Aryon D. Rodrigues
            
            
              1. Quantidade e diversidade.
             Embora a maioria dos brasileiros tenha a impressão de viver 
              num país monolíngüe, o Brasil é na verdade 
              multilíngüe: nele são aprendidas como línguas 
              maternas cerca de 200 línguas. A singularidade lingüística 
              do Brasil está em que uma dessas línguas, o Português, 
              é hoje extremamente majoritária e as demais são 
              todas extremamente minoritárias. As pessoas que têm 
              línguas maternas minoritárias no Brasil constituem 
              apenas 0,5% da população total do país, cerca 
              de 750.000 indivíduos. Deste contingente a maior parte, 60%, 
              fala a que é a segunda língua do Brasil em termos 
              demográficos - o Japonês. Os 40% restantes, cerca de 
              300.000 pessoas, distribuem-se pelas outras línguas de minorias 
              asiáticas (Chinês, Coreano, Árabe, Armênio, 
              etc.) e européias (Alemão, Italiano, Polonês, 
              Grego moderno, Húngaro, Ucraniano, Ídiche, Lituano, 
              etc.) e pelas línguas indígenas. Embora existam hoje 
              no Brasil cerca de 220 povos indígenas, o número de 
              línguas indígenas ainda faladas é um pouco 
              menor, cerca de 180, pois mais de vinte desses povos agora falam 
              só o Português, alguns passaram a falar a língua 
              de um povo indígena vizinho e dois, no Amapá, falam 
              o Crioulo Francês da Guiana. A população total 
              dos povos indígenas é agora de cerca de 190.000 pessoas, 
              mas destas só cerca de 160.000 falam as 180 línguas 
              indígenas. Isto implica numa média de menos de 900 
              falantes por língua. Como, naturalmente, a distribuição 
              é desigual, algumas dessas línguas são faladas 
              por cerca de 20.000 pessoas ao passo que outras o são por 
              menos de 20.
             Há grande diversidade entre as línguas indígenas 
              do Brasil, tanto de natureza tipológica, quanto de natureza 
              genética. Do ponto de vista tipológico há tanto 
              línguas de gramática predominantemente analítica, 
              quanto outras fortemente polissintéticas, com características 
              que só se encontram nas Américas; tanto línguas 
              com inventários fonológicos abundantes, como outras 
              com um número extremamente reduzido de vogais e consoantes, 
              assim como há línguas tonais, que caracterizam as 
              palavras por sílabas de tom mais alto e de tom mais baixo, 
              e línguas que, como a maioria das européias, só 
              usam o tom para caracterizar tipos de sentenças. Do ponto 
              de vista genético, que permite classificar as línguas 
              em conjuntos com origem comum mais próxima ou mais remota, 
              as 180 línguas indígenas brasileiras se distribuem 
              por pouco mais de 40 conjuntos, a que se costuma dar o nome de famílias 
              lingüísticas. Dez destes constam hoje de uma só 
              língua, a qual, por ser a única e não apresentar 
              parentesco com as demais conhecidas, é também chamada 
              de língua isolada. O número de línguas nas 
              outras famílias varia de duas a trinta. Este último 
              é o número de línguas da família Tupí-Guaraní 
              no Brasil, que é a mais distribuída sobre nosso território, 
              com línguas no Amapá e norte do Pará e com 
              outras no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com 
              umas no litoral atlântico e outras em Rondônia, assim 
              como nos principais afluentes meridionais do rio Amazonas, no Madeira, 
              no Tapajós, no Xingu e também no Tocantins e Araguaia. 
