Manguezais
ajudam a recuperar solo e água
Por
ser um país com extensa faixa litorânea, o Brasil possui
uma das maiores áreas de manguezais do mundo, estimada em
mais de dez mil quilômetros quadrados. Encontrado em regiões
tropicais e sub-tropicais, esse ambiente possui vegetais microscópicos
que estão na base da cadeia alimentar de uma série
de animais do litoral e microorganismos, capazes de recuperar o
solo e a água de regiões afetadas por acidentes envolvendo
derramamento de petróleo no oceano.
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Árvores
de mangue com raízes sob águas salgadas
Foto: Viviane de Oliveira/Instituto de Pesquisas Jardim Botânico |
Os
manguezais são ecossistemas que ficam nas regiões
de estuários, faixas de transição entre o ambiente
marinho e o terrestre, nos lugares onde os rios deságuam
no mar. São habitados por espécies vegetais típicas
de ambientes alagados, resistentes à alta salinidade da água
e do solo. Uma árvore de manguezal, chamada de mangue, chega
à fase adulta e se reproduz em apenas cinco anos, e pode
atingir cerca de vinte metros de altura. Apesar de possuírem
apenas sete espécies de árvores, os manguezais apresentam
uma enorme biodiversidade. Além de bromélias e orquídeas,
há uma grande abundância de algas microscópicas.
Segundo
um estudo de pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE), coordenado por Enide Leça, um centímetro
quadrado de manguezal pode abrigar aproximadamente 200 mil microalgas.
De acordo com os pesquisadores, por estar na base da cadeia alimentar,
essa abundância de algas garante a sobrevivência de
uma grande quantidade de animais e a produtividade do ambiente para
a população dos litorais, que vive da pesca artesanal
de peixes, camarões, caranguejos e moluscos. "As microalgas
são alimento para os animais menores, e estes são
alimento para os animais maiores", diz Leça.
A pesquisadora
explica que a ostra, o mexilhão, as larvas de camarão
e o sururu são espécies filtradoras, que ao engolir
a água do estuário, retêm as microalgas. O estudo
mostrou ainda que algumas espécies de peixe, como a tainha,
a agulha e a carapeba, também se alimentam de algas microscópicas.
A diversidade de animais trazidos pelas marés altas para
esse ecossistema atrai muitas espécies de aves, como a andorinha
azul e a garça vaqueira, que fazem seus ninhos nas árvores
do manguezal e, nas marés baixas, se alimentam de peixes
e invertebrados marinhos, como crustáceos, moluscos, insetos
e vermes aquáticos.
A UFRPE
também realizou, a pedido do CNPq, um estudo intitulado "Estado
Atual de Conservação e Uso de Manguezais do Litoral
Brasileiro", para a Sociedade Internacional de Ecossistemas
de Mangue (Isme, em inglês). Esse levantamento, coordenado
por Maryse Paranaguá, mostra que os manguezais se estendem
por cerca de 6,8 mil quilômetros do litoral brasileiro, indo
desde a foz do rio Oiapoque, no Amapá, até a foz do
rio Araranguá, em Santa Catarina.
Segundo
o levantamento, aproximadamente 80% dos manguezais do país
estão nas regiões Norte e Nordeste, especialmente
nos estados do Amapá, Pará e Maranhão. Este
último possui cerca de 500 mil hectares de mangue. "No
Maranhão, são registradas grandes marés, de
até 8 metros de altura, com grande penetração
no continente. Por isso, há tantos manguezais nesse estado",
explica a coordenadora da pesquisa.
Apesar
de ainda terem extensão relativamente grande no país
e serem protegidas desde 1993 pelo Decreto Federal nº 750,
as áreas de mangues brasileiras tiveram uma redução
de cerca de 46,4% num período de catorze anos. Um artigo
publicado em 2001 na revista American Bioscience, por pesquisadores
da Universidade de Boston, mostra um levantamento da destruição
desse ecossistema, baseado no Atlas Mundial de Manguezais, feito
em 1997 a partir de fotos de satélites.
