Os
caminhos para o litoral
Os caminhos para a ocupação da costa litorânea
e a construção de estradas para o interior do país
foram, e continuam sendo, fundamentais no processo de desenvolvimento
e transformação do litoral brasileiro. É uma
antiga história que começa com o Peabiru - o caminho
dos índios para o interior do continente, existente antes
da chegada dos portugueses em 1500 - até a construção
de novas estradas com modernos processos tecnológicos, como
a Nova Imigrantes (que liga a cidade de São Paulo ao Litoral
Sul paulista). Mas o que antes era uma caminho para exploração
de riquezas e a colonização no interior do Brasil,
hoje registra o maior movimento no sentido inverso, de pessoas saindo
do interior para desfrutar a beleza das praias nos finais de semana
e feriados.
No
final de 2002, a inauguração da pista descendente
da Imigrantes, que liga a cidade de São Paulo ao litoral,
foi um marco e um exemplo da capacidade de realização
de grandes projetos no Brasil. A obra da concessionária Ecovias
começou em 1998. O projeto da pista de descida tem apenas
17 quilômetros, mas a maior dificuldade foi o relevo da encosta
da Serra do Mar. O projeto priorizou a construção
de túneis em rocha firme, como o TD 1, com 3,146 metros (considerado
o maior túnel do Brasil) e o TD 3 com 3,005 metros de extensão,
além de viadutos com mais de um quilômetro. Outro resultado
positivo do uso da tecnologia na construção de túneis
e viadutos foi o baixo impacto ambiental. Na construção
foram afetados cerca de 40 hectares de floresta, enquanto na obra
da pista da subida, feita na década de 70, foram utilizados
1600 hectares.
José
Reinaldo Anselmo Setti, professor da Escola de Engenharia da USP
de São Carlos, diz que o projeto dos túneis da rodovia
foi a opção mais barata e segura para o terreno íngreme
e instável da serra. "O túnel evita os locais
de deslizamento. Feitos em rochas sãs, que suportam o peso
do teto, há poucos riscos de desmoronamento", afirma
Setti. Outro fator de qualidade na nova rodovia Imigrantes, apontado
por Setti, foi a pavimentação em concreto. "O
cimento portland é mais rígido e durável
do que o asfalto, apesar de ser mais caro. A capacidade de suportar
carga é maior e a durabilidade compensa, principalmente em
locais onde é complicado fazer o recapeamento".
Setti
é especialista em tráfego e diz que o maior problema
com os congestionamentos e o excesso de fluxo na Serra do Mar acontece
nos finais de semana e feriados. "O problema é que todo
o tráfego da Anchieta e da Imigrantes passa por São
Paulo. O carregamento de cargas para o porto de Santos é
feito através da ferrovia, que tem uma capacidade limitada
e a maioria restante vai de caminhão. Mas esse tráfego
é constante, somente há congestionamentos em certos
períodos de safra. O problema são mesmo os feriados,
que as empresas de transporte evitam".
Para
o feriado de Carnaval deste ano, a Ecovias previu um recorde de
tráfego no sistema Anchieta-Imigrantes. Eram esperados uma
média de 500 mil veículos, no fluxo em direção
ao litoral. No Carnaval de 2002, foram 420 mil carros e vários
congestionamentos. Com a inauguração da nova pista
da Imigrantes, a capacidade do sistema foi ampliada de 8.500 para
14 mil veículos por hora. Os maiores problemas de engarrafamentos
acontecem nos pedágios e entroncamento das rodovias litorâneas.
O
caminho do mar
A construção de estradas para chegar ao planalto de
Piratininga começa em 1560, quando o governo português,
representado por Mem de Sá, encarrega os jesuítas,
liderados por José de Anchieta, de abrir um novo caminho
de São Vicente até São Paulo. Em 1661, com
a deterioração daquele caminho, a Capitania de São
Vicente começa a construir a estrada do Mar, com cerca de
70 pontes permitindo o acesso de veículos. Em 1789, foi feita
uma outra recuperação do Caminho do Mar, quando foi
pavimentada com lajes de granito, ficando conhecida como Calçada
de Lorena com trechos preservados ainda hoje.