              Outras grandes famílias são a Jê, que tem línguas 
              distribuídas desde o Maranhão até o Rio Grande 
              do Sul, a Aruak no oeste e no leste da Amazônia, em Mato Grosso 
              e em Mato Grosso do Sul, e a Karíb ao norte do rio Amazonas, 
              nos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, mas 
              com algumas línguas ao sul daquele rio, ao longo de seu afluente 
              Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso. Dez famílias, 
              inclusive a Tupí-Guaraní, são reconhecidas 
              como aparentadas geneticamente num nível mais remoto, constituindo 
              um conjunto de conjuntos, a que se chama tronco lingüístico, 
              nesse caso o tronco Tupí. Há evidências de que 
              a família Karíb também está aparentada 
              geneticamente com o tronco Tupí, mas ainda não estão 
              claros maiores detalhes dessa conexão. Outro tronco é 
              o Macro-Jê, que reúne 12 famílias, uma das quais 
              é a família Jê. Há sugestões sobre 
              outras relações genéticas entre diversas famílias, 
              mas são ainda meramente especulativas.
              
              2. Propriedades fonológicas incomuns ou únicas.
             Qualquer língua opera com unidades de forma e significado 
              e com regras de combinação dessas unidades. As formas 
              dessas unidades, que se chamam morfemas, têm sua substância 
              formada por unidades de outra ordem, os fonemas, estes constituídos 
              por sons produzidos pelos órgãos da fala do corpo 
              humano. O repertório de sons que podem constituir os fonemas 
              é muito grande, mas cada língua utiliza só 
              um conjunto bastante limitado. Como alguns fonemas podem ser constituídos 
              por dois ou mais sons, os inventários de fonemas são 
              ainda mais limitados. As línguas diferem bastante, entretanto, 
              seja em seu número de fonemas, seja na qualidade destes. 
              Em todas elas, entretanto, distinguimos duas classes principais 
              de fonemas, os fonemas glotais, produzidos basicamente na laringe, 
              e os fonemas supraglotais, produzidos basicamente acima da laringe, 
              ou seja, na faringe e na boca. Os fonemas glotais são as 
              vogais, de uso universal, e o oclusivo e o fricativo glotais, que 
              não se usam em todas as línguas. Os supraglotais são 
              as consoantes, também universais enquanto classe de fonemas. 
              As consoantes se subdividem em diversas categorias, segundo o modo 
              como se produzem por articulação dos órgãos 
              supraglotais (língua, palato, lábios) e segundo a 
              localização da articulação.
             Uma das línguas indígenas brasileiras tem o que 
              é provavelmente o menor inventário de fonemas no mundo: 
              a língua Pirahã falada junto a um dos afluentes do 
              rio Madeira, no Amazonas, tem apenas dez fonemas - seis consoantes, 
              três vogais e o fricativo glotal. Esta, que é a única 
              ainda falada da família Múra e que está bem 
              documentada e analisada, é uma língua tonal, com dois 
              fonemas tonais, um tom alto e um tom baixo, que concorrem com as 
              consoantes, as vogais e o fricativo glotal para caracterizar cada 
              sílaba das palavras. Do ponto de vista fonético, o 
              Pirahã é particularmente notável por ter um 
              som D até hoje só encontrado nele e em nenhuma 
              outra língua do mundo, o qual é produzido com o mesmo 
              movimento inicial da língua com que se faz o nosso r 
              de arara, mas aplicando-se as bordas laterais desse órgão 
              aos dentres molares superiores (como na produção do 
              nosso l), e projetando-se a ponta do mesmo para fora da boca 
              por entre os dentes incisivos e os lábios; e um outro som, 
              não exclusivo, mas rarísimo como som lingüístico, 
              B, produzido pela vibração dos lábios 
              acompanhada de vibração das cordas vocais (Everett 
              1979, 1982, Rodrigues 1984). Som análogo a este último 
              e igualmente incomum nas línguas do mundo, produzido da mesma 
              maneira mas sem a vibração das cordas vocais, portanto 
              P, encontra-se em palavras da língua Arara da família 
              Karíb, no baixo Xingu (Souza 1988). A língua Suruí 
              ou Paitér de Mato Grosso (família Mondé) tem 
              um som até agora observado só nela, uma consoante 
              fricativa lateral surda interdental L (e não alveolar, 
              como a que tem sido descrita para muitas outras línguas) 
              (van der Meer 1982, Rodrigues 1984).
