O
momento de repensar a economia pesqueira no Brasil
Patrízia
Raggi Abdallah e
Jorge P. Castello
A
pesca é uma das atividades mais antigas do Brasil, se fazendo
presente desde o período colonial. O estudo desta atividade
é, além de curioso, oportuno e importante no momento.
Para ressaltar essa importância, este texto relata um breve
histórico da evolução econômica da atividade
pesqueira no Brasil e dos impactos das políticas federais
pesqueiras sobre essa atividade1,
e levanta questões e interesses econômicos atuais no
que se refere à condução da política
pesqueira brasileira para os próximos tempos.
Histórico
da política e evolução da pesca no Brasil
A análise histórica das políticas voltadas
para a atividade pesqueira no Brasil demonstra que essas atuaram
em dois sentidos: estabelecer regulamentações e conceder
incentivos à produção.
A política
de regulamentação preocupou-se, durante muito tempo
(desde os anos 30), com a criação de órgãos
para regulamentar a extração do pescado, mas não
se ateve em diagnosticar o estoque de pescado nacional. Com a criação
da Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca (Sudepe),
a partir da década de 60, a atividade pesqueira tomou maior
impulso. Em 1989, o Governo Federal extinguiu esse órgão
e suas atribuições e competência passaram a
ser desempenhadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério
do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia
Legal.
A política
de incentivo à produção pesqueira iniciou-se
em 1967 com a promulgação do Decreto-lei 221. Até
os anos 60, a atividade pesqueira no Brasil era predominantemente
artesanal e sua produção estava voltada basicamente
para atender o mercado interno. A partir de então, através
dessa política de incentivos fiscais à pesca, desenvolveu-se
a chamada pesca industrial, voltada, preferencialmente, para o mercado
externo. Esse Decreto permitiu deduções tributárias
para investimentos em projetos pesqueiros, além de isenção
de impostos e taxas federais para a importação de
máquinas, equipamentos e instrumentos em geral. Os incentivos
fiscais atuaram no período de 1967 a 1986 e contribuíram,
significativamente, para ampliar a produção nacional
de pescado e o parque industrial processador desse produto. Durante
os anos iniciais dessa política de incentivos à pesca
(de 1967 a 1972), do total dos recursos captados, 91% foram investidos
na indústria, captura, administração e comercialização,
não sendo identificado investimento algum na área
de pesquisa e levantamento de dados, sendo que 78% desses recursos
foram captados no período inicial dessa política (de
1967 a 1974). Destaca-se, aqui, a pouca atenção dada
à questão do estoque de pescado.
A evolução
da produção brasileira de pescado é marcada
pelas políticas descritas. Conforme dados do Anuário
Estatístico do Brasil, a produção nacional
do pescado passou de 281,5 mil toneladas em 1960 para 971,5 mil
toneladas em 1985 (estas cifras compreendem a pesca marinha, de
água doce e aqüicultura). Contudo, desde 1986 essa produção
vem caindo, tendo sido produzidas 798,6 mil toneladas de pescado
em 1989, atingindo 697,6 mil toneladas em 1994. Os dados do IBAMA
para o qüinqüênio 1996 a 2000 apresentam uma produção
média nacional de aproximadamente 650 mil toneladas, confirmando
a tendência decrescente da produção do pescado
no Brasil. Deve-se considerar que, antes dos anos 90, a produção
média anual devida à pesca em águas interiores
e à aqüicultura era de cerca de 22% e, esse percentual
para os anos 90 aumentou para cerca de 30%, caracterizando a menor
participação da pesca marítima (apenas 450
mil toneladas em 2000) na reduzida produção pesqueira
nacional.
Estudiosos,
já na década de 90 [como Paez (1993) e Giulietti &
Assumpção (1995)], atribuíam a redução
na produção pesqueira marítima à sobrepesca
de algumas espécies, à predação dos
recursos naturais pesqueiros e à conseqüente diminuição
dos estoques.
Além
do efeito da política pública sobre os estoques de
pescados, há que se considerar seu efeito sobre a indústria,
a renda e o emprego no setor pesqueiro. Conforme estudos realizados,
verificou-se redução do valor da produção
pesqueira e do nível de emprego na captura e na indústria
do pescado. Para se ter uma idéia, o número de estabelecimentos
industriais de preparação e fabricação
do pescado, durante o período dos incentivos fiscais, aumentou
significativamente, passando de 174 em 1970 para 272 estabelecimentos
em 1985, mostrando uma taxa média de crescimento anual de
3%; enquanto essa taxa entre 1985 e 1995 (período posterior
à política de incentivos) foi de apenas 0,18%. Esta
baixa taxa de crescimento do número de estabelecimentos industriais
de preparação e fabricação de pescado,
após a atuação da política de incentivos
fiscais à pesca, está relacionada à ociosidade
do parque industrial pesqueiro que, por sua vez, é conseqüência,
em grande parte, da escassez de matéria-prima. Ressalta-se
ainda que, já no final da década de 80, muitas das
empresas de pescado espalhadas pela costa brasileira desapareceram.
