Eduardo Guimarães
             
             Entre as hipóteses do senso comum sobre o que é 
              a linguagem e as línguas, podemos encontrar hoje a predominância 
              de uma que considera a linguagem como instrumento de comunicação. 
              Hipótese muito própria do mundo contemporâneo 
              marcado, entre outras coisas, pela mídia. Esta hipótese 
              acompanha duas outras, pelo menos: a de que dizer é, fundamentalmente, 
              informar; e a de que a linguagem expressa nossos pensamentos (e 
              sentimentos). São hipóteses tomadas, enganosamente, 
              pelo senso comum como compondo, em seu conjunto, uma concepção 
              inquestionável do que é a linguagem.
             Ao lado destas hipóteses opera ainda uma outra que incide 
              diretamente sobre o que é uma língua, e o que é 
              falar uma língua específica. Mais precisamente, o 
              que é uma língua nacional e o que é falar esta 
              língua. Neste caso entra em cena a hipótese de que 
              uma língua é aquilo que é tomado como padrão 
              de correção por uma elite escolarizada e culta.
            1. Um Interesse Milenar
             O interesse pela linguagem data da antigüidade clássica. 
              Tal interesse se apresenta, na Grécia, no interior da filosofia, 
              que se viu levada a estudar a estrutura do enunciado para poder 
              tratar do juízo. Isto levou Platão[1] 
              a estabelecer a primeira classificação das palavras 
              de que se tem conhecimento. Para ele as palavras podem ser nomes 
              e verbos. Depois dele Aristóteles[2] 
              considerou uma outra classificação das palavras: nomes, 
              verbos e partículas. Se aqui temos a primeira divisão 
              da cadeia de sinais lingüísticos pelo reconhecimento 
              de uma diferença de categoria entre palavras, estamos diante 
              de uma posição que toma como interesse a relação 
              da linguagem com o conhecimento. A divisão entre nomes e 
              verbos procura descrever a estrutura do juízo, que deve falar 
              de como é o mundo.
            Ao lado dos estudos filosóficos, também na Grécia, 
              desenvolveram-se os estudos retóricos e gramaticais. A Gramática 
              pode ser considerada como elemento de uma das primeiras revoluções 
              tecnológicas da história do Homem[3]. 
              A gramática constitui-se na história como uma instrumentação 
              das línguas que, enquanto arte (no sentido latino) ou técnica 
              (no sentido grego), apresenta-se como um modo de ensinar a ler e 
              a escrever corretamente. Ou seja, a Gramática[4] 
              instala, como central, no domínio do estudos da linguagem, 
              a qualidade da correção. Qualidade que toma várias 
              feições no decorrer da história e permanece, 
              ainda hoje, como um modo de regular as línguas como línguas 
              dos Estados Nacionais, com todas as conseqüências que 
              isso traz. Por outro lado, a Retórica[5] 
              se apresenta como o estudo das técnicas de convencimento 
              dos ouvintes por aquele que fala, o orador. Neste caso o que interessa 
              é como dizer para levar o ouvinte à conclusão 
              projetada. Estamos diante de duas posições distintas: 
              de um lado um norma de correção (gramática), 
              de outro as regras de como proceder para convencer, para alcançar 
              o ouvinte (retórica). De um lado o "valor" da língua, 
              de outro a adequação da relação orador/auditório.
             Ainda na antiguidade, podemos retornar à Índia, 
              onde o interesse religioso levou a estudos bastante rigorosos dos 
              aspectos fonológicos do sânscrito. Estes estudos tinham 
              a finalidade de estabelecer de modo perfeito que som deveria ser 
              produzido nos cânticos sagrados, para que eles tivessem validade 
              sagrada. Estes estudos levam a uma rigorosa descrição 
              dos sons, que podemos encontrar na gramática de Panini[6], 
              num certo sentido um precursor remoto de estudos estruturais do 
              século XX. Neste caso o que está em jogo é 
              a correção da descrição de uma qualidade 
              fônica, está em jogo a descrição da forma 
              da língua, nela mesma.