De
acordo com o estudo, o Brasil tinha uma área de aproximadamente
25 mil quilômetros quadrados de manguezais em 1983 e, segundo
fotos de satélites, passou a ter apenas 13,4 mil quilômetros
quadrados em 1997. Os pesquisadores norte-americanos apontam entre
as possíveis causas a proliferação de fazendas
para exploração do camarão e o desmatamento
para uso da lenha do mangue. Mas existem outros agentes de degradação,
como esgotos industriais e domésticos e, nos últimos
anos, o mundo assistiu a agressões mais severas a esse ecossistema
das regiões tropicais litorâneas: os acidentes envolvendo
derramamento de óleo nas águas costeiras do oceano.
"Embora
a vegetação do manguezal possa assimilar uma quantidade
razoável de contaminantes, certos limites devem ser estabelecidos
para protegê-la da poluição pesada, particularmente
de óleo e substâncias tóxicas", afirma
Tânia Brazil, pesquisadora do projeto "Qualibio - Caracterização
de Ambientes", desenvolvido na Universidade
Federal da Bahia, que faz a divulgação de textos
científicos, principalmente para estudantes do ensino médio.
Dentre
os vários estudos desenvolvidos no projeto, ela trabalhou
na caracterização do complexo estuarino de Camamú,
na Bahia. Brazil explica que o manguezal funciona como um "berçário"
para espécies com valor comercial, como camarões,
lagostins, moluscos e peixes, por reter nutrientes nos estuários.
"Os manguezais são considerados áreas vitais
no nosso planeta e requerem o máximo de proteção
contra distúrbios ambientais", diz a pesquisadora. Segundo
ela, a baía de Todos os Santos, na Bahia, considerada o maior
estuário do país, é também conhecida
por seu ambiente degradado.
Os
próprios manguezais, no entanto, podem apresentar soluções
para acidentes como o do rompimento de um oleoduto da Petrobras,
em 2000, que gerou o derramamento de 1,3 milhão de litros
de óleo na baía de Guanabara. Estudos desenvolvidos
por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), apoiados pela
Fundação de Ensino Superior de Olinda e pelo Laboratório
de Farmácia da Universidade Federal de Pernambuco, revelaram
que 80% das bactérias do manguezal do rio Paratibe, que fica
no município de Paulista (PE), podiam degradar petróleo
e seus derivados, ou seja, diminuir os seus níveis em solos
e aqüíferos contaminados.
Em
outro manguezal a 70 quilômetros dali, os pesquisadores verificaram
que somente 5% dos microorganismos tinham a mesma capacidade de
degradação. Segundo a pesquisa, isso se deve ao fato
de o rio Paratibe ser bem mais poluído, recebendo efluentes
industriais e esgotos domésticos. Assim, a maioria das bactérias
do solo desse manguezal teria desenvolvido mecanismos de defesa
contra substâncias químicas, para se adaptar ao ambiente
em desequilíbrio. A pesquisa também analisou amostras
de bactérias de manguezais do estado do Rio de Janeiro e
constatou que os microorganismos da baía de Guanabara também
podem recuperar o solo e a água afetados por derramamento
de óleo.
Além
de pesquisas como essas, o poder público também tem
dado sua parcela de contribuição para recuperar ambientes
degradados. Parte da multa imposta à Petrobras pelo acidente
ocorrido em 2000 foi repassada pelo Ministério do Meio Ambiente,
através do Ibama, para o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico,
do Rio de Janeiro. Esse dinheiro tem sido aplicado no "Projeto
Manguezal", coordenado por Bruno Coutinho Kurtz, pesquisador
do Instituto, com a colaboração de Mário Luiz
Gomes Soares, do Núcleo de Estudos em Manguezais da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e executado pelos oceanógrafos
Viviane Fernandez de Oliveira e Júlio Augusto de Castro Pellegrini.
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Área
de proteção ambiental de Guapimirim, na baía
de Guanabara
Foto: Júlio Augusto Pellegrini/Instituto de Pesquisas
Jardim Botânico |
Um
dos objetivos do "Projeto Manguezal" foi caracterizar
a estrutura dos manguezais da Área de Proteção
Ambiental (APA) de Guapimirim, na parte oriental da baía
de Guanabara. Essa foi a primeira APA específica de manguezais
a ser criada no país, em 1984. A caracterização
de seus manguezais, que incluiu a medida de diâmetros e altura
das árvores de mangues, e a quantificação de
árvores mortas e de árvores cortadas, tem como meta
contribuir para o estabelecimento de níveis de conservação
do ecossistema e para a elaboração de um "Plano
de Manejo" para a APA de Guapimirim.
(RC)
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