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A origem e o destino das línguas

Ciência e religião sempre buscaram respostas para duas questões essenciais: a origem e o destino de tudo. O Gênesis, na Bíblia, coloca o planeta em que habitamos como o centro da criação divina que deu origem ao universo. Na teoria do Big Bang, uma grande explosão é a explicação científica para a origem e a expansão do universo. Aquele mesmo livro da Bíblia fala na criação de Adão, o primeiro homem da Terra. A teoria evolucionista aponta ancestrais comuns entre homens e primatas. Na Bíblia, a origem da grande diversidade de línguas do mundo é tida como um castigo de Deus. Pelo texto bíblico, no princípio dos tempos, só se falava uma língua. Quando os homens resolveram construir uma torre que pudesse alcançar o céu, para ficarem mais próximos de Deus, foram castigados por seu criador e destinados a falar diferentes idiomas. Não havendo mais entendimento entre eles, tiveram que parar a construção da torre de Babel.

No século XIX, estudos comparativos levaram à hipótese de uma origem comum entre as línguas européias e as asiáticas. Elas pertenceriam a uma mesma família linguística, denominada indo-europeu. Para os cientistas da linguagem, no entanto, a proto-língua dessa família não é a língua que deu origem a todas as outras. Chegou-se ao indo-europeu através da comparação de manuscritos antigos em línguas orientais, como o Sânscrito, com o que já se conhecia das línguas germânicas e latinas. Quando surgiram as primeiras formas de escrita, na Antiguidade, já havia uma grande diversidade linguística no mundo. Como não há registro da forma em que se falava naquele período, as hipóteses sobre uma língua original são consideradas pelo meio científico uma mera especulação.

Em 1994, entretanto, o lingüista Merrit Ruhlen, da Universidade de Stanford, nos EUA, publicou o livro A origem das línguas, relançando o debate sobre a questão. "A comunidade linguística estava de acordo até então em pensar que o problema da origem das línguas não podia ser abordado de maneira científica por sua disciplina", afirma Bernard Victorri, da École Normale Supérieure de Paris. Victorri é um dos pesquisadores que contribuiu para a edição de dezembro de 2000 e janeiro de 2001 da revista francesa Sciences et Avenir, inteiramente dedicada à origem da linguagem e à diversidade linguística no mundo. Em seu artigo, ele explica a teoria de Ruhlen que reagrupa as línguas em 12 grandes famílias linguísticas e estabelece, pelo método comparativo, uma lista de 27 raízes de palavras comuns ao conjunto de línguas do mundo. Segundo o lingüista norte-americano, essas raízes pertenceriam a uma língua original, de onde teriam surgido todas as outras. A análise que Victorri faz da teoria de Ruhlen é que apesar de suas hipóteses serem interessantes, seus argumentos não são muito convincentes, especialmente quando ele recorre ao cálculo de probabilidades. Mas ele não descarta a importância dessa contribuição científica: "Reagrupando os esforços de lingüistas, antropólogos, arqueólogos e geneticistas, pode-se esperar reconstituir a história da humanidade desde o surgimento da nossa espécie", afirma.

Merrit Ruhlen foi discípulo de Joseph Greenberg, um dos mais respeitados lingüistas norte-americanos. Em 1960, Greenberg publicou um estudo em que postulava 45 características linguísticas universais a partir da comparação de línguas de famílias diferentes espalhadas pelos cinco continentes do globo terrestre. Três anos antes, outro lingüista norte-americano de grande prestígio, Noam Chomsky, havia lançado a idéia de que havia princípios universais comuns a todas as línguas, herdados geneticamente. A teoria chomskyana se desenvolveu ao longo da década de 60, propondo que além dos princípios universais, existiriam parâmetros específicos de cada língua, assimilados no contato do falante com sua língua materna. Um dos princípios universais é que toda língua possui sujeito, verbo e objeto, sendo variável a ordem desses constituintes na frase. Um parâmetro específico de uma língua como o português, por exemplo, é o do sujeito nulo. No contato com a língua, durante o processo de aquisição de linguagem, a criança assimila que, em português, podemos omitir o sujeito de uma frase. Uma sentença como "chove", recebe obrigatoriamente um sujeito impessoal em línguas como o inglês ("it rains") e o francês ("il pleut").