              
              2. Saussure: as Idéias Lingüísticas na Entrada 
              do Século XX
            O pensamento moderno sobre a linguagem instala-se a partir do início 
              do século XIX, com a lingüística comparativa[7] 
              . Neste momento a lingüística se apresenta tomando como 
              objeto a mudança lingüística, motivada por um 
              projeto de poder reconstituir o passado lingüístico 
              das línguas européias e asiáticas. A questão 
              principal aqui são as relações genealógicas 
              entre as línguas, e o objeto do lingüista são 
              as formas no seu processo de mudança. Toma-se uma forma para 
              saber como ela era antes, busca-se reconstruir por comparação 
              entre as línguas aparentadas (dizia-se da mesma família), 
              o passado da forma em questão. Este procedimento, que se 
              dá no interior de uma posição naturalista, 
              biológica[8], sobre 
              a linguagem, se caracteriza fundamentalmente pela formulação 
              das chamadas leis fonéticas. Ou seja, as mudanças 
              seriam resultado necessário de certas características 
              das formas das línguas. Vamos dar um exemplo, tomando a passagem 
              do latim vulgar (popular) para o Português[9]: 
              As palavras do Português mantêm a acentuação 
              tônica do latim: muliére> mulher, intégru> 
              inteiro, cathédra> cadeira, tenébras> trevas, 
              etc.
             Os estudos sobre a linguagem tomaram a forma que têm hoje 
              a partir de mudanças no domínio da lingüística, 
              constituídas no início do século XX, pelo abandono 
              do naturalismo dominante no comparatismo do século XIX. É 
              deste momento um dos três principais movimentos fundadores 
              nos estudos lingüísticos naquele século, o curso 
              de lingüística geral de Ferdinand Saussure, na universidade 
              de Genebra, nos anos de 1906-1907, 1908-1909, 1910-1911. Este curso 
              foi posteriormente transformado em livro, por dois de seus discípulos 
              (Charles Bally e Albert Sechehaye[10]), 
              depois da morte de Saussure, a partir das anotações 
              de vários de seus alunos.
             A posição de Saussure, vindo do comparatismo do 
              século XIX, no qual ele se formara, procura, de algum modo, 
              ligar duas tradições daquele momento, a alemã 
              e a francesa. É assim que Saussure chega a sua clássica 
              distinção entre língua e fala, 
              como forma de definir um objeto específico para a lingüística, 
              que, segundo ele, apresentasse uma homogeneidade interna, sem o 
              que seria impossível pensar a linguagem cientificamente. 
              A língua é este objeto homogêneo que ele caracteriza 
              como uma sistema de formas que se caracterizam pelas relações 
              que têm umas com as outras. Estamos diante de uma concepção 
              da língua como sistema, que substitui a concepção 
              naturalista, organicista, e atomista, própria do comparatismo. 
              E ao lado dessa distinção Saussure coloca uma outra, 
              a distinção entre sincronia e diacronia. Assim, embora 
              ele reconheça o lugar dos estudos das mudanças, considera 
              que a lingüística deveria colocar no centro de seu interesse 
              o estudo do sistema da língua, num momento dado. Segundo 
              ele, no funcionamento da língua, não se é levado 
              pelo que as formas foram, mas por aquilo que elas são e pelas 
              relações que elas têm naquele momento da história. 
              Para quem fala não interessa se mulher veio de muliére, 
              mas que mulher se opõe a homem, por exemplo. 
              Está em questão aqui relações sistemáticas 
              de simultaneidade e não relações de sucessão.