             Do ponto de vista fonológico, isto é, da economia 
              dos sons, o Pirahã também é particularmente 
              notável. Seu sistema consonantal é um dos mais anárquicos 
              que se conhecem, muito pouco configuracional. Por exemplo, o som 
              oclusivo velar [k], que por si só não constitui um 
              fonema, ocorre como variante tanto do fonema oclusivo labial /p/, 
              como do oclusivo dental /t/ e, ainda, da seqüência hi. 
              Há, nesse sistema, dois fonemas oclusivos sonoros, um labial 
              /b/ e o outro não labial /g/. Ambos têm uma variante 
              nasal e outra líqüida, mas enquanto para /b/ essas são 
              da mesma qualidade labial, [m] e [B], respectivamente, para /g/, 
              que é basicamente velar, elas não são velares, 
              mas sim dentais, [n] e [L], respectivamente (Everett 1979, 1986, 
              Rodrigues 1984). A língua Maxakalí, da família 
              do mesmo nome, em Minas Gerais, é a única no mundo 
              com variantes vocálicas para todas as suas consoantes. Esta 
              língua explora só minimamente as possibilidades de 
              produzir consoantes: todas as suas consoantes são oclusivas, 
              uma série de quatro surdas (isto é, sem vibração 
              das cordas vocais) e outra de quatro sonoras (com vibração 
              das cordas vocais). Mas as sonoras tornam-se inteira ou parcialmente 
              nasais em determinados contextos e tanto as surdas como as sonoras 
              apresentam, segundo os contextos, variantes pré-vocalizadas 
              ou inteiramente vocalizadas, isto é, como puras vogais fonéticas 
              (Gudschinsky, Popovich & Popovich 1970, Rodrigues 1981, Wetzels 
              & Sluyters 1995).
             Outros fenômenos fonológicos de interesse teórico 
              descobertos em línguas indígenas do Brasil incluem 
              segmentos fonológicos complexos, com até três 
              fases sucessivas de realização fonética, tanto 
              consonantais como vocálicos, em línguas como o Kaingáng 
              do Paraná (família Jê) (Rodrigues e Cavalcante 
              1982, Cavalcante 1987), o Yuhúp (família Makú) 
              da bacia do rio Negro, no Amazonas (del Vigna 1991) e o Maxakalí 
              (família Maxakalí) em Minas Gerais (Gudschinsky, Popovich 
              & Popovich 1970, Pereira 1991); a produção de 
              sons nasais em contacto com fonemas assilábicos glotais, 
              como em Pirahã (família Múra) e em Mawé 
              (família Mawé, tronco Tupí) (Rodrigues 1984, 
              Sândalo 1991); a nasalização da vogal a 
              por processo fonológico de compactação em Kaingáng 
              e em Tapirapé (Rodrigues 1981); etc.
              
              3. Propriedades gramaticais incomuns ou únicas.
             Enquanto diversas línguas indígenas sul-americanas 
              têm elementos pronominais de primeira pessoa do plural, equivalentes 
              ao nós, nos, nosso do Português, muitas outras 
              distinguem duas expressões pronominais da chamada primeira 
              pessoa do plural, uma inclusiva, que inclui a pessoa com 
              quem se fala ('eu e você' ou 'eu e vocês') e outra exclusiva, 
              que exclui essa pessoa ('eu e ele' ou 'eu e eles'). Essa é 
              uma distinção que ocorre em diferentes partes do mundo. 
              Há entretanto uma distinção que até 
              agora só foi observada numa língua do Brasil, o Tupinambá 
              (fam. Tupí-Guaraní). Nesta há três pronomes 
              «nós», um exclusivo e dois inclusivos. Estes 
              dois últimos se distinguem pela presença ou ausência 
              de uma terceira pessoa que o falante põe em foco em seu discurso: 
              jané significa 'eu e você' ou 'eu e vocês' 
              ou 'eu, você e outros', ao passo que asé quer 
              dizer 'ele e eu e você(s)' ou 'eles e eu e você(s)'. 
