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Legislação para maricultura é débil

Quando o assunto é a maricultura brasileira, deve-se considerar as características oceanográficas regionais. No estado de Santa Catarina, a maricultura tem encontrado terreno fértil. Cerca de 90% da produção nacional de moluscos se concentra no estado. Além de apresentar condições climáticas e ambientais favoráveis e um litoral bastante recortado, com baías abrigadas, a pesquisa universitária e a extensão universitárias foram importantes no processo de crescimento dessa atividade. Os municípios de Palhoça, Florianópolis, Governador Celso Ramos, Bombinhas, Penha e São Francisco do Sul são responsáveis pelos maiores índices de produção do estado. Nenhum dos produtores desses municípios, no entanto, têm suas atividades devidamente legalizada.

As condições favoráveis de temperatura das águas e baías abrigadas também fazem com que o estado se destaque na produção de ostras do pacífico (Crassostrea gigas) e mexilhões (Perna perna). Para estes, os imensos bancos naturais de sementes espalhadas por toda a costa rochosa do litoral catarinense são fatores favoráveis.

A produção de mexilhões teve um significativo aumento na década de 90, passando de 500 toneladas em 1991 para 11.364 toneladas em 2000. A queda na produção do ano seguinte envolve dois fatores. O primeiro representa a dificuldade dos produtores na extração de sementes nos bancos naturais. O outro fator indica que só houve assentamento de sementes nos coletores manufaturados. No caso das ostras, nesse mesmo período, o aumento foi de 48 mil dúzias/ano em 91 para 762 mil dúzias/ano em 2000.

Evolução na produção de mexilhões cultivados em Santa Catarina (toneladas)
Fonte: Epagri

Do ponto de vista dos maricultores, o patamar no qual se encontra a produção catarinense e a riqueza gerada não podem ser negligenciados. Uri Mafra Machado, presidente da Federação das Associações de Maricultores de Santa Catarina (Famasc), explica que o número de famílias envolvidas na atividade e o volume de capital gerado deveriam chamar mais atenção do poder público. "É uma atividade recente e carece de muita regulamentação. Até o momento temos apresentado algumas propostas, alguns projetos e programas ao governo que gostaríamos de implementar, mas o governo tem tido dificuldades em avançar. Não temos um malacocultor (produtor de moluscos marinhos) legalizado no estado de Santa Catarina, nem no Brasil", diz.

Assim, como as demais atividades usuárias de recursos naturais, a maricultura precisa de normas, critérios e instrumentos legais que balizem suas atividades. No entanto, embora o Brasil conte com alguns documentos legais no setor, esse conjunto ainda se mostra inadequado, inacabado e ineficiente, denotando que há muito trabalho a ser feito. "Em uma discussão, em novembro de 2002, entre o Ibama, técnicos e produtores do sudeste e do sul do país, foi elaborado um documento e encaminhado para o presidente do Ibama para que se baixasse uma portaria que tratasse do problema do licenciamento ambiental. A Federação Nacional [da categoria] está trabalhando através de um projeto que foi aprovado juntamente com o Ministério de Desenvolvimento Agrário no final de 2002. O projeto refere-se a demarcação e mapeamento de áreas na lâmina d'água. Estamos encaminhando ao Ministério pedidos de reconhecimento dessas áreas, através da liberação de registros", explica Machado.

Impactos ambientais são positivos
Para Francisco Manoel de Oliveira Neto, coordenador do Programa de Desenvolvimento de Cultivo de Moluscos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), os impactos ambientais da malacocultura têm sido positivos, pois vem despertando a consciência ecológica dos pescadores.

Além de a malacocultura ser uma atividade geradora de renda e emprego nas comunidades pesqueiras, apresenta-se como fixadora das populações tradicionais, minimizadora da pesca predatória, favorecendo o retorno de espécies de peixes aos locais de cultivo. "Um fator positivo da atividade é a recuperação dos estoques pesqueiros e a formação e/ou recuperação da biodiversidade. Espécies que deixaram de existir nos ecossistemas costeiros reapareceram, como, por exemplo, os polvos, garoupas, badejos e outras. A questão da poluição não incomodava os produtores, que antes só praticavam atividades extrativistas, hoje passou a incomodar, já que próximo à comunidade dos pescadores fica a zona de cultivo e cerca de 85% dos maricultores são pescadores artesanais. Se o esgoto é jogado diretamente no mar, eles brigam", explica. Diferente da piscicultura marinha, a alimentação das ostras e mexilhões é feita naturalmente, não sendo lançado nenhum tipo de alimento no mar.