             Assim temos no campo da lingüística o problema da 
              descrição do que a lingüística chamou 
              depois de estrutura, ao lado do estudo da mudança. E a lingüística 
              do século XX, embora tenha sido basicamente sincrônica, 
              manteve forte produção na linha histórica, 
              evidentemente afetada pelo corte da distinção saussureana 
              que, ao estabelecer a língua como objeto da lingüística, 
              constituiu um objeto no qual não estavam incluídas 
              as questões do sujeito, da relação com o mundo, 
              e mesmo a questão da significação, que foi 
              substituída por aquilo que Saussure chamou de valor 
              das formas lingüísticas. Estamos aqui no domínio 
              do lingüístico enquanto relação com o 
              lingüístico. Ou seja, nada no lingüístico 
              é externo à língua. Neste caso, por exemplo, 
              não interessa a relação das formas da língua 
              com os objetos do mundo ou com o pensamento. Não está 
              em questão em Saussure nem a referência, nem a expressão 
              do pensamento. Busca-se estar num domínio autônomo 
              que não é o filosófico nem no sentido aberto 
              por Platão, de um lado, nem no de Aristóteles, de 
              outro. Nem no sentido de Descartes[11], 
              no século XVI (que retoma Platão num certo sentido), 
              em que a questão é cognitiva (ligada à estrutura 
              do pensamento).
            3. Caminhos do Estruturalismo
             Este corte saussureano põe os estudos da linguagem num 
              novo caminho que se desdobra por várias direções: 
              desde estudos comparatistas que se renovaram pela concepção 
              de sistema de Saussure, até estudos sincrônicos que, 
              lidando com os limites do objeto saussureano, buscam incluir no 
              lingüístico o sujeito. Este é o caso, por exemplo, 
              de Benveniste[12] que instala 
              um domínio específico para os estudos enunciativos, 
              ou seja para considerar o funcionamento da língua marcada 
              pela relação que aquele que fala (o locutor) tem com 
              a língua e que se marca na estrutura da língua. Estes 
              trabalhos tiveram vários desdobramentos bastante conhecidos 
              no Brasil, como a semântica argumentativa, desenvolvida a 
              partir da noção de escala argumentativa de Ducrot[13] 
              e que aparece também nos trabalhos de Carlos Vogt[14] 
              . A semântica argumentativa considera que o fundamento do 
              sentido são estas relações "retóricas" 
              que se marcam na língua, de tal modo que falar é ser 
              tomado por estas relações de argumentação. 
              O retórico é assim tomado como integrado no lingüístico. 
              Para esta semântica o sentido não é uma relação 
              da linguagem com o mundo, constituído a partir de um conceito 
              de verdade, mas uma relação própria do acontecimento 
              de enunciação que constitui os lugares do locutor 
              e seu destinatário.
             Paralelo a este tipo de trabalho podemos encontrar, também 
              no campo do estudo da significação, aqueles que vêm 
              pela via da filosofia analítica inglesa e que deixaram para 
              os estudos da linguagem a concepção dos atos de fala. 
              Ou seja, considera-se que falar é fazer algo. Por exemplo: 
              dizer eu prometo x não é informar que se está 
              prometendo. Dizer eu prometo x é a própria 
              promessa de fazer x. Aqui uma das figuras fundamentais é 
              o filósofo inglês Austin[15] 
              e sua clássica obra How to Do things with words, publicado 
              em 1962. Os trabalhos da filosofia analítica desenvolveram-se 
              fortemente num campo conhecido como pragmática, que já 
              se desenhara nas formulações de Morris na década 
              de 30 de século XX[16], 
              numa linha ligada ao pragmatismo de Peirce[17], 
              americano do final do século XIX, e criador da semiótica.
            Numa de suas formulações atuais, feita a partir de 
              Grice, para a pragmática o sentido é pensado como 
              intenção do falante, que ele comunica ao ouvinte, 
              na medida do reconhecimento da intenção que teve. 
              Estamos aqui diante de um certo tipo de psicologismo, em que o sujeito 
              da linguagem é tomado como dono de suas intenções, 
              precedendo o seu próprio dizer. Este psicologismo distingue 
              estes trabalhos da pragmática dos estudos enunciativos constituídos 
              no interior das posições estruturalistas, como os 
              de Benveniste, por exemplo.