              Nos verbos dessa língua há prefixos que marcam os 
              sujeitos em concordância com esses pronomes, ja- e 
              o-, respectivamente; mas esses dois prefixos se usam não 
              só quando o sujeito é «nós», mas 
              também quando é «ele» ou «eles», 
              isto é, apenas de 3a. pessoa, caso em que o- se refere 
              a uma 3a. pessoa que é o foco do discurso, enquanto que ja- 
              indica uma terceira pessoa que não é o foco. Em conseqüência, 
              a forma verbal ojkutúk pode significar 'nós 
              o ferimos' ou 'ele o feriu', e o mesmo se dá com a forma 
              jajkutúk. Essa situação se explica não 
              só pela distinção entre 3a. pessoa focal e 
              não focal, mas também pela importância que se 
              dá ao contraste entre falante e ouvinte: quando os dois agem 
              juntos (situação de «nós inclusivo») 
              não há contraste entre eles, da mesma forma como também 
              não há contraste quando só uma terceira pessoa 
              age («ele(s)»): daí o uso das mesmas marcas de 
              «pessoa»; as demais marcas de pessoa no verbo referem-se 
              a situações em que há esse contraste: a- 
              'eu (você não)', oro- 'eu e ele ou eles (você 
              não)', ere- 'você (eu não)', pe- 
              'você e ele ou eles (eu não)'. Assim, nessa língua, 
              'eu e você' exprime-se exatamente como 'nem eu nem você'. 
              (Rodrigues 1990, 1993)
             Embora até os anos 70 se considerasse um princípio 
              universal a construção de orações negativas 
              mediante o acréscimo às afirmativas correspondentes 
              de um ou mais morfemas de negação, portanto por um 
              aumento de substância, uma língua de Rondônia, 
              o Karitiána (família Arikém, tronco Tupí) 
              produz orações negativas mediante a supressão 
              das marcas de aspecto e tempo no verbo, portanto por redução 
              de substância (Landin 1984). Outro suposto princípio 
              universal foi desfeito nos anos 70 pelo estudo de outra língua 
              amazônica. Com base no exame de línguas dos outros 
              continentes tipologistas haviam concluído que não 
              existiam línguas em que a ordem básica das orações 
              transitivas tivesse o objeto direto nominal em primeira posiçáo. 
              O Hixkaryána, língua da família Karíb, 
              no rio Nhamundá no Amazonas, desfez essa conclusão 
              (Derbyshire 1977). 
             Entre outros fenômenos gramaticais únicos ou incomuns 
              podemos citar a incorporação de posposições 
              no sintagma verbal em Panará, da família Jê, 
              hoje na bacia do Tapajós (Dourado 1994), e em Nadêb 
              (família Makú) da bacia do rio Negro, no Amazonas 
              (Weir 1990); a incorporação recursiva de nomes no 
              sintagma verbal do mesmo Nadêb (Weir 1990); referência 
              alternada (switch reference) não apenas no sujeito 
              de orações coordenadas ou subordinadas, mas também 
              no objeto direto e nos complementos indiretos, como em algumas línguas 
              da família Tupí-Guaraní (Silva 1999); etc.
            4. O porquê da originalidade.
            4.1. A antigüidade do homem na América do Sul.
             O povoamento da América do Sul por seres humanos é 
              recente em relação à antigüidade do homem 
              sobre a Terra: as estimativas mais conservadoras são de cerca 
              de 12.000 anos antes do presente, mas resultados mais recentes de 
              pesquisas arqueológicas apontam para a possibilidade de que 
              o homem já estivesse aqui há uns 50.000 anos. Mesmo 
              com as estimativas mais cautelosas, os grupos humanos que aqui penetraram 
              tiveram um longuíssimo tempo para ir ocupando o novo espaço, 
              adaptando-se a suas características ecológicas, aumentando 
              sua população, dividindo-se sucessivamente em grupos 
              que se distanciaram mais e mais, e mais e mais se diferenciaram, 
              desenvolvendo novos hábitos, novos conhecimentos, novas atitudes. 
