Línguas
são assunto de Estado
Diferentes
nações escolhem diferentes soluções
para o problema da penetração do idioma estrangeiro,
dependendo, entre outras coisas, da realidade social do país.
Mas, em todas elas, a linguagem é tratada como questão
de Estado. As nações procuram normatizar e regular
os idiomas que utilizam, visando o processo de identidade nacional.
A França,
por exemplo, possui, alem do francês, algumas outras línguas
minoritárias faladas pela população, como o
bretão, o catalão e o basco. Além disso, possui
várias possessões ultramarinas em todos os continentes
(incluindo a Guiana Francesa), com suas especificidades lingüísticas.
A inserção dentro da União Européia,
que tem regulamentos específicos quanto a línguas
regionais (expressas na Carta
Européia para Línguas Regionais ou Miniritárias),
introduziu um novo elemento na problemática.
Há,
na França, várias organizações dedicadas
à língua francesa - incluindo à sua defesa
contra os "estrangeirismos" - como a Délégation
générale à la langue française.
A legislação sobre o idioma francês é
bastante detalhada. A defesa da língua baseia-se na lei
Toubon, de 1994. Essa lei estende o campo de aplicação
da lei anterior, de 1975. Segundo a lei atual, o emprego do francês
é obrigatório na designação, apresentação
e publicidade de bens, produtos e serviços, com exceções
para as denominações de produtos típicos de
países estrangeiros que sejam vastamente conhecidos. A lei
permite traduções em línguas estrangeiras desses
textos, desde que com a presença da versão em francês.
Essas regras não se aplicam a razões sociais, marcas
de fábrica, de comércio e de serviços. Tudo
isso vale também para o caso da difusão por televisão
ou rádio.
A lei
Toubon afirma o caráter obrigatório do ensino em francês
e de seu emprego em exames, concursos, teses e memórias,
em estabelecimentos públicos e privados. A lei também
obriga que, em congressos, palestras, etc., seja garantido a todo
participante francófono poder se exprimir em francês.
Além disso, devem existir versões francesas dos documentos
da apresentação do programa do evento, e os documentos
distribuídos aos participantes e ao público após
o evento devem possuir pelo menos um resumo em francês.
O
spanglish
Nos
Estados Unidos, além do inglês, o espanhol é
amplamente falado, em decorrência da forte presença
de imigrantes hispano-americanos. A presença da língua
espanhola nos EUA também se deve à anexação
de territórios mexicanos durante o século XIX - o
tratado de Guadalupe Hidalgo, de 1848, deu aos EUA quase dois terços
do território original do México, incluindo estados
norte-americanos como a Califórnia.
O tratamento
do tema nos EUA é bem mais flexível que na França.
A Constituição norte-americana, por exemplo, não
estabelece o inglês como língua oficial, ao contrário
do que acontece com o país europeu. Isso não impede
que haja tentativas de adotar leis restritivas - como a proposição
227 na Califórnia, que, se aprovada, obrigará
todas as escolas daquele estado a ministrarem as aulas em inglês.
A Califórnia é um dos estados norte-americanos com
maior presença de hispânicos.
O espanhol
é hoje a segunda língua mais falada nos EUA. Segundo
o mexicano Ian Stavans, doutor em língua e cultura pela universidade
de Columbia (EUA), hoje há mais estações de
rádio em espanhol na Califórnia do que em toda a América
Central (em entrevista
para os Cuadernos Cervantes). Dois canais de televisão, Univisión
e Telemundo, transmitem programas em espanhol o dia inteiro. A mistura
entre inglês e espanhol atingiu tal nível que já
se cunhou um novo termo para descrevê-la: o spanglish.
Stavans
ministra um curso sobre spanglish na universidade de Amherst. Recentemente
foi publicado o primeiro dicionário
de spanglish, organizado por ele. Trata-se, segundo o autor,
da "primeira tentativa de fixar, em todos os detalhes, as vozes
do spanglish".
O fenômeno
do spanglish não ocorre só nos Estados Unidos: aparece
também em alguns países latino-americanos, como o
México e países do Caribe. Na Venezuela, por exemplo,
diz Stavans, usa-se a palavra wachiman (do inglês watchman)
para "vigilante"; no México, diz-se parquear (do
inglês to park) para estacionar o carro; na própria
Espanha, a pílula
anticoncepcional é chamada antibaby. Há grandes
diferenças entre as versões de cada país, bem
como entre as versões urbana e rural. Também ocorrem
muitas variações ao longo do tempo. O curso e o dicionário
de Stavans tentam amostrar essa variedade. No dicionário,
constam referências desde o tratado de 1848.
A aceitação
do spanglish nos EUA e fora dele vem crescendo nos últimos
anos, mas sua aceitação está longe de ser unânime.
Sendo um fenômeno internacional, o debate transcende as fronteiras
norte-americanas. O mexicano Carlos Monsiváis, prêmio
nacional de jornalismo em 1978, em entrevista
para a revista mexicana de cultura Lateral, afirma não crer
que o spanglish venha a evoluir para uma nova língua no México.
Monsiváis critica a forma mecânica "ou mesmo idólatra"
com a qual se tem adotado o spanglish no seu país.
Victor
Garcia de la Concha, diretor da Real Academia Espanhola, é
mais radical. Em entrevista
para o jornal espanhol Clarín, ele classifica o spanglish
como "um disparate grande como uma catedral" e "um
produto de marketing". Já Juan Luis Cebrian, fundador
do jornal espanhol El País e também membro da Real
Academia Espanhola, admite a possibilidade do spanglish tornar-se
um novo idioma. Cebrian disse, para a revista da Associação
para a Difusão do Espanhol e da Cultura Hispânica,
que é partidário da incorporação do
spanglish ao espanhol. Do contrário, afirma, o spanglish
se transformará em uma nova língua e "perderemos
nossa presença na comunidade hispânica dos Estados
Unidos".
|