionalmente, no dia 16 de novembro de 1994.
O Brasil,
que ratificou a convenção em dezembro de 1988, tratou
de ajustar seu direito interno aos preceitos da convenção,
antes mesmo da sua entrada em vigor, quando o presidente Itamar
Franco sancionou a lei, em 1993, que reduziu de 200 para 12 milhas
o mar territorial brasileiro (aproximadamente 21,6 quilômetros).
Assim, o nosso mar territorial compreende uma faixa de doze milhas
marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixo-mar
do litoral continental e insular brasileiro, tal como indicado nas
cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente
no Brasil.
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Mapa
territorial do Brasil |
O conceito
de zona econômica exclusiva (ZEE) foi definido na Convenção
como sendo uma zona situada além do mar territorial e a ele
adjacente, que se estende a até 200 milhas (350 km) da linha
da costa a partir da qual se mede a largura do mar territorial (v.
figura abaixo). Nessa área, qualquer estado goza do direito
de navegação e sobrevôo cabendo-lhe, ainda,
a liberdade de instalação de cabos e dutos submarinos.
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Nela,
os Estados costeiros têm o direito de exercer sua soberania
para fins de exploração e aproveitamento dos recursos
biológicos e minerais existentes no leito, subsolo do mar
e nas suas águas sobrejacentes. A pesca deve ser praticada
dentro dos limites de captura exigidos para a preservação
das espécies cuja reprodução esteja gravemente
ameaçada. Cabe aos Estados a autorização, mediante
licença, para que outros países completem o nível
de captura recomendada pelos organismos internacionais, estabelecendo
as cotas, o período de tempo em que a pesca ocorrerá
e as espécies que poderão ser capturadas.
No
caso de países sem litoral a convenção estabelece
que, através de acordos, eles têm direito de aproveitar
os recursos vivos em base eqüitativa e do excedente das zonas
econômicas exclusivas de seus vizinhos, mediante acordos regionais
ou bilaterais que determinem suas condições e participação.
A plataforma
continental trata-se geograficamente daquela parte do leito do mar
adjacente da costa, cuja profundidade em geral não excede
duzentos metros, e que, a uma boa distância do litoral, cede
lugar a inclinações abruptas que conduzem aos fundos
marinhos. Sob essa plataforma o Estado costeiro exerce direitos
soberanos de exploração dos recursos naturais. Era
assim mesmo na época em que a largura dos mares territoriais
variava entre três e doze milhas e que, por causa disso, a
maior parte da plataforma jazia sob águas de alto mar.
A chamada
"Guerra das Lagostas" travada entre Brasil e França
em águas nordestinas, na década de 60, resultou da
presença constante de navios franceses em águas próximas
do mar territorial brasileiro, que era de três milhas. Barcos
pesqueiros franceses realizavam a captura de lagosta na plataforma
continental brasileira, apesar do governo brasileiro ter estabelecido
que apenas barcos previamente autorizados poderiam fazê-lo.
Como alguns barcos teimavam em descumprir essa determinação,
foram deslocados para a região próxima de Natal (RN)
alguns navios de guerra brasileiros para, se necessário,
fazer cumprir a deliberação tomada.
As
águas eram de alto mar e portanto a pesca era livre. O Brasil
sustentou que o crustáceo, como espécie predominantemente
rasteira e não nadadora, possuía seu habitat na plataforma
continental brasileira. A França insistia que capturava a
lagosta quando ela pulava na água, longe da zona costeira.
A decisão favorável ao Brasil foi fator preponderante
para que este pleiteasse, e obtivesse de outros países, o
reconhecimento do direito de exercer sua soberania sobre as águas
compreendidas entre o litoral e as 200 milhas marítimas.