Esse
pavimento foi feito com lajes de pedra irregular com cerca de 40
centímetros de largura por 20 centímetros de altura.
Os vãos eram preenchidos com pedras menores e areia grossa,
sobre uma camada de 10 centímetros de pedregulhos e saibros
para dar resistência e estabilidade. O traçado da calçada
era moderno para a época e não atravessava cursos
d'água, o que evitava a erosão e tornava a viagem
mais segura. A Calçada de Lorena tem importante valor histórico.
A Independência do Brasil foi proclamada quando Dom Pedro
I retornava para São Paulo pela Calçada de Lorena,
já nas margens do Ipiranga, depois de visitar a família
de José Bonifácio em Santos.
Em
1837, com a autorização de cobrança de pedágios,
começou a ser construída a Estrada da Maioridade no
traçado da antiga Estrada do Mar. Depois da construção
da Calçada de Lorena, o maior problema era a ligação
entre Cubatão e Santos, no pé da serra. O fluxo de
mercadorias era precário, com sistemas de barcas que faziam
o transporte fluvial. Para a construção dessa nova
estrada foram feitos aterramentos de mangues e de terras alagadas
da região.
Com
o fim da Lei da Barreira e dos pedágios, a estrada ficou
abandonada e ainda havia a concorrência com a linha férrea,
que foi inaugurada em 1867. A construção da ferrovia
Santos-Jundiaí também foi um marco na história
de engenharia nacional. Em 1920, foi criada a Sociedade Caminho
do Mar, que reconstruiu a estrada e reabriu o pedágio. O
então presidente de São Paulo, Washington Luiz, cujo
lema era: "governar é construir estradas", determinou
a construção de monumentos para destacar a importância
histórica da estrada.
Em
1922 foi feita uma experiência, com a pavimentação
em concreto do trecho mais íngreme da estrada. No ano de
1923, o governo do estado adquiriu a Sociedade Caminho do Mar, retirando
novamente o pedágio. Parte da estrada que liga Santos a Cubatão
foi asfaltada em 1928 e a construção da rodovia Anchieta,
com um novo traçado, só começou em 1939. A
obra da Via Anchieta com investimento privado foi autorizada em
1929, pela Câmara dos Deputados, atual Assembléia Legislativa.
A crise com a queda da Bolsa de Valores de Nova York interrompeu
o projeto.
Em
1934 foi novamente autorizada a construção, que só
começou cinco anos depois. A Segunda Guerra Mundial também
prejudicou os trabalhos. Finalmente, em 1947, a pista ascendente
da Via Anchieta foi inaugurada, com 55,9 quilômetros de extensão.
A pista da descida foi aberta em 1953, tornando-se o principal corredor
de exportação e contribuindo para o crescimento do
porto de Santos e para o processo de industrialização
do país. A via Anchieta tem 58 viadutos, 18 pontes e cinco
túneis. Para se ter uma idéia do movimento da estrada,
entre 1972 e 1998, passaram 104 milhões de veículos
pelo pedágio.
Com
a saturação da capacidade de fluxo na via Anchieta,
no final dos anos 60, o governo autorizou a construção
da rodovia Imigrantes. A Dersa foi criada para administrar e construir
a nova estrada, que foi inaugurada em 1974. A Imigrantes tem 44
viadutos, sete pontes e 11 túneis. Todo o complexo Anchieta-Imigrantes
tem 176 quilômetros de extensão, que hoje são
administrados pela concessionária Ecovias. A rodovia Imigrantes
superou a Anchieta em volume de carros. No pedágio, foram
registrados 127 mil veículos até o ano de 1998.
A
Rio-Santos e as estradas litorâneas
Uma das mais belas estradas brasileiras é a rodovia Rio-Santos,
com uma paisagem que mistura o visual de praias, montanhas e Mata
Atlântica. A estrada foi construída no começo
da década de 70, com 209 quilômetros no estado do Rio
de Janeiro e 248 quilômetros em São Paulo. As obras
foram entregues em três etapas, em 1973, 1974 e 1975. Era
o tempo do milagre econômico brasileiro e a política
de integração nacional dos militares, que previa a
construção de estradas como a Transamazônica
e a Rio-Santos, consideradas prioritárias na época.
