Desenvolvimento
da linguagem e processo de subjetivação[1]
Cláudia
T.G. de Lemos
Há
mais de vinte anos venho tentando compreender o processo de aquisição
de linguagem pela criança, debruçando-me sobre a fala
de crianças acompanhadas uma a uma por um longo período
de tempo[2],
tentando identificar a natureza das mudanças que, nessa fala,
assinalam pontos da trajetória da criança do estado
de infans para o de sujeito-falante.
Nesse
sentido, situo-me em um lugar particular relativamente a esse significado
mais abrangente que está na expressão "desenvolvimento
humano", tomado na sua diversidade tanto histórica quanto
cultural. Ao estudar, criança por criança, o processo
de aquisição da chamada primeira língua ou
língua materna, tenho- me, de fato, defrontado com um processo
que se repete sob a forma de mudanças na relação
da criança com a língua. Contudo, tenho-me defrontado
também com a singularidade do sujeito-falante que emerge
desse processo. Daí o título desse trabalho em que,
na verdade, se justapõe desenvolvimento e subjetivação,
abrindo caminho para o que os opõe e, a meu ver, os torna
irredutíveis um ao outro.
O
que se tem chamado de desenvolvimento da linguagem como processo
de subjetivação coloca em questão não
só o processo de aquisição de linguagem como
aquisição de um conhecimento sobre a língua
quanto o pressuposto de que esse conhecimento adquirido implique
em desenvolvimento. Falar em processo de subjetivação
significa colocar a anterioridade lógica da linguagem relativamente
a um corpo pulsional que é por ela capturado e significado.
Para
tornar claro o que acabo de apresentar de forma abrupta, é
necessário retomar aqui os impasses que me conduziram a essa
posição, lembrando que muitos desses impasses fazem
parte da história dessa área de pesquisa.
A
aquisição de linguagem, enquanto campo sistemático
de pesquisa, nasce da adesão de um grupo de psicólogos
americanos à teoria lingüística proposta por
Noam Chomsky (1965 [3]),
teoria esta que lhe permite formular o que chamou de problema lógico
da aquisição de linguagem. A saber, que as propriedades
das línguas naturais são tais que sua aquisição
não pode ser explicada por teorias de aprendizagem baseadas
na percepção e na generalização indutiva.
Sendo
a sintaxe o componente gerativo das línguas, na medida em
que são suas propriedades recursivas que permitem definir
qualquer língua como possível de produzir um número
infinito de enunciados, a fala a que a criança é exposta
e a partir da qual supõe-se que aprenda a língua de
sua comunidade torna-se por definição insuficiente.
A referência a um infinito de enunciados possíveis
é, para Chomsky, uma implicação de sua concepção
da sintaxe como gerativa, isto é, das propriedades recursivas
que respondem pela especificidade e não-observabilidade de
suas estruturas. Consequente ao chamado problema lógico da
aquisição de linguagem é, pois, a atribuição
ao indivíduo da espécie humana de um dispositivo inato
para adquirir linguagem, em um tempo relativamente curto e fora
de uma situação de ensino-aprendizagem.
A
proposta chomskiana desencadeou um grande número de pesquisas,
primeiro nas universidades americanas e, logo em seguida, em muitos
outros países. No fim dos anos 60, gravador em punho, psicólogos
e lingüistas, agrupados sob o rótulo de psicolingüistas,
passaram a fazer registros longitudinais da fala de crianças
pequenas. Seu objetivo seria, à primeira vista, a busca de
evidência empírica desse dispositivo inato que permitiria
à criança reconhecer a gramática da língua
particular a que era exposta. O que, na fala da criança,
poderia servir a essa função ? Eis uma questão
que, por não ter sido formulada, produziu um primeiro desvio.
De
fato, essa busca foi determinada menos pelas questões que
a proposta desse dispositivo levantava que por uma versão
psicologizante e empirista das regras formuladas, naquele momento,
para dar conta de sentenças bem-formadas. Evidência
desse dispositivo inato adviria, segundo essa versão, da
identificação, na fala da criança, de uma ordem
de emergência de estruturas lingüísticas compatível
com o grau de complexidade dessas regras.