              Como uma propriedade universal das línguas é sua contínua 
              mudança através das gerações e sua diversificação 
              quando se reduz ou se perde o contacto entre partes de seus falantes, 
              a língua ou as línguas que os imigrantes pré-históricos 
              trouxeram para a América do Sul tiveram um tempo considerável 
              para modificar-se e diferenciar-se, multiplicando-se em diversas 
              famílias lingüísticas. 
             Todos os componentes de uma língua - seu sistema de sons, 
              seu sistema morfológico e sintático e seu vocabulário, 
              assim como suas estratégias de construção do 
              discurso - mudam no curso do tempo, em conseqüência de 
              reajustes internos desses sistemas e devido a mudanças na 
              cultura e organização social do povo que a fala e 
              a influências de outras línguas com que ela entra em 
              contacto em determinadas circunstâncias. Os resultados dessas 
              mudanças freqüentemente coincidem com fenômenos 
              já existentes em outras línguas, mas às vezes 
              constituem inovações. Tais inovações 
              podem propagar-se para outras línguas que entrem em contacto 
              com a língua inovadora e podem, assim, tornar-se características 
              de uma determinada área geográfica, mas também 
              podem ficar restritas somente à família genética 
              descendente da língua inovadora. Quando as características 
              de uma região geográfica mantêm relativamente 
              isolados os povos que nela vivem, as inovações não 
              se propagam além dessa região, da mesma forma como 
              inovações ocorridas fora dessa área aí 
              náo penetram. 
            4.2. O relativo isolamento da América do Sul.
             A América do Sul é quase uma ilha, é uma 
              grande península ligada às Américas Central 
              e do Norte apenas pelo estreitíssimo istmo do Panamá 
              e separada dos demais continentes pelos dois maiores oceanos, o 
              Atlântico e o Pacífico. A natureza insular da América 
              do Sul deve ter tido como conseqüência que inovações 
              lingüísticas não coincidentes com fenômenos 
              já existentes fora dela ficaram restritas a línguas 
              daqui, da mesma forma como fenômenos lingüísticos 
              surgidos em outras regiões do mundo após o povoamento 
              desta, não puderam propagar-se até aqui. Em vista 
              disso, não pode ser surpreendente, antes é de esperar-se 
              que várias línguas indígenas do Brasil, assim 
              como de outras partes da América do Sul, apresentem fenômenos 
              originais em relação ao que é conhecido dos 
              demais continentes. Que só muito recentemente tenham começado 
              a ser percebidos tais fenômenos deve-se essencialmente a dois 
              fatores: primeiro, a pesquisa científica das línguas 
              indígenas no Brasil e na América do Sul em geral é 
              muito recente e ainda muito pouco desenvolvida e, segundo, ainda 
              são muito poucos os pesquisadores e para estes há 
              muito pouco apoio institucional.
            5. A perda da quantidade e da diversidade.
             A lentidão com que se tem desenvolvido a pesquisa científica 
              das línguas indígenas no Brasil revela-se extremamente 
              grave quando se verifica que essas línguas, desde o descobrimento 
              do Brasil pelos europeus, têm estado continuamente submetidas 
              a um processo de extinção (ou mesmo de exterminação) 
              de espécies de conseqüências extremamente graves. 
              Hoje há cerca de 180 línguas indígenas neste 
              país, mas estas são apenas 15% das mais de mil línguas 
              que se calcula terem existido aqui em 1500 (Rodrigues 1993a, 1993b). 