Os
objetivos da estrada eram unir os dois importantes pólos
econômicos do litoral, servir como rota de fuga para os moradores
da região de Angra dos Reis (em caso de acidentes radioativos
nas usina nucleares) e incentivar o turismo na região com
mais de duas mil praias. A obra foi realizada em duas partes, do
Rio para Ubatuba e de Ubatuba até Cubatão, onde foram
feitos 39 pontes e dois túneis. A crise do petróleo
e a mudança das prioridades na política de transportes
interrompeu a segunda etapa do projeto. Para terminar a ligação
entre as duas cidades, a atual SP - 55, que passa pelas cidades
do litoral norte, foi necessário utilizar trechos das antigas
rodovias paulistas.
O resultado
do abandono das obras é o grande tráfego no interior
dessas cidades e viadutos abandonados no meio da mata na Serra do
Mar, como o que pode ser visto em Boiçucanga, na cidade de
São Sebastião. A conclusão apressada da Rio-Santos
aconteceu no final do governo do presidente João Figueiredo,
desviando o traçado original e jogando fora investimentos
e as obras de viadutos, alguns com 50 metros de altura por 25 metros
de extensão.
Já
as estradas do litoral norte de São Paulo começaram
a ser abertas na década de 30, com a criação
do porto de São Sebastião e as estradas de rodagem
no litoral, para Santos e Ubatuba, com duas ramificações
para o interior, na serra de Caraguatatuba e de Ubatuba para Taubaté.
Antes só havia as trilhas indígenas do Rio Grande
e do Ribeirão de Itu, que foram alargadas no século
17 e originaram a rodovia São Sebastião-Bertioga (costeando
o litoral) e a antiga estrada Dória, que ligava São
Sebastião à Salesópolis. Antigamente, o acesso
do planalto ao litoral norte era feito pela cidade de Paraibuna
até São Sebastião.
Hoje
há projetos para a reformulação e duplicação
da rodovia Mogi-Bertioga e melhoramentos das rodovias na Serra de
Caraguá e Ubatuba. Outros projetos priorizam o transporte
de cargas perigosas em dutos, para liberar a estrada para veículos
leves. O Plano Diretor de Desenvolvimento de Transportes de São
Paulo (PDDT), do ano de 2003, prevê para os próximo
20 anos o estímulo do setor público para investimentos
na ampliação de dutovias, para a redução
dos custos de transportes e evitar perigos e acidentes nas rodovias.
Há até projetos para o transporte de cargas pesadas
através de cabos de aço em teleféricos, com
terminais que seriam construídos no alto de serra e transportariam
conteiners para o embarque no porto.
BR-101
Segunda maior rodovia federal, a BR-101, tem 4125 quilômetros
de extensão e atravessa quase todo o litoral brasileiro.
Ela vai do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, passando por
grandes cidades como Natal (RN), João Pessoa (PB), Recife
(PE), Maceió (AL), Aracaju (SE), Vitória (ES), Rio
de Janeiro (RJ), Santos (SP), Florianópolis (SC) até
chegar em Rio Grande (RS).
Mas
a ligação da BR 101 não é ininterrupta,
pelos próprios acidentes geográficos do litoral brasileiro
e há trechos em que não existe asfalto. Por exemplo,
não há ligação entre Peruíbe
e Iguape no sul do estado de São Paulo e para ir de Iguape
para Florianópolis é preciso pegar a rodovia Régis
Bittencourt até Curitiba. Um dos piores trechos da BR 101
fica no Rio Grande do Sul, na Região da Lagoa dos Patos,
em direção ao sul. O local é conhecido como
"estrada do inferno" e são 115 quilômetros
com pista de areia, numa viagem que dura cerca de cinco horas. Ao
sul, fica a praia do Cassino, conhecida como a maior praia do mundo,
com cerca de 224 quilômetros de extensão.