Esperava-se,
por exemplo, que sentenças simples precedessem sentenças
complexas. Tal projeto ia, portanto, de encontro ao que abriu a
possibilidade de fundação da Lingüística
como ciência. A saber, à língua concebida como
"sistema que não conhece senão sua ordem própria",
nas palavras de Saussure (1916/1972:31), ou à especificidade
de suas propriedades estruturais para Chomsky. Sistema e/ou estrutura
são incompatíveis com a concepção de
língua como um objeto de conhecimento parcelável,
cujas categorias e/ou regras possam ser ordenadas segundo graus
de complexidade definidos relativamente a uma suposta natureza do
aprendiz.
Isso
explica, pelo menos em parte, o fracasso desse empreendimento que
o próprio Chomsky qualificou de equivocado. Vários
foram os efeitos desse fracasso. Alguns investigadores abandonaram
o campo. Muitos outros voltaram-se a teorias psicológicas
na tentativa de identificar estágios de desenvolvimento,
com base quer em regularidades semânticas atribuídas
aos enunciados das fases iniciais [4],
quer nas chamadas estruturas comunicativas encontradas na interação
inicial adulto-criança[5].
Esses novos empreendimentos também fracassaram, dada a impossibilidade
de vincular esses significados e/ou regularidades comunicativas
iniciais a qualquer propriedade estrutural das línguas ou
da língua particular em questão.
Nessa
altura, pode-se até mesmo qualificar esses fracassos como
bem sucedidos por deslocarem a fala da criança do lugar de
prova de uma teoria para o de enigma, de algo que passa a interrogar
o investigador.
Como
a fala da criança_ pela primeira vez sistematicamente interrogada_
interrogava o investigador? Em primeiro lugar, pela sua heterogeneidade
e imprevisibilidade tanto em crianças aprendendo línguas
diferentes, quanto em crianças aprendendo a mesma língua.
Nenhuma seqüência de emergência pôde assim
ser detectada segundo qualquer critério, a não ser
o da extensão dos enunciados. Esse critério, porém,
além de meramente quantitativo, esbarrava na dificuldade
de identificar as unidades a serem contadas no enunciado da criança.
Dentre as que aparentemente coincidiam com as unidades da produção
adulta, muitas não eram produtivas na fala da criança,
já que não compareciam senão uma vez ou outra
em um determinado período.Outras tantas compareciam em bloco
de duas ou mais unidades, o que indicava que se tratava de fragmentos
congelados, cujo estatuto resistia à interpretação[6].
Em
segundo lugar, a emergência de erros em um período
subsequente a um período de aparente conformidade com a fala
adulta, isto é, de não-erro. Como avaliar o conhecimento
lingüístico supostamente instanciado na fala da criança
se, em uma mesma sessão de gravação, a mesma
criança, em um mesmo enunciado, por exemplo, torna o que
seria um acerto relativamente à concordância de pessoa
_ "eu queimei"_ em um erro _"eu queimei
o dedei"(Michel; 2 anos e 5 meses) _ ao deslocar a flexão
verbal para a frase nominal objeto?
Mais
ainda: a precedência do acerto relativamente ao erro exigia
que se colocasse em dúvida o acerto enquanto indício
de conhecimento (ver, por exemplo, Peters 1977, Bowerman 1982, de
Lemos 1982, Figueira 1985). Parte desses erros _como, no caso da
aquisição do Português do Brasil, a produção
de fazi por fez, de sabo por sei_ foram
interpretados como formações analógicas a formas
verbais regulares do tipo comer/como/comi. Ou melhor, como
evidência de que a criança já era capaz de analisar
essas formas como radical+flexão de tempo e pessoa. Os erros
passaram assim a ser considerados, não como indícios
de não-saber, mas como refletindo um novo estágio
de desenvolvimento, levado a efeito por processos de reorganização
de formas anteriormente adquiridas[7].
A
tal interpretação, cujo mérito reside em dar
ao erro um estatuto oposto ao vigente em teorias da aprendizagem,
a fala da criança de novo resiste. Erros interpretáveis
e até mesmo previsíveis como os mencionados acima
convivem com erros insólitos, imprevisíveis, assistemáticos
que mostram uma face inaudita da língua. Como explicar um
enunciado como "agola eu tô com tadi" , em que se
cruzam na fala de uma criança expressões como "eu
tô (com) dodói", " eu tô com fébi
" e "agora é tarde"? Se se pode pensar em
uma analogia entre estruturas sintáticas centradas em torno
de "eu estou/tô/está/tá", o que poderia
vincular dodói, fébi e tadi do ponto de vista morfológico
e semântico?[8]
Como, além disso, explicar o fato, colocado em destaque até
pela literatura gerativista(cf. Pinker 1994), de que a criança,
nesse mesmo momento, é impermeável à correção
do adulto, repetindo seu erro mesmo depois de ouvir do adulto a
forma correta?