              Essa extinção drástica de cerca de 1000 línguas 
              em 500 anos (a uma média de duas línguas por ano) 
              não se deu apenas durante o período colonial, mas 
              manteve-se durante o período imperial e tem-se mantido no 
              período republicano, às vezes, em certos momentos 
              e em certas regiões, com maior intensidade, como durante 
              a recente colonização do noroeste de Mato Grosso e 
              de Rondônia. Quase todas as línguas indígenas 
              que se falavam nas regiões Nordeste, Sueste e Sul do Brasil 
              desapareceram, assim como desapareceram quase todas as que se falavam 
              na calha do rio Amazonas. Essa enorme perda quantitativa implica, 
              naturalmente, uma grande perda qualitativa. Línguas com propriedades 
              insuspeitadas desapareceram sem deixar vestígios, e provavelmente 
              algumas famílias lingüísticas inteiras deixaram 
              de existir. As tarefas que têm hoje os lingüistas brasileiros 
              de documentar, analisar, comparar e tentar reconstruir a história 
              filogenética das línguas sobreviventes é, portanto, 
              uma tarefa de caráter urgente urgentíssimo. Muito 
              conhecimento sobre as línguas e sobre as implicações 
              de sua originalidade para o melhor entendimento da capacidade humana 
              de produzir línguas e de comunicar-se ficará perdido 
              para sempre com cada língua indígena que deixa de 
              ser falada.
            6. A situação atual.
             A simples menção do número de 180 línguas 
              indígenas existentes hoje no Brasil pode dar uma falsa idéia 
              da realidade. Uma maior aproximação com esta realidade 
              só pode ser obtida mediante consideração dos 
              dados demográficos referentes a cada língua. Seria 
              demasiado longo apresentar aqui em detalhe esses dados, por isso 
              limito-me a agrupar as línguas dentro de certos limites demográficos, 
              isto é, segundo o número de pessoas que as falam, 
              e a mencionar o número de línguas em cada grupo. Há 
              apenas uma língua com pouco mais de 30.000 falantes, duas 
              entre 20.000 e 30.000, outras duas entre 10.000 e 20.000; três 
              entre 5.000 e 10.000; 16 entre 1.000 e 5.000; 19 entre 500 e 1.000; 
              89 de 100 a 500 e 50 com menos de 100 falantes. A metade destas 
              últimas, entretanto, tem menos de 20 falantes. Em resumo: 
              das 180 línguas apenas 24, ou 13%, têm mais de 1000 
              falantes; 108 línguas, ou 60%, têm entre 100 e 1000 
              falantes; enquanto que 50 línguas, ou 27%, têm menos 
              de 100 falantes e metade destas, ou 13%, têm menos de 50 falantes 
              (Rodrigues1993c). Em qualquer parte do mundo línguas com 
              menos de 1000 falantes, que é a situação de 
              87% das línguas indígenas brasileiras, são 
              consideradas línguas fortemente ameaçadas de extinção 
              e necessitadas, portanto, de pesquisa científica urgentíssima, 
              assim como de fortes ações sociais de apoio a seus 
              falantes, que como, comunidades humanas, estão igualmente 
              ameaçados de extinção cultural e, em não 
              poucos casos, de extinção física.
            7. O Laboratório de Línguas Indígenas.
             O objetivo maior do Laboratório de Línguas Indígenas 
              do Instituto de Letras da Universidade de Brasília é 
              o estabelecimento de um espaço institucional para promover 
              a documentação, análise, descrição, 
              comparação não só das línguas, 
              mas também das situações em que se encontram 
              estas. O laboratório deve tornar-se um centro de troca de 
              conhecimentos e de experiências por pesquisadores de diversas 
              instituições, do País e do exterior, um espaço 
              de trabalho e de treinamento para novos pesquisadores e uma agência 
              de informações e consultas sobre o conhecimento lingüístico 
              relevante para pesquisadores e agentes sociais e educacionais, que 
              cooperam com comunidades indígenas, assim como diretamente 
              para essas mesmas comunidades.
              
              (Conferência feita na inauguração do Laboratório 
              de Línguas Indígenas do Instituto de Letras da Universidade 
              de Brasília, em 8 de julho de 1999.)