A Convenção
criou um mecanismo obrigatório encarregado de solucionar
as controvérsias no domínio do direito do mar. Quando
os Estados partes não conseguem solucionar uma controvérsia
relativa à interpretação ou aplicação
do regulamentado, são obrigados a seguir os procedimentos
sobre solução de controvérsias definidos na
Convenção, um dos quais consiste em recorrer ao Tribunal
Internacional do Direito do Mar. O Tribunal, sediado em Hamburgo
(Alemanha), entrou em funcionamento em 1996, dois anos após
a entrada em vigor da Convenção.
Critérios
para delimitação do mar territorial brasileiro podem
ser alterados
A Câmara dos Deputados promoveu, no final do ano passado,
audiência pública para discutir os critérios
para a demarcação da divisa entre estados e municípios
costeiros e para a compensação financeira pela exploração
de recursos naturais no mar territorial. A matéria é
tratada no Projeto de Lei 4359/01, do deputado Feu Rosa (PSDB-ES),
estabelecendo que a demarcação da divisa entre estados
e municípios costeiros será feita com base nos pontos
relativos ao limite interestadual e intermunicipal na linha da costa
e seu correspondente na linha do mar territorial.
O projeto
também estabelece que a participação na exploração
dos recursos naturais em mar territorial, plataforma continental
ou zona econômica exclusiva deve ser dividida em partes iguais
entre os estados e municípios limítrofes. O problema,
na opinião do deputado Gustavo Fruet (PMDB-PR), é
que a proposta não avança no sentido de uma definição
clara, deixando a decisão para o poder executivo como já
acontece hoje. A legislação atual não fixa
critérios específicos, apenas determina que o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabeleça
as linhas de projeção dos limites territoriais confrontantes,
segundo a linha geodésica ortogonal (perpendicular) à
costa ou segundo paralelo até o ponto de sua interseção
com os limites da plataforma continental.
"É
um assunto complexo, que precisa ser discutido a fundo", diz
Fruet. Ele cita como exemplo a ação que tramita há
11 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), discutindo as divisas
marítimas entre Paraná e Santa Catarina. A ação
foi proposta pelo Governo de Santa Catarina para reivindicar os
royalties pela extração de petróleo em poços
hoje considerados em território paranaense.
O estado
de Santa Catarina reivindica participação nas receitas
recebidas pelo Paraná pela exploração do poço
P-14 da Petrobras, no campo de Caravela. O perito designado pelo
STF, José Jaime Rodrigues Branco, contestou os critérios
adotados pelo IBGE e estabeleceu uma nova divisão que reduz
substancialmente o mar territorial do estado do Paraná.
O Supremo
ainda não tomou uma decisão mas, se seguir o parecer
do perito, além de ter de devolver ao estado de Santa Catarina
algo em torno de US$ 20 milhões por ano de exploração,
o Paraná terá enormes perdas em sua arrecadação.
É que a decisão pode criar jurisprudência e
estabelecer novos critérios para a demarcação.
Só para se ter uma idéia das receitas que deixará
de arrecadar, basta dizer que a Petrobras deverá dar início
em breve à exploração de três novos campos
- Coral, Estrela e Tubarão. Só o primeiro tem uma
estimativa de produção duas vezes superior à
de Caravela. "Estamos falando, por baixo, em US$ 50 milhões",
calcula o deputado federal Gustavo Fruet.
Pela
legislação vigente, há mudança de traçado
cada vez que se amplia a extensão da zona econômica
exclusiva. O deputado explica que apenas os estados do Paraná
e do Piauí não têm linhas de projeção
paralelas de seu território, em razão da configuração
côncava de seu litoral. "Esse tema tende a ganhar maior
visibilidade à medida que forem confirmadas novas descobertas
de poços de exploração de petróleo.
O assunto é estratégico para o país, para os
estados e municípios", afirma Fruet.
(MP)
Mais
informações:
Oceanos e Direito do Mar: www.un.org/Depts/los
Tribunal Internacional do Direito do Mar: www.itlos.org
Organização Marítima Internacional: www.imo.org
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