Essa
impermeabilidade, que exige que se distinga o ouvir do escutar,
conduz a uma terceira questão que incide sobre o estatuto
da fala da criança como dado para o investigador. Com efeito,
a essa impermeabilidade se segue cronologicamente a possibilidade,
nem sempre atualizada, da criança não só escutar/reconhecer
o próprio erro, conforme indicam pausas e repetições,
quanto suas tentativas bem ou mal sucedidas de reformular/corrigir.
A essa face normativa se conjuga uma face criativa: a possibilidade
da criança dar à violação do que é
esperado em uma determinada cadeia um efeito de humor ou ironia.
Se,
de um lado, a heterogeneidade e a imprevisibilidade dessa fala não
permite uma descrição em termos de categorias lingüísticas
e se, de outro, as mudanças que nela se fazem ver concernem
sua relação com a fala do outro e com a escuta da
própria fala pela criança, o que está realmente
em jogo quando se fala em mudança?
Vale
lembrar que mesmo a literatura sobre processos reorganizacionais,
baseada em uma cronologia em que o acerto precede o erro e a este
sucede um segundo momento de acerto, acerto e erro são tomados
em um sentido estritamente vinculado ao conhecimento da língua.
A saber, excludente dessas relações que apontam para
uma dialética de alienação e separação
relativamente à fala do outro.
Tratar
a fala da criança como evidência empírica de
conhecimento, resulta na eliminação disso que a fala
da criança revela. A saber, que nela a língua, o outro
e o próprio sujeito que emerge dessas relações
estão estruturalmente vinculados. Isto é, não
podem ser tomados como instâncias independentes, unidirecionalmente
ordenáveis.
Como
o estado atual das pesquisas em aquisição de linguagem
se caracteriza por duas tendências que se excluem mutuamente,
a representada pela linha gerativista centradas nas propriedades
estruturais da língua e aquela cujo foco é a interação
criança/aprendiz e adulto, poder-se-ia talvez inferir da
breve história crítica aqui delineada que o que tenho
a apresentar é uma proposta integradora. Essa integração,
contudo, está longe de ser possível, dado que aos
pólos da estrutura que tenho em mente_ e onde se define a
mudança_ correspondem concepções do outro e
da relação do sujeito com a língua, assim como
do próprio sujeito, radicalmente distintas daquelas que são
convocadas por essas duas tendências.
Essa
diferença radical está mais claramente expressa na
definição de mudança no processo chamado de
aquisição de linguagem como mudança de posição
em uma estrutura cujos pólos são o outro, a língua
e o próprio sujeito. A noção de estrutura repele
a idéia de ordenação em estágios e sua
superação, deslocando a noção de mudança
para a de dominância de um dos pólos em uma determinada
posição.
Será
a partir de episódios representativos de diferentes momentos
cronológicos da aquisição de linguagem que
a proposta será apresentada e que se subordinará essa
cronologia a um processo de subjetivação cujo caráter
estrutural a subverte.
Episódio
1: (Criança traz para Mãe uma revista tipo Veja.)
C.: é nenê/ o auau
M.: Auau? Vamos achar o auau?
Ó a moça tomando banho.
C.: ava? eva?
M.: É, tá lavando o cabelo.
Acho que esta revista não tem auau nenhum.
C.: auau
M. Só tem moça, carro, telefone.
C. Alô?
M.: Alô, quem fala, é a Mariana?
(Mariana 1;2.15)
Note-se,
em primeiro lugar, no Episódio 1, que o enunciado é
nenê/o auau não tem como referência uma
ilustração da revista mas, como se infere de situações
anteriormente registradas, representa um retorno na fala da criança
de enunciados da mãe ao mostrar revistas para a criança.
Depreende-se, com efeito, dos enunciados subsequentes da mãe
que não há nem nenê nem auau na
revista e que, nesse sentido, o que retorna da fala da mãe
na fala da criança deve ser interrogado. Ainda que se possa
interpretá-lo como uma senha para pedir para a mãe
"ler revista", sua relevância reside no fato de
a coincidência entre os significantes da mãe e os da
criança não acarretar uma coincidência de significação.
Se
esse primeiro momento pode ser interpretado como o da dominância
do pólo do outro, a não-coincidência no nível
do significado mostra a impossibilidade de tratar a relação
da criança com a fala do outro como "comunicação".Basta
que se atente para outros enunciados que se seguem no episódio
para que se dar conta de que não são apenas objetos
como revistas que desencadeiam fragmentos da fala da mãe.