Além de estar entre os tópicos de estudo da ciência linguística, a origem da linguagem e a universalidade das línguas ocupa o pensamento filosófico desde a Antiguidade. Platão falava em uma língua fundada na natureza; Descartes, em uma língua universal bastante fácil de aprender; Rousseau, na degeneração da linguagem dos primeiros homens. O ideal da universalidade, que também aparece no mito bíblico da torre de Babel, chegou a inspirar no final do século XIX a criação de línguas artificiais como o volapuk e o esperanto. Porém, a primeira guerra mundial, no começo do século XX, marca o fim das utopias universalistas, segundo descreve a lingüista Marina Yaguello, da Universidade de Paris, em seu artigo"La langue universalle", publicado naquela mesma edição de Science et Avenir.

Após a segunda guerra, no entanto, a universalidade ressurge, dessa vez não como um ideal: o desenvolvimento da cibercultura impõe o inglês como língua internacional de comunicação. Yaguello aponta, além das razões históricas e econômicas, alguns fatores culturais que facilitaram essa internacionalização: "O inglês é bem menos submisso a uma norma acadêmica que o francês; suas numerosas variedades são reconhecidas e aceitas. O inglês beneficia-se de uma aura de modernidade, de juventude, de vitalidade", afirma a lingüista. Com essa expansão, o inglês vem sendo qualificado como killer language (língua assassina) em relação às línguas minoritárias, com poucos falantes, que acabam desaparecendo. "À problemática da língua perfeita, seguida da língua universal, sucedeu, no início do terceiro milênio, aquela das línguas em risco de extinção", diz Yaguello.

David Crystal, em The Cambrige Encyclopaedia of Language, de 1987, relaciona as língua mais faladas no mundo, que são consideradas oficiais em seus países, e o número de falantes que elas possuem. O inglês aparece em primeiro lugar na lista, com 1,4 bilhão de falantes; o mandarim, falado na China, aparece em segundo, com 1 bilhão de falantes, seguido do hindi, falado na Índia, com 700 milhões, e do espanhol, com 280 milhões. Crystal pondera que há uma superestimação nos dados, pois na Índia, por exemplo, apenas um número relativamente pequeno dos habitantes fala inglês, uma das línguas oficiais do país. O português aparecia na lista de Crystal em oitavo lugar, como língua oficial de 160 milhões de pessoas. Estima-se que hoje sejam mais de 180 milhões os falantes de português em todo o mundo. Em 2000, Crystal publicou o livro Language Death, relatando o desaparecimento de diversas línguas minoritárias do planeta.

Em abril do ano passado, a revista Veja publicou uma entrevista com o lingüista Steven Fischer, diretor do Instituto de Línguas e Literatura Polinésias da Nova Zelândia, na qual ele fazia a previsão do fim da maior parte das línguas faladas hoje no mundo. " Falam-se entre 4.000 e 6.800 idiomas na Terra. Haverá menos de 1.000 em 100 anos. Em 300 anos, não mais do que 24. Inglês, mandarim e espanhol serão as mais faladas", diz Fischer. "Inglês certamente será a língua franca", completa. Ele também afirma que o português falado no Brasil sofrerá grandes transformações pelo contato com os parceiros comerciais do Mercosul. "Devido à enorme influência do espanhol, é bastante provável que surja uma espécie de portunhol", declara. O lingüista Carlos Vogt, diretor de redação da Com Ciência, fez uma análise das declarações de Fisher, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, em 20 de abril do ano passado. "Não sei se o futurologismo de Fischer terá os futuros que ele desenha, na cronologia que estabelece, na velocidade que preconiza", comenta Vogt. "Sei, contudo, que a sua visão segue a lógica inexorável do processo de globalização da economia mundial e de suas consequências culturais", completa.

A edição de julho deste ano das revistas Galileu e Ciência Hoje retomam respectivamente os temas do desaparecimento das línguas no mundo e do destino do português no Brasil (veja entrevista com Mário Perini sobre o seu artigo na Ciência Hoje). A reportagem de Marcelo Ferroni, da Galileu, mostra os esforços de pesquisadores para evitar a extinção das línguas, o crescimento do estudo de línguas indígenas no Brasil e a formação de índios como professores de sua própria língua, destacando o trabalho de Aryon Rodrigues, da UnB, o maior conhecedor do assunto no país (veja artigo nesta edição). Em novembro do ano passado a Com Ciência publicou um texto de Aryon Rodrigues sobre a diversidade linguística na Amazônia e uma reportagem sobre o financiamento concedido pela Fundação Volkswagen para o estudo de três línguas amazônicas em extinção.

Atualizado em 10/08/2001

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