A
língua na mídia
Falar
e escrever a lígua portuguesa de acordo com a norma culta
não é algo que se aprende apenas nas salas de aula.
Além dos tradicionais programas educativos, que reproduzem
as salas de aula no espaço da televisão, existem outras
iniciativas, no rádio e na televisão, que procuram
ensinar gramática dando exemplos cotidianos de violações
usuais da norma culta. Músicas, poesias, artigos da imprensa,
filmes publicitários são mostrados e comentados em
seus "erros", licenças poéticas, neologismos,
regionalismos e variações em geral do padrão
da língua. Programas deste tipo não são novos,
e partem da idéia que o brasileiro fala e escreve mal.
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Na
TV Cultura, Pasquale questiona o abuso de estrangeirismos
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O mais
popular e conhecido desses programas é o Nossa Lígua
Portuguesa, comandado pelo professor de português Pasquale
Cipro Neto, produzido pela TV Cultura de São Paulo e retransmitido
pelas TVs Educativas de todo o país. Pasquale viu sua fama
e a de seu programa irem além do estado de São Paulo
- e dos leitores da Folha de São Paulo, jornal onde tem sua
coluna - depois de virar o principal personagem de um comercial
da rede de fast food MacDonald's. Na propaganda, Pasquale
corrigia o português de clientes da lanchonete, do mesmo modo
como faz em seu programa de televisão.
No
canal educativo Futura, o guitarrista do grupo Titãs e escritor
de romances policiais, Tony Bellotto, apresenta um programa semelhante.
Através da exibição de videoclips e com o apoio
de entrevistas, Afinando a Língua, é um programa
que usa letras de músicas para falar sobre a língua
portuguesa.
As
rádios Jovem Pan AM e Eldorado AM também veiculam
diariamente programas no mesmo estilo, em horários espalhados
em sua programação diária. SOS Língua
Portuguesa, da Jovem Pan, é comandado pelo professor
Odilon Soares Leme. O editor do jornal Estado de São Paulo
e autor do Manual de Redação do Estadão, Eduardo
Martins, comanda desde 1977, o programa De Palavra em Palavra, pela
rádio Eldorado.
Programas
desse tipo, no entanto, costumam ser o horror dos lingüistas.
Segundo eles, as tentativas de se "corrigir" o falar popular
vêm da concepção de que ele é uma corrupção
de um falar "culto", mais eficiente e melhor organizado.
Dizem os lingüistas, que todas as variedades da língua
tem uma gramática articulada e consistente.
Como
meio de comunicação de alcance nacional, a televisão,
mesmo quando não procurou exercer essa função
educativa e normativa, introduziu novos elementos, bastante importantes,
no falar nacional. Segundo a lingüista Telma Domingues da Silva,
antes do rádio e da TV, não se falava em língua
oral culta nos estudos lingüisticos. "A língua
oral era então somente objeto de descrição
lingüística, ou seja, a lingüística não
é normativa como a gramática, não vai dizer
o que está certo ou errado. A própria descrição
lingüística porém, voltando-se para as diferenças
de fala enquanto digamos, 'dialetos socialmente diferenciáveis',
vai, em um segundo momento, distinguir também na língua
oral padrões mais ou menos próximos aos padrões
normativos da escrita. Esse movimento metodológico nos estudos
lingüísticos acompanha, vamos dizer, a difusão
dos meios eletrônicos de comunicação, tornando-se,
nesse sentido, um instrumento de tratamento dessa formalização
do oral através da mídia. Estaria sendo buscado assim,
a imagem de uma língua oral culta, conceito que se produziu
a partir de alguns dos estudos lingüísticos".
Tendo
em perspectiva principalmente o telejornalismo, a pesquisadora afirma
que a televisão inscreve a sua enunciação no
imaginário, que é marcada por um jogo entre familiaridade
e intimidade. "A presença (imagem) do locutor diariamente
produz familiaridade e a presença da televisão como
eletrodoméstico produz intimidade", explica. "Daí
a mídia procurar por uma imagem 'mais coloquial' da língua,
como parte dessa familiaridade e intimidade, que ela busca produzir
na sua enunciação para o público brasileiro".
O texto
produzido para ser lido pelo locutor jornalístico é
diferente da linguagem escrita, é um texto para ser falado.
Segundo ela, tem-se "a imagem da língua oral em jogo".
Ao mesmo tempo que a enunciação deve parecer coloquial,
informal, deve ser também correta, formando uma oralidade
culta. "A imagem do que é correto e do que não
é resulta pois de uma diferença entre a fala de alguém
que foi escolarizado e de alguém que não o foi".
Segundo
lingüistas e pesquisadores da comunicação, a
influência da imprensa televisiva teria sido tão grande
que, ao ser vista pela imprensa escrita como um concorrente, fez
com que os jornais e revistas procurassem aproximar-se dos efeitos
da televisão. Daí surgiriam o aumento do uso de fotos
(maiores, em maior quantidade, e até coloridas), o uso de
gráficos explicativos e, principalmente, a tentativa de adotar
uma linguagem escrita mais simples, aproximando-se do coloquial,
por parte da imprensa escrita.
Recentemente,
outro efeito dos meios de comunicação tem sido ampliado,
devido ao efeito da globalização. O maior contato
com produtos culturais de outros países, principalmente através
da televisão a cabo e da Internet, tem introduzido uma familiaridade
dos falantes do português com palavras estrangeiras. O espaço
enunciativo do português estaria, com isso, incorporando os
estrangeirismos.
Para
o professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp,
Eduardo Guimarães, a globalização seria a ampliação
do espaço enunciativo de línguas "não-só-nacionais",
ou seja, "línguas oficiais que não são
somente línguas de uma nação". Línguas
como o francês, o alemão e, principalmente o inglês,
teriam seu espaço enunciativo ampliado. "E não
se trata do inglês simplesmente. É o inglês enquanto
língua, primeiramente, dos Estados Unidos. A língua
está marcada por uma geografia hierarquizada", afirma.
No
contexto da América Latina, para Guimarães, seria
preciso, além de desenvolver uma reflexão política
sobre as línguas, produzir um conhecimento que considere
a pluralidade das línguas do continente. Essa pluralidade
não se restringe apenas ao português e ao espanhol,
mas incorpora também a memória das línguas
indígenas, das línguas africanas e de outras, ainda
faladas ou presentes no imaginário.
"É
preciso estabelecer um cotejo de forças que trabalhe a pluralidade
das línguas e não a extensão de uma língua
como língua franca para o mundo", afirma Guimarães.
"É preciso fazer com que o que é posto como espaço
agregado ao centro, pela globalização como nova forma
de dominação, seja ele próprio parte que enuncia
e significa".
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