             Outros caminhos que de algum modo circulam neste espaço 
              saussureano são os que desembocaram no funcionalismo de Jakobson 
              de um lado e Martinet de outro. A posição de Jakobson 
              teve também larga repercussão no Brasil, notadamente 
              por suas posições comunicacionais, ou seja, pela consideração 
              da linguagem como instrumento de comunicação e pelo 
              diálogo que manteve, a partir desta posição, 
              com a antropologia e a teoria da informação. Tornou-se 
              um clássico, entre outros, seu trabalho sobre as funções 
              da linguagem, que está em "Linguística e Poética"[18] 
              .
             Num outro caminho do estruturalismo com filiação 
              saussureana, podemos pensar em Hjelmslev[19], 
              que vai desenvolver um estruturalismo não funcionalista e 
              que afetou diretamente um tipo de estudo da significação, 
              a semântica estrutural de Greimas, que se constituiu enquanto 
              uma semiótica estrutural. No Brasil esta posição 
              desenvolveu um diálogo particular com a análise do 
              discurso, nas obras de José Luis Fiorin e Diana Pessoa de 
              Barros, como parte do movimento de incluir no tratamento semiótico 
              os aspectos ideológicos da significação.
             O Estruturalismo que caracteriza a lingüística européia 
              em meados do século XX, dará a esta disciplina a posição 
              de ciência piloto das ciências humanas. Veremos então 
              o estruturalismo avançar para os domínios da antropologia, 
              da sociologia, da psicanálise, da Filosofia, configurando 
              elementos fundamentais do pensamento de autores como Levi-Strauss, 
              Lacan e Althousser, por exemplo. Esta via passa a pôr no centro 
              da questão das ciências humanas o simbólico, 
              ou seja, os fatos humanos significam, estão estruturados 
              enquanto significação.
            4. O Formal e uma Nova Busca da Gramática
             Um segundo movimento fundamental da lingüística do 
              século XX é marcado pelo trabalho de Chomsky, que 
              se inscreve numa tradição americana da lingüística. 
              Ele busca, ao mesmo tempo, para fundamentar uma nova posição 
              biológica para a linguagem, o cognitivismo do século 
              XVI. Aqui a Linguagem passa a estar diretamente ligada à 
              questão do pensamento e aparece como instrumento de expressão 
              do pensamento. Isto se constitui a partir de uma posição 
              metodológica claramente formal e lógica. O trabalho 
              de Chomsky e a Gramática Gerativa e Transformacional colocam 
              como central na lingüística as relações 
              das unidades lingüísticas entre si, ou seja, a sintaxe. 
              Para ele as pessoas falam porque têm um órgão 
              da linguagem. A capacidade (o que o gerativismo chama competência) 
              para falar é inata na medida mesmo em que é biológica. 
              Deste modo Chomsky[20] recoloca 
              a lingüística no domínio das ciências da 
              natureza, tal como no comparatismo do século XIX, com uma 
              diferença fundamental: o biologismo é posto fora do 
              historicismo. O Biológico é pensado a partir de uma 
              concepção universal e não a partir de uma visão 
              de uma história natural, em que o que se punha em realce 
              eram as diferenças entre as espécies, etnias, etc. 
              Para Chomsky a questão é que o Humano é biologicamente 
              universal e é o mesmo para todos, e a linguagem é 
              parte desta caracterização naturalista e universal 
              do homem.
             Na medida em que se constitui como uma gramática, a teoria 
              chomskyana concebe o conhecimento sobre as línguas como um 
              conjunto de regras de como formar frases. Estas regras são 
              consideradas como constituindo a competência dos falantes, 
              considerados idealmente, ou seja, fora de qualquer situação 
              histórica particular.
             Este movimento formal encontra também sua face semântica. 