O mesmo não acontece com a carcinicultura. Iracema Nascimento, coordenadora de Pesquisa da Faculdade de Tecnologia e Ciências e pesquisadora do CNPq pela Universidade Federal da Bahia-UFBA, explica que a oferta de alimento aos camarões nos tanques de cultivo é fator de aumento do material em suspensão, o que pode gerar déficit de oxigênio em determinadas circunstâncias, impossibilitando a filtração para os animais que utilizam esse mecanismo de alimentação. Sobre isso, Oliveira Neto defende-se dizendo que, no caso da malacocultura as áreas que constituem os parques aquicolas ocupam um percentual minimo dos ecossistemas. Segundo ele, as áreas são devidamente delimitadas, sinalizadas e com planos de manejo. "Nos quinze anos da existência do cultivo, a atividade não apresentou resultado negativo nenhum", finaliza.

A maricultura, como ramo específico da aqüicultura (atividade que consiste na produção, em cativeiro, de organismos com habitat predominantemente aquático), trata da produção, em cativeiro, de organismos marinhos. Dos 27,8 milhões de toneladas de recursos aquáticos produzidos anualmente pela aqüicultura mundial, 47% vem da água salgada, outros 47% da água doce e o restante, 6%, da água salobra. Relatórios da Organização das Nações Unidas para Alimento e Agricultura (FAO), estimam em 120 milhões de toneladas a produção mundial de organismos marinhos, sendo 77% capturados e 23% cultivados. Isso mostra que, apesar dos avanços tecnológicos das ciências oceanográficas - a partir da década de 50 - e da aplicação dos princípios básicos de funcionamento dos ecossistemas marinhos na Oceanografia Pesqueira, a maricultura ainda é muito menor em relação a pesca e ao extrativismo dos bancos naturais. Atualmente, a maricultura é um dos setores que mais cresce dentro do cenário global de produção de alimentos, sendo vista como alternativa para atender a demanda comercial e a preservação dos estoques naturais. Seu crescimento vem apresentando uma taxa média de 10,6% ao ano, desde 1990.

A totalização anual da produção aquícola brasileira é 115.398 toneladas. Os estados de Santa Catarina, com 22.650 toneladas, o equivalente a 20% da produção, e Rio Grande do Sul, com 17.448 toneladas e 15,1% da produção, atribuem à região um visível domínio na produção aquícola nacional. Apesar do clima menos favorável - mais frio-, os três estados sulistas representam 49,1% da produção nacional. Os outros estados que mais produzem são São Paulo e Bahia (ver tabela 1).

TABELA 1 - Produção aquícola nos diferentes Estados brasileiros.
Estado Produção (t) Participação (%)
SC 22.650 19,6
RS 17.448 15,1
PR 16.537 14,3
SP 15.830 13,7
BA 8.070 7,0
CE 7.257 6,3
RJ 4.500 3,9
RN 4.304 3,7
(Fonte: Aqüicultura no Brasil, bases para um desenvolvimento sustentável, alterado).

Uma atividade que se destaca na maricultura brasileira é a carcinicultura. "O termo é empregado genericamente para referir-se ao cultivo de crustáceos, sejam camarões, lagostas, caranguejos ou crustáceos microscópicos. Entretanto, seu uso é mais comumente associado ao cultivo de camarões, atualmente concentrado na espécie exótica, não nativa do Brasil - Litopenaeus vannamei", explica Willian Severi, professor do Departamento de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Entre 1996 e 2000 o cultivo de camarão cresceu em áreas de viveiro, de produção total e de produtividade. A área de cultivo teve um acréscimo de 95% nos últimos cinco anos. A produção total teve o extraordinário aumento de 768%, isso representa o grau de tecnificação a que foi submetido o cultivo de camarão (ver tabela 2).

TABELA 2 - Evolução da carcinicultura brasileira (1995 -2000)
Itens/Anos 1996 1997 1998 1999 2000
Área de viveiros em ha 3.200 3.548 4.320 5.200 6.250
Produção em Ton. 2.880 3.600 7.250 15.000 25.000
Produtividade em kg/ha/ano 900 1.015 1.680 2.885 4.000
(Fonte: ABCC. Plataforma Tecnológica do Camarão Marinho Cultivado).

A produtividade nacional de 4.000 kg/ha/ano, registrada no ano 2000, mostra a eficiência tecnológica na produção do camarão marinho cultivado, colocando o Brasil entre os primeiros países produtores do mundo, em rendimento. Cerca de 95% da área cultivada de camarão marinho está no nordeste e 97% da produção nacional. O Rio Grande do Norte é o estado que mais produz. De um total de 380 fazendas, 149 se concentram no estado, abrangendo uma área de 1.750 ha. Outro estado que se destaca na carcinicultura é a Bahia, com um total de 38 fazendas que estão distribuídas em 1.510 ha de área. Na Bahia há predominância dos grandes produtores.