Questões
atuais e interesses econômicos envolvidos
Nesta virada de século, observa-se um grande empenho dos
industriais pesqueiros, armadores e agentes econômicos ligados
à atividade pesqueira no sentido de "retomar os bons
tempos" vividos pelo setor pesqueiro brasileiro. Este movimento,
que é reforçado com os recentes resultados econômicos
favoráveis à atividade2,
traz em foco a reivindicação aos governos federal
e estaduais, por partes destes atores, de uma política de
crédito subsidiado para investimento no reaparelhamento do
sistema produtivo da pesca, ou seja, aquisição de
barcos com tecnologias avançadas, com a presença de
sonares, GPSs para localização de fundos de pesca
comercializáveis etc.
A realidade
mostra que hoje os pescadores estão se afastando cada vez
mais da costa litorânea, pela carência dos estoques
pesqueiros na região costeira. Tal fato exigiu uma frota
mais eficiente que foi, até certo modo, suprida pela presença
de "barcos arrendados" participando fortemente da produção
pesqueira brasileira.
Diante
do relato histórico e das atuais reivindicações,
questiona-se, com preocupação, a sustentabilidade
dos recursos pesqueiros e, também, se não está
sendo proposta a mesma trajetória de desenvolvimento ao setor
pesqueiro, porém, numa época de comprovada existência
de sobre-exploração de recursos de alto valor comercial
bem como a exaustão de determinadas espécies.
É
neste contexto que deve ser relevada, sempre que em foco, a proposta
de aumento da produção pesqueira. Deve-se tomar muito
cuidado com anúncios de aumento da produção.
Segundo estudos realizados em 2001 pela FAO (ONU), 75% dos estoques
do mundo estavam plenamente explotados ou sobre-explotados, 7% haviam
colapsado, apenas 2% mostravam algum sinal de recuperação
produtiva e, para os 16% restante, não foi possível
fazer um diagnóstico claro. Apesar das esperanças
iniciais em encontrar novos estoques de recursos comerciais em águas
profundas e afastadas do litoral, os resultados do projeto Revizee
(Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva) não permitem
sustentar aumentos de produção, pois o volume desses
novos recursos são insuficientes para tanto.
Frente
a essa situação, pode-se voltar a níveis de
produção anteriores se medidas de gestão pesqueira
forem tomadas visando à recuperação de estoques
sobre-explotados. Para isso, o que se precisa é diminuir
esforço e proteger zonas e momentos do ciclo vital desses
recursos através do estabelecimento de áreas de proteção
marinha. Por outro lado, entende-se que os produtos pesqueiros devem
ter mais valor agregado, através de novas tecnologias de
conservação e processamento. Trata-se, então,
de redirecionar os investimentos. Em vez de novos barcos com maior
poder de captura, aumentar a eficiência unitária deles,
mas deixar constante a capacidade de captura retirando unidades
de frota obsoletas. A aqüicultura, tanto em água doce
como marinha, tem um potencial significativo no Brasil que pode
e deve ser desenvolvido, atuando com sistema de produção
alternativo e de complemento à oferta de pescado no mercado
nacional e internacional. Porém, seu desenvolvimento deve
ser realizado com cuidado, evitando repetir os erros cometidos por
outros países que geraram um passivo ambiental enorme e acabaram
por comprometer a própria sustentabilidade da atividade.
Notas:
1.
Com base no trabalho de Abdallah, P. R.. (1998). Atividade pesqueira
no Brasil: política e evolução. Tese de Doutorado.
ESALQ/USP, Piracicaba, SP. [voltar]
2. Conforme dados publicados em "Pesca, setor
em crescimento. A tribuna/Da reportagem. 23/01/2003. link",
houve aumento da exportação de peixes, lagostas e
camarões de 23,4% em 2002, comparado com o ano de 2001; alta,
em 2002, de 37,8% no volume exportado do pescado nacional em comparação
com o 2001; superávit na balança comercial do setor
pesqueiro em 2002 de US$131,948 mil, dados estes extraídos
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
- MAPA. [voltar]
Patrízia
Raggi Abdallah
é professora adjunta da Fundação Universidade
Federal do Rio Grande - FURG/DCEAC, e Coordenadora do Centro de
Estudos em Economia e Meio Ambiente - CEEMA/FURG
Jorge P. Castello é
professor titular da Fundação Universidade Federal
do Rio Grande, Laboratório de Recursos Pesqueiros Pelágicos.
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