              Baseando-se em posições da lógica do final 
              do século de XIX e início do século XX (como 
              os de Frege e Russell[21]), 
              desenvolve-se um estudo da significação que se formula 
              como um sistema lógico e constitui a noção 
              de sentido a partir do conceito de verdade. Ou seja, está-se 
              aqui numa posição relacionada ou ao idealismo platônico, 
              ou ao pensamento aristotélico. Estes estudos se dão 
              com freqüência no interior da filosofia da linguagem, 
              onde encontramos autores como Wittgenstein (do tratado lógico-filosófico), 
              Grice e Davidson[22].
            5. O Lingüístico e as Diferenças Culturais 
              e Sociais
             Se o que até aqui se colocou formula aspectos de concepções 
              da unidade do lingüistico, podemos encontrar a consideração 
              da não unidade da língua na lingüística 
              do século XX tanto a partir de considerações 
              ligadas à antropologia quanto à sociologia. No Caso 
              da Antropologia, encontramos o pensamento de Sapir, lingüista 
              americano formado a partir das posições da Antropologia 
              de Boaz. Para ele a língua é parte da cultura de um 
              povo e é assim marcada por esta cultura. Estamos aqui diante 
              de uma concepção em que a linguagem é pensada 
              a partir de elementos exteriores que a constituem. Mattoso Câmara, 
              já no início da década de 40 do século 
              XX, inicia, no Brasil, um trabalho ligado a estas concepções, 
              que ele formula, também, a partir das posições 
              vindas de Saussure, notadamente pela via de Jakobson e Martinet. 
              Ele é, ao mesmo tempo, um lingüista de formação 
              histórica e deixa uma obra estruturalista que vai do estudo 
              histórico da Língua Portuguesa, à descrição 
              sincrônica do Português dito padrão. Dedica-se, 
              ainda, à estilística, ao lado de vasto trabalho no 
              campo das línguas indígenas.
             Um outro movimento oposto ao da universalidade e unidade do lingüistico, 
              pensado agora enquanto competência, é o da sociolingüística 
              quantitativa americana de Labov. Aqui a língua é pensada 
              como tendo uma estrutura variável que se pode conhecer por 
              um método quantitativo, através do qual é possível 
              estabelecer relações entre um divisão estratificada 
              da sociedade e a variabilidade estatística da língua. 
              Neste caso o externo que determina a língua é pensado 
              como distinto do lingüístico e a socioligüística 
              incumbe-se de estabelecer as correlações entre uma 
              estratificação social e a variabilidade das estruturas 
              lingüísticas.
             Estas posições antropológicas e sociolingüísticas 
              trazem para a discussão atual questões relativas ao 
              que se costuma chamar contato de línguas. Aspectos já 
              postos em pauta, a partir do comparatismo, por Hugo Schuchardt[23] 
              na passagem do século XIX para o XX.
            6. Mais um Movimento do Lingüístico no Domínio 
              das Ciências Humanas e Sociais
             Um terceiro momento decisivo na história dos estudos da 
              linguagem no século XX é marcado por uma posição 
              teórica que busca pensar a relação entre a 
              exterioridade e o lingüístico como uma relação 
              histórica e constitutiva do processo lingüístico. 
              Estamos aqui diante da posição da Análise de 
              Discurso que se desenvolve a partir do final da década de 
              60 do século XX na França. De um lado podemos lembrar 
              aqui o pensamento de Foucault, no interior de um pensamento filosófico 
              dedicado ao estudo da história, e de outro o pensamento de 
              Pêcheux[24], que constitui 
              a análise do discurso como modo de se poder pensar o histórico 
              e o político como próprios do processo de significação 
              do dizer (no qual se constitui o sujeito). Para esta posição 
              o objeto fundamental dos estudos é o discurso enquanto objeto 
              integralmente lingüístico e integralmente histórico. 