A relação entre tomando banho na fala da mãe
e ava/eva na fala da criança, a relação
entre telefone na fala da mãe e alô na
fala da criança mostram que os significantes da mãe
evocam na criança textos ausentes. Ou melhor, que à
presença efetiva do outro, de seu corpo e de sua voz , do
qual depende cada enunciado da criança e a progressão
do diálogo, se alterna o outro como texto, fragmento de um
texto ausente, convocado por um dos significantes de seu enunciado.
Se
a criança como falante está, com efeito, nesta primeira
posição, alienada na fala do outro, o funcionamento
da língua enquanto outro pólo dessa estrutura se dá
a ver como primeira forma de separação. A saber, como
relação entre significantes que resulta na obliteração
dessa voz, desse corpo, do momento e do lugar de sua instanciação.
Os
episódios que se seguem foram selecionados para dar visibilidade
à segunda posição em que o pólo dominante
é a língua e seu funcionamento, enquanto apreensível
no erro. No episódio 3 abaixo, ele se faz representar pelo
enunciado A Fávia é nananda em que a forma
verbal progressiva "está nanando" é expressa
com é em vez de está e o gerúndio,
não flexionável em português, recebe a flexão
feminina, concordando em gênero com Fávia, sujeito
gramatical da sentença instanciada pelo enunciado.
Episódio
2: (Quando C. faz muito barulho, M. a repreende dizendo que ela
vai acordar a vizinha, Flávia, que está dormindo.
Durante este episódio, C. brinca com uma bola.)
M. Esta bola faz muito barulho.
Ma.:A Fávia é nananda.
M. : É, a Flávia está nanando e você
fica fazendo barulho.
(Mariana: 1;9.15)
A
primazia do funcionamento da língua sobre a relação
da criança com a fala do outro se dá a ver nesse episódio,
assim como em muitos outros, a partir do erro, que aí se
dá como diferença em relação aos significantes
do adulto. Mais ainda, pelo fato de que, como se observa nesse episódio
e é referido na literatura (ver observação
anterior), a criança é, nesse momento, impermeável
à reação do adulto diante de seu erro, não
reconhecendo/escutando no enunciado do outro a diferença
que o opõe a seu próprio enunciado.
Resta,
porém, mostrar em que medida o erro pode ser tomado como
indício da primazia do funcionamento da língua nessa
segunda posição. Para tanto cabe chamar a atenção
para o fato de que o erro traz à tona redes de relações
entre cadeias, relações estas não mais desencadeadas
apenas por estados de coisas no mundo ou por significantes do outro,
mas por significantes que circulam na própria fala da criança.
No enunciado comentado acima, a presença de é
no lugar que caberia a está/tá não é
uma mera substituição de uma palavra por outra. A
forma é e o gerúndio flexionado nananda
marcam na superfície do enunciado sua relação
com uma rede de cadeias latentes, do tipo é bonita/está
bonita, é bonito/está bonito. Em outras
palavras, são marcas da ação da língua
enquanto funcionamento simbólico[9].
Na
verdade o erro, ao mostrar quer sua face insólita por onde
se espreita o intervalo em que o sujeito intervém, quer sua
face paradigmática, submetida a restrições
e leis, aponta para uma dinâmica interna à língua,
à qual está subordinada a possibilidade da fala ter
uma referência externa_ ao outro, à situação
de enunciação.
Nos
episódios que se seguem, vários fenômenos apontam
para uma mudança de posição da criança
enquanto sujeito falante, relativamente ao outro e à língua.
Em (3), por exemplo, o erro comparece, mas a reação
do interlocutor a ele é não só reconhecida
pela criança como desencadeia tentativas de correção/reformulação.
Essas tentativas mostram algo mais do que a possibilidade da criança
escutar na fala do outro uma interrogação sobre sua
fala, sobre uma diferença que produz estranhamento.
A
substituição de quase que por faz tempo
que e, finalmente, pela expressão adequada está
faltando, mostra que essa escuta repercute sobre o que ela escuta
de sua própria fala. De fato, ela não só identifica
o lugar onde incide o erro como substitui a expressão quase
que por expressões que a ela se relacionam. Se quase
que qualifica um evento como "algo que estava na iminência
de acontecer e não aconteceu", faz tempo que
o qualifica como "algo que aconteceu há tempo e deixou
de acontecer no presente", enquanto está faltando,
embora também contenha uma negação, se aplica
menos a um evento que a um estado_inacabado_ de um objeto, no caso
a amarelinha.