Na
região Nordeste um dos maiores problemas dessas rodovias
litorâneas é a passagem por dentro de cidades, causando
engarrafamentos e manobras perigosas. Mas, segundo José Reinaldo
Setti, isso ocorre em vários pontos do Brasil e também
nas estradas do Centro-Oeste. No Nordeste também há
a preocupação em atender a demanda do turismo e aumentar
a capacidade dessa atividade. Na Bahia, há a chamada Linha
Verde, uma estrada que começa no município de Mata
de São João e passa por seis áreas de proteção
ambiental no norte da Bahia até o sul de Sergipe. No caminho
estão belas praias, dunas, mangues, rios, coqueirais e florestas.
"A Linha Verde tornou-se, portanto, a base do desenvolvimento
do turismo no litoral norte e importante fator de transformação
de uma área caracterizada pelo seu isolamento", diz
o economista Georges Souto Rocha. Segundo ele, a Linha Verde, ao
mesmo tempo que desenvolveu a economia da região, trouxe
o aumento do custo de vida e da prstituição no local.
Além disso, segundo ele "a exploração
turística da região e a instalação da
Linha Verde, trouxe enorme especulação no comércio
de terras em toda a região. Grandes e médias propriedades
estão sendo alvo de grupos imobiliários, intensificando-se
a instalação de loteamentos ou a compra de grandes
áreas de terra"
O
Peabiru e as estradas pré-colombianas
Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, já existiam caminhos
e estradas ligando o litoral ao interior do continente. A estrada
mais conhecida era o Peabiru, um caminho que tinha várias
ramificações e ligava o litoral até a região
onde hoje é a cidade de Assunção e depois Bolívia
e Peru. Há vários registros históricos que
apontam diversas trilhas do Peabiru. Uma ligava o interior à
cidade de São Vicente, outra para Cananéia e para
a Ilha de Santa Catarina em Florianópolis. A notícia
dessa estrada mítica que levava até uma região
rica em prata e ouro nos Andes, chegou à corte portuguesa
que, em 1530, enviou Martim Afonso de Souza ao Brasil para garantir
a posse da terra. Ele também teve a incumbência secreta
de descobrir o acesso aos tesouros Incas.
Entre
os primeiros europeus que seguiram esse caminho está Aleixo
Garcia e Ulrich Schmidel. Aleixo Garcia era um náufrago sobrevivente
de uma embarcação espanhola que afundou no litoral
de Santa Catarina. Ele conviveu oito anos com os índios carijó,
que contavam histórias sobre uma serra de prata (Potosi)
e um grande império. Em 1524, Aleixo Garcia montou uma expedição
com cerca de 2 mil índios e seguiu o caminho, do Porto dos
Patos no litoral catarinense até a região de Assunção
e Sucre na Bolívia. Na região de Sucre, a expedição
atacou os postos da fronteira Inca e saqueou parte de tesouros de
ouro e prata. Na viagem de volta, Aleixo Garcia foi atacado e morreu
assassinado pelos índios canoeiros paiaguá, no Rio
Paraguai. Em 1533 Ulrich Schmidel fez o caminho inverso, veio de
Assunção até São Vicente. Nessa época,
no começo da colonização, o caminho foi bastante
usado até ser proibido pela Coroa Portuguesa para evitar
atrito com os espanhóis e por respeito ao Tratado de Tordesilhas.
Mais tarde, o Peabiru voltou a ser importante nas rotas dos Bandeirantes.
Segundo
a mitologia indígena, o Peabiru foi trilhado por Sumé,
o herói do povo carijó, ou os antigos carijós.
De acordo com as lendas, Sumé foi perseguido pelos índios
tupinambá, que também habitavam a costa brasileira,
da região sudeste até a Bahia. Durante a fuga de Sumé
em direção ao interior do continente, ele abriu o
caminho até o Peru. Outra explicação seria
de que os Incas, conhecidos como exímios construtores de
estradas nos Andes, teriam feito a trilha para intercâmbio
com outros povos e acesso ao Oceano Atlântico, mas nada ainda
foi comprovado cientificamente.
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(GP)
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