              Ou seja, a exterioridade não se apresenta como um fora a 
              que a linguagem deve ser correlacionada, ela é parte do que 
              é próprio da linguagem e de seu funcionamento. E. 
              Orlandi[25] traz para este 
              campo, entre outras, duas contribuições específicas. 
              A primeira é a formulação de que a questão 
              do sentido diz respeito a uma tensão entre a polissemia (os 
              muitos e sempre outros sentidos) e a paráfrase (o dizer o 
              mesmo). A segunda é a consideração de que o 
              sentido não diz respeito ao segmental, mas a que o silêncio 
              significa, e é isto que faz o sentido da linguagem. 
             Reencontra-se assim uma posição que coloca a questão 
              da linguagem no centro da cena das ciências humanas. A diferença, 
              aqui, relativamente ao estruturalismo, é que está 
              em questão a historicidade, que não está presente 
              nem no social saussureano, nem no funcionalismo de Jakobson, nem 
              mesmo, num certo sentido, nas abordagens diacrônicas e magistrais 
              de Benveniste nos seus estudos do Indo-europeu. Ou seja, a historicidade 
              não está na análise do discurso definida pelo 
              tempo, enquanto dimensão do mundo, mas por uma especificidade 
              determinada pela ideologia, por uma materialidade sócio-histórica.
            7. Uma Cena Contemporânea
             Do ponto de vista das ciências da linguagem hoje, vivemos 
              um embate entre a) um cognitivismo naturalista que o pensamento 
              chomskyano reintroduziu e que localiza a lingüística 
              no interior da biologia (enquanto ciência psicologica), ou 
              seja, das ciências naturais; b) posições derivadas 
              do estruturalismo, como os estudos enunciativos, para os quais o 
              funcionamento da língua se dá porque a língua 
              está marcada por formas próprias para seu funcionamento 
              no acontecimento enunciativo, posições então 
              que mantêm a questão da autonomia do lingüístico 
              posta por Saussure; c) posições que procuram estabelecer 
              diálogos entre as diversas disciplinas das ciências 
              humanas que levam a pensar o lingüístico como definido 
              por uma correlação com o que está fora do lingüístico: 
              o antropológico, o social, o psicológico, etc. d) 
              posições como a da análise de discurso que 
              põem em cena a questão de que não se pode reduzir 
              o lingüístico nem ao social (antropológico) nem 
              ao psicológico, pois a linguagem é, ao lado de integralmente 
              lingüística - num certo sentido saussureano - também 
              integralmente histórica. 
            Eduardo Guimarães é lingüista e professor 
            do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Unicamp.
             
            Notas
            [1]Filósofo grego do século IV a. C. [voltar]
            [2]Filósofo grego do século IV a. C. [voltar]
            [3]Esta é a posição de S. Auroux, em A Revolução Tecnológica da Gramatização, 
            Campinas, Editora da Unicamp, 1992. [voltar]
            [4]Como marco da história da Gramática na grécia pode-se considerar 
            Dionísio da Trácia, Gramático do século II a.C., também deste século 
            é o gramático latino Varrão. [voltar]
            [5]Pode-se considerar o início da retórica no século IV a.C, com Corax 
            e Tísias. Decisiva nesta história é a Retórica de Aristóteles. [voltar]
            [6]Gramático Indu do século IV a. C. Do século II a.C é Pantañjali 
            que, junto com Panini, constitui a tradição da gramática normativa 
            do sânscrito. [voltar]
            [7]Considera-se o trabalho de Franz Bopp, Sobre o sistema de Conjugações 
            do Sânscrito, Grego, Latim, Persa e Línguas Germânicas, publicado 
            em 1816, como um marco para a constituição da linguística comparativa. 
            Outra obra fundamental é a Gramática Germânica de Grimm, de 1819. 
