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             História 
              dos empréstimos no léxico do futebol 
             Por 
              mais que os puristas condenem a entrada de expressões estrangeiras 
              no léxico do português, tal processo é perfeitamente 
              natural em qualquer língua do mundo, desde que o seu falante 
              esteja sujeito ao contato com outras línguas. No caso dos 
              empréstimos ligados ao futebol, em sua maioria tomados do 
              inglês, alguns sofreram adaptação à fonologia 
              do português e se consolidaram no uso; outros foram sendo 
              substituídos gradativamente por termos equivalentes já 
              existentes no português ou criados a partir de processos morfológicos 
              da língua portuguesa. 
              O 
              futebol, esporte criado na Inglaterra, chegou ao Brasil através 
              de marinheiros ingleses que o praticavam na praia, companhias inglesas 
              cujos empregados formavam times, e jovens abastados que iam estudar 
              no exterior. Charles Miller e Oscar Cox fazem parte deste último 
              grupo, e segundo os historiadores, são os responsáveis 
              pela criação dos primeiros times de futebol no Brasil. 
              Ambos filhos de ingleses, foram estudar na Europa e trouxeram na 
              bagagem de volta as bolas e as regras do esporte bretão -- 
              Charles Miller em São Paulo e Oscar Cox no Rio de Janeiro 
              -- no final do século passado. 
             No 
              começo de sua prática no Brasil, o futebol era um 
              esporte de elite, jogado por estudantes ricos ou por ingleses. Na 
              imprensa, muitos dos termos utilizados na reportagem sobre os jogos 
              eram em inglês[1] : "O 
              'match' de hoje, ..., vae ser uma festa brilhante." 
              (O Estado de São Paulo, 2/10/1910); "Os 'goals' 
              do Palmeiras foram feitos por Irineu e Mario Egydio" (Idem); 
              "Pode-se ... afirmar que esta tarde as arquibancadas regorgitarão 
              de amadores do 'foot-ball'." (Idem); "O 'team' 
              do Ipiranga ... apresentou-se magnificamente treinado, com uma linha 
              de 'forwards' velozes, com uma defesa hábil e segura." 
              (O Estado de São Paulo, 14/11/1910); "Servirá 
              de 'referee' o sr. A. Kirschner, do S. C. Germânia." 
              (Idem); "Mário envia alguns 'shoots' em 'goal', 
              os quais são defendidos por Bozzato." (O Estado de São 
              Paulo, 25/11/1919). 
             Nas 
              reportagens do começo deste século, ou seja, dos primórdios 
              do futebol no Brasil, já se encontram alternâncias 
              entre termos ingleses e seus equivalentes em língua portuguesa: 
              "Foi convocada ... uma reunião extraordinária 
              do conselho desta liga, para resolver sobre uma reclamação 
              a propósito do último jogo[2] 
              ." (O Estado de São Paulo, 9/11/1910); "O juiz, 
              sr. Urbano de Moraes, ... poz em evidência as suas excellentes 
              qualidades de 'referee'." (O Estado de São Paulo, 
              14/11/1910). Nesses casos de termos já exitentes em português, 
              os vocábulos ingleses foram naturalmente aos poucos caindo 
              em desuso. 
              Vários 
              termos emprestados do inglês, após adaptação 
              fonológica ao português brasileiro, foram definitivamente 
              consolidados no uso dos falantes (Ex.: futebol, time, chute). No 
              caso do vocábulo que designa aquilo que o torcedor mais quer 
              ver (ou seja, a bola na rede, o gol), as coletâneas a seguir 
              mostram que a grafia do termo em inglês persistiu apenas na 
              primeira metade do século: "o 'goal' de Caxambú 
              (o segundo da série)" (dizeres sob uma foto no jornal 
              A Gazeta Esportiva, de 20/09/1943); "Gôl! Baltazar 
              (escondido pelo arqueiro guarani) arremata e consigna o tento da 
              vitória" (dizeres sob uma foto na revista A Gazeta Esportiva 
              Ilustrada, de março de 1954). No entanto, a transformação 
              na fala provavelmente se deu muito antes que na escrita, conforme 
              mostra a seguinte ocorrência do vocábulo derivado morfologicamente 
              de "gol" para designar aquele que o defende: "O goleiro 
              do Ipiranga machuca-se e o jogo é suspenso por 2 minutos." 
              (A Gazeta Esportiva, 15/12/1930). 