Portanto,
muito mais relevante do que a correção do erro pela
criança é, no que concerne o entendimento da terceira
posição, a possibilidade de a criança reconhecer
a diferença que separa essas três expressões,
ainda que elas guardem entre si relações de semelhança.
Daí
a importância do episódio 4 em que o reconhecimento
do erro não advém como efeito da fala em que o adulto
exprime seu estranhamento, mas da escuta de sua própria fala
pela criança. O hiato entre essa fala que insiste no erro
e a escuta que reconhece esse erro permite que se defina a terceira
posição como o da dominância do pólo
do sujeito. De um sujeito dividido entre a instância que fala
e a que escuta, instâncias essas que não coincidem
nem na criança nem no adulto, conforme nos revelou Freud
através do chiste(1905/1988). Não deixa, aliás,
de ser chistoso o enunciado em que Raquel, no episódio 5,
coloca porta como uma das coisas que não se pode comer
entre as refeições.
Episódio
3: (Uma amiga de M. riscou no chão quadros para C. e ela
brincarem de amarelinha, mas está faltando um dos quadros.).
C.: Quase que você não fez a amarelinha .
T.: O que, Verrô?
C.: Faz tempo que você não fez a amarelinha
sua
T.: O que, Verrô? Eu não entendi.
C.: Está faltando quadro na amarelinha sua.
(Verônica 4;0.18)
Episódio
4: (Criança, ao contar uma história, tenta colocar
em discurso direto a fala do personagem João)
C.: Eu e a Aninha quando crescerem que nem (pausa longa)
João falou assim: eu e a Aninha quando crescê,
crescerem...crescererem...
querem sê almirante de navio.
(Raquel 4; 2.3)
Episódio
5: (Em meio a um longo sermão da mãe, dirigido a ela
e à irmã (D.) sobre não comer fora das refeições)
D.: E iogurte, não pode comê iogurte fora das refeições?
C.: E porta, pode comê porta fora das refeições?(
rindo)
(Raquel 4; 3. 5)
É
essa concepção de sujeito falante que invoco ao tratar
a aquisição de linguagem como um processo de subjetivação,
em oposição à noção de desenvolvimento.
Ainda que essas três posições se manifestem
no tempo cronológico, a mudança de uma para a outra
não implica desenvolvimento. Qualificar mudança como
mudança de posição em uma estrutura, à
qual o adulto está igualmente submetido, é incompatível
com uma concepção da criança como um in-divíduo,
isto é, um ser uno e independente que transita por uma série
ordenada de estados de conhecimento.
Cláudia
T.G. de Lemos é
lingüista e professora do Instituto de Estudos da Linguagem
(IEL), da Unicamp.
Notas:
[1]
Este artigo é uma versão reduzida do texto que apresentei
no Congresso Internacional sobre Desenvolvimento Humano:Abordagens
Historico-Culturais, organizado pela Universidade de São
Marcos em setembro de 1999 e a ser publicada. [voltar]
[2] Refiro-me ao Projeto de Aquisição de Linguagem
do Departamento de Lingüística do IEL-UNICAMP, por mim
implementado em 1976 e coordenado até 1995 e cujo Banco de
Dados contém 412 horas de gravações de crianças
no período de 1 a 5 anos de idade. Esses dados fazem hoje
parte do acervo do CEDAE, centro de documentação do
IEL e está à disposição de pesquisadores
interessados. [voltar]
[3] De 1965 para cá houve mudanças significativas
na teoria chomskiana. Ainda que tais mudanças não
fizeram senão acentuar o vínculo da teoria com seu
objetivo de dar conta do problema logico da aquisição
de linguagem, está fora do escopo deste trabalho discuti-las
ou mesmo apresentá-las. [voltar]
[4] Entre outros, cf. Brown 1973. [voltar]
[5] Entre outros, cf. Bruner 1975. [voltar]
[6] Sobre o estatuto desses enunciados como procedimentos não-analisados,
cf. Peters (1977). [voltar]
[7] Para uma crítica à proposta baseada em processs
reorganizacionais, cf. de Lemos(1992). [voltar]
[8] Estes dados e sua interpretação foram extraídos
de Carvalho((1995: 139 e seguintes). [voltar]
[9] Cf. de Lemos 1992, onde essas relações são
tratadas como processos metafóricos e metonímicos.
[voltar]
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