            Antes deles pode-se considerar o trabalho de Rasmus Rask de 1811, 
            publicado em 1818. [voltar]
            [8]A lingüística é considerada uma disciplina da biologia. [voltar]
            [9]Como se sabe, o Português é resultado de mudanças históricas específicas 
            a partir do latim vulgar. [voltar]
            [10]A primeira edição do Curso de Linguística Geral de Saussure é 
            de 1916. Saussure nasceu em 1857 e morreu em 1913. [voltar] 
            
            [11]Filósofo Francês (1596-1650) [voltar]
            [12]Lingüista Francês (1902-1976). Ver fundamentalmente seus artigos 
            nas seções "O Homem na Língua" e "Comunicação", em Problemas de Linguística 
            Geral I e II. Estas obras reúnem sua produção em lingüística geral 
            desde o final da década de 30 do século XX. Publicados no Brasil por 
            Pontes, Campinas. [voltar]
            [13]Ver "As Escalas Argumentativas" de 1983, traduzido para o Português 
            em Provar e Dizer. São Paulo. Global, 1981. Ver também "Argumentação 
            e 'topoi' argumentativos". Publicado em História e Sentido na Linguagem, 
            Campinas, Pontes, 1989. [voltar]
            [14]Ver, por exemplo, O Intervalo Semântico, São Paulo, Ática, 1977 
            e Linguagem, Pragmática e Ideologia, São Paulo, Hucitec, 1980. [voltar]
            [15]Filósofo inglês (1911-1960) [voltar]
            [16]Ver Fundamentos da Teoria dos Signos, de 1938. Publicado no Brasil 
            por Eldorado Tijuca/Edusp, Rio de Janeiro, 1976. [voltar] 
            
            [17]Charles Sanders Peirce (1839-1914) [voltar]
            [18]Texto de 1960, publicado no Brasil em Lingüística e Comunicação, 
            São Paulo, Cultrix, 1969. Jakobson nasceu na Rússia em 1896 e morre 
            nos Estados Unidos em 1982. [voltar]
            [19]Lingüista dinamarquês (1899-1965). [voltar]
            [20]Pode-se considear como obras de fundação de seu pensamento Estruturas 
            Sintáticas de 1957 e Aspectos da Teoria da Sintaxe de 1965. Para se 
            observarem as mudanças de modelo da teoria, numa análise do Português, 
            pode-se recorrer a Análise Sintática. São Paulo, Ática, 1984, de Miriam 
            Lemle; e As Gramáticas do Português, Campinas, Editora Unicamp, 2001, 
            de Charlotte Galves. [voltar]
            [21]Podemos lembrar de Frege, "Sobre o Sentido e a Referência" de 
            1892, publicado no Brasil em Lógica e Filosofia da Linguagem, São 
            Paulo, Cultrix/Edusp, 1978; e de Russell, "Da Denotação", de 1950, 
            publicado no Brasil em Os Pensadores XLII, São Paulo, Abril, 1974. 
            [voltar]
            [22]O Tratado Lógico-Filosófico é publicado em 1921. De Grice ver, 
            por exemplo, "Lógica da Conversação", de 1967; e de Davidson "Verdade 
            e Sentido" de 1967, publicado no Brasil em Dascal, M Semântica, Campinas, 
            1982. [voltar]
            [23]Lingüista alemão (1842-1927). [voltar]
            [24]Ver, entre outros trabalhos seus, Análise Automática do Discurso 
            de 1969, publicado no Brasil em Por Uma Análise Automática do Discurso, 
            Campinas, Editora da Unicamp, 1990; Semântica e Discurso, de 1975, 
            publicado no Brasil pela Editora da Unicamp, Campinas, 1988; e Estrutura 
            ou Acontecimento, de 1983, publicado no Brasil por Pontes, Campinas, 
            1990. [voltar]
            [25]A este respeito ver A Linguagem e seu Funcionamento de 1983, Campinas, 
            Pontes, 1987; As Formas do Silêncio, Campinas, Editora da Unicamp, 
            1992; Interpretação, Petrópolis, Vozes, 1996. [voltar]