Carcinicultura: Solução ou Problema
Iracema Nascimento, da UFBA, preocupa-se com as consequências ambientais. "O uso excessivo das áreas com monocultivo de camarões pode gerar problemas ambientais, que justificam buscas de alternativas de locações dos empreendimentos de carcinicultura. O lançamento de efluentes pelas fazendas de camarão pode exceder a capacidade assimilativa do corpo receptor, resultando em comprometimento da qualidade da água para uso na própria fazenda".

O problema dos efluentes também merece atenção entre os pesquisadores pernambucanos. William Severi, explica que, atualmente, o Departamento de Pesca da UFRPE desenvolve projetos voltados à minimização do impacto de efluentes de carcinicultura sobre a qualidade da água dos estuários. Esses projetos envolvem o cultivo consorciado de ostras com biofiltro, o manejo de água em viveiros e o dimensionamento dos níveis de nutrientes em cultivos com renovação controlada de água e troca-zero.

Os manguezais, locais próximos de onde se cultiva o camarão devido à presença de água salobra, são áreas protegidas em que a quantidade de silte e argila ultrapassa a quantidade de areia nos sedimentos. Com a introdução de alimentos nos tanques de cultivo, as quantidades de materiais em suspensão, que ultrapassa teores de 50mg/L em sólidos filtráveis, são aumentados, de modo que, pela própria dinâmica da atividade, pode-se atingir valores críticos para organismos filtradores, gerando a impossibilidade de filtração para animais como as ostras, por exemplo. Procurando reduzir os impactos ambientais, as fazendas são obrigadas a construir extensos canais que propiciem a sedimentação de parte do material siltoso ou argiloso, antes de sua introdução nos viveiros. "Além disso, torna-se obrigatória a construção de lagoas de estabilização para os efluentes das fazendas; do contrário, o aumento do material em suspensão (decorrente da oferta de alimento não de todo utilizado) liberado para o corpo receptor, no final de cada ciclo de produção, poderá ocasionar sérios problemas para os organismos do ecossistema, representando uma intervenção nociva ao ambiente", explica Nascimento. Apesar dos impactos causados pelo acúmulo de matéria orgânica, Nascimento explica que os problemas da carcinicultura baiana não são ainda de maior gravidade, "em estados vizinhos, devido à maior expansão da atividade, sobretudo através de pequenos empreendimentos onde o controle ambiental é precário, os impactos sócio-econômicos são maiores, envolvendo riscos como a redução da área produtiva da atividade tradicional de mariscagem e pesca; alteração do padrão social tradicional; redução dos estoques pesqueiros; privatização de áreas de uso público com indisponibilização de bens comuns; e riscos à saúde por uso de substâncias químicas".

A carcinicultura, como qualquer outra atividade humana que visa a produção de bens de consumo, transforma recursos naturais e produz restos. "Ela é um problema quando destrói ou impacta manguezais, com conseqüentes problemas ambientais e sociais, já que populações de baixa renda podem ser privadas de seu sustento. O cultivo semi-intensivo de camarões marinhos no Brasil vem tendo paulatino avanço tecnológico, em termos de desenho e manejo das fazendas", explica Nascimento. Por outro lado, os parâmetros de geração de empregos da carcinicultura (0.7 empregos/ha) e os de renda e geração de divisas são mais altos que os de outras atividades agrícolas e/ou industriais.

Desde que se busquem alternativas de localização no sentido de serem respeitados os dispositivos de leis que estabelecem a preservação dos manguezais, e que se atendam aos demais critérios de sustentabilidade estabelecidos pelo Conama em recente resolução, a atividade poderá ser considerada eco-compatível. "A dúvida (e risco) é se teremos condições de chegar a este patamar antes da destruição de nossa costa", questiona Nascimento. Para Severi, num modelo desenvolvimentista, de lucro a qualquer custo - sobretudo ambiental-, sem dúvida a carcinicultura é um grande e grave problema. Na ótica do modelo sustentável, se não é uma solução, é indubitavelmente uma alternativa altamente justificável para o desenvolvimento econômico e, por que não, da manutenção da integridade ecológica dos ambientes explorados, na medida em que um dos pilares de sua sustentabilidade é a própria manutenção do equilíbrio do ecossistema. Utopia? Severi acha que não. Para ele é apenas uma mudança de paradigma de desenvolvimento.

(AG)

 
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Atualizado em 10/03/2003
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