             Acima, 
              vemos um dos exemplos de termos em português que conviveram 
              por muitos anos com os seus equivalentes em inglês na imprensa 
              brasileira. Os termos "goal-keeper" ou simplesmente "keeper" 
              foram tão largamente usados pela imprensa que chegam a aparecer 
              no dicionário Aurélio como sinônimos de goleiro, 
              com uma grafia "aportuguesada" (golquíper, quíper): 
              "Salta o 'keeper' guarani e empolga a pelota, com classe 
              e elasticidade." (dizeres sob a foto de um goleiro realizando 
              uma defesa, na Gazeta Esportiva Ilustrada de março de 1954). 
             No 
              começo do século já ocorria a ida de jogadores 
              brasileiros para o exterior, onde o futebol se profissionalizou 
              mais rapidamente e eles eram melhor remunerados. Além disso, 
              times estrangeiros realizavam jogos amistosos ou participavam de 
              torneios no Brasil. E em 1930, começam as disputas dos campeonatos 
              mundiais de futebol, sendo o Brasil o único país a 
              participar de todas as suas edições até os 
              dias de hoje. Com isso, termos de outras línguas, como o 
              francês e o espanhol, foram entrando no nosso léxico 
              futebolístico: "... realizaram-se ante-hontem ... os 
              'matches' de desempate entre as ... 'équipes' [do 
              francês équipe] do Ruggerone F. C. e 
              da A. A. Barra Funda." (O Estado de São Paulo, 25/11/1919); 
              "O centro-avante alvi-verde focalizado pela nossa objetiva 
              no momento de apontar às rêdes, já livre da 
              zaga [do espanhol zaga] contrária." 
              (dizeres sob a foto de um atacante marcando um gol, na Gazeta Esportiva 
              de 20/09/1943). Nessa última coletânea, temos o exemplo 
              de um termo em português que substituiu o vocábulo 
              inglês ("centro-avante", no lugar de "forward" 
              ou "center-forward") e de outro que convive até 
              hoje com o termo de origem inglesa na fala de alguns locutores de 
              futebol: "Guariba, dando uma 'entrada' contra um 'back' 
              do Minas, recebe forte pontapé." (O Estado de São 
              Paulo, 2/11/1919); "O árbitro deu falta do beque 
              central a favor do tricolor." (narração de Luciano 
              do Valle do jogo entre Ponte Preta e São Paulo, pela TV Bandeirantes, 
              no dia 21/11/1999). Mas o próprio Luciano do Valle alterna 
              o uso desse termo com aquele que é mais corrente para designar 
              o setor defensivo de um time: "França meteu a bola no 
              costado da zaga..." (idem). Esse locutor apresenta algumas 
              peculiaridades em sua narração: ele é um dos 
              poucos que ainda usa um termo de origem espanhola para designar 
              o meio-campo (meia-cancha); por outro lado, ele também 
              é um dos poucos narradores que prefere o uso da expressão 
              em português equivalente ao vocábulo de origem inglesa, 
              amplamente empregado pelos falantes brasileiros para designar uma 
              falta dentro da grande área (Luciano do Valle sempre diz 
              "penalidade máxima", enquanto a maioria 
              dos falantes diz "pênalti"). 
             Luciano 
              do Valle é o exemplo de um usuário do léxico 
              futebolístico que pode ser classificado como conservador, 
              no que diz respeito à manutenção do uso de 
              expressões antigas que caíram em desuso para a maioria 
              dos falantes brasileiros. Campinas, cidade à qual ele está 
              afetivamente ligado (Luciano é torcedor da Ponte Preta e 
              tem uma churrascaria no centro da cidade) apresenta certos traços 
              de conservadorismo linguístico em seus falantes: o único 
              clássico regional (jogo entre times de um mesmo estado ou 
              de uma mesma cidade) que ainda é designado pelo nome de "derby" 
              é o jogo entre os times campineiros Guarani e Ponte Preta. 
              Tal expressão era empregada antigamente para todo jogo que, 
              nos termos de hoje, fosse um clássico do futebol: "3 
              a 1 no 'derby' pró alvi-verde" (manchete sobre 
              um jogo entre Palmeiras e Corinthians, na Gazeta Esportiva de 20/09/1943). 
               
            Notas 
            [1] 
              - Os grifos são do autor. Os termos em inglês aparecem 
              entre aspas nos jornais. [voltar] 
            [2] 
              - Mesmo sendo eventualmente utilizado o termo "jogo", 
              o vocábulo inglês "match" ainda continuou 
              a ser empregado por muitos anos na imprensa brasileira. [voltar] 
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