Português e Esperanto-Inglês: Carlos Vogt
Novas práticas melhoram ensino da língua escrita
A História do Português Brasileiro
Lei proíbe uso de estrangeirismos
A língua na TV
Línguas são assunto de Estado
Os empréstimos no léxico do futebol
A origem e o destino das línguas
A globalização da língua:
Aldo Rebelo
A polêmica sobre os "estrangeirismos" e o papel dos ligüistas:
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Norma e prescrição lingüística:
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A originalidade das línguas indígenas no Brasil:
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Os estudos sobre linguagem: uma história das idéias:
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Desenvolvimento da linguagem e processo de subjetivação:
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Novas práticas melhoram ensino da língua escrita

Os trabalhos científicos da área de educação realizados nos anos 80, tornaram possível repensar as questões envolvidas no ensino e na aprendizagem da língua portuguesa. As novas metodologias reconhecem que o aluno tem um conhecimento prévio da língua, fruto da sua vivência, cabendo à escola aproveitar esse saber do aluno para que ele multiplique os seus conhecimentos. Mas ainda é discutível a forma com que os conteúdos da chamada língua culta são ensinados. Algumas escolas e professores ainda não sabem como aplicar as novas práticas. É possível identificar alguns equívocos no ensino e, apesar da evolução que já é notada, ainda há muito o que melhorar.

O projeto de lei 1.676/99, do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), em trâmite no Congresso Nacional, também faz uma menção à questão educacional, dizendo que é preciso "melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional".

Para Gilmar Ramos de Souza, que é professor de redação na 1ª e na 2ª séries do ensino médio na Escola G9, da rede particular no município de Itajubá (MG), o insucesso no aprendizado da língua portuguesa é resultado das falhas na alfabetização e da falta de leitura ao longo da vida escolar. Ele afirma que os alunos chegam ao ensino médio muito despreparados e o maior problema é a argumentação. "Os textos são muito superficiais e há muita repetição de palavras", garante o professor.

Souza lembra que até o final do ensino fundamental, o aluno lê alguns livros apenas quando é obrigado pelo professor, para fazer provas ou para apresentar trabalhos. Quando passa para o ensino médio, o aluno interrompe essa leitura e só volta a ler quando vai enfrentar os vestibulares para conseguir uma vaga na faculdade de sua escolha. Isso quando não se vale apenas dos resumos oferecidos nas apostilas dos cursinhos.

Mas há formas de estimular o aluno a ler, seja em casa, seja na escola. A técnica adotada pelo professor para aumentar o interesse dos alunos pelos livros é a seguinte: "eu leio em sala de aula, pelo menos um conto por dia. Às vezes também faço uma espécie de encenação para os alunos. Eu começo a contar uma estória de algum livro e no ponto mais interessante, eu interrompo. Digo que não me lembro do resto", conta Souza que acrescenta que, segundo a bibliotecária da escola, essa técnica aumentou muito a procura de livros pelos alunos do ensino médio.

Leitura diária - Silmara Zago lê histórias para incentivar a produção de textos de seus alunos. Foto: Simone Pallone

A pedagoga Silmara Helena Zago, que é professora em duas escolas da rede particular de Campinas (SP) - a Escola do Sítio e o Colégio Progresso -, na 2ª e na 4ª séries do ensino fundamental, concorda com Souza de que a leitura é fundamental para o processo de aprendizagem da língua escrita. Nas duas escolas onde trabalha, Zago lê todos os dias para as crianças.

Sua experiência de 15 anos como educadora lhe garante a certeza de que apenas pela leitura a criança aprende a escrever e, em sua opinião, o hábito da leitura dispensa a sistematização do ensino da gramática, que deve ser apreeendida no contexto dos textos que a criança lê ou produz. "Podemos destacar palavras que representam o substantivo, o verbo, o adjetivo", diz Zago. Para ela, a leitura permite que a criança aprenda a estruturar o texto, com coesão, coerência e com vocabulário variado.

Em seu livro Por que (não) ensinar gramática na escola, o lingüista Sírio Possenti afirma que "ler e escrever não são tarefas extras que possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida, mas atividades essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala de aula".

Principalmente quando o ambiente familiar é menos favorecido do que o da escola, e a oferta de material para leitura é reduzida, o professor deve apresentar a maior variedade possível de elementos que possam servir para o aprendizado da língua materna. De uma maneira geral, o estímulo à leitura não é feito apenas pelos livros de ficção. O professor pode utilizar cartazes, rótulos de produtos, textos de embalagens, avisos, revistas e jornais. É importante despertar na criança a consciência da funcionalidade da escrita, que segundo a pedagoga, passou a existir na sala de aula mais recentemente.

Mas para conseguir os resultados esperados, o professor tem que participar ativamente do processo, tem que provocar o aluno a buscar o conhecimento. Para Possenti, "a única opção de uma escola comprometida com melhoria de qualidade do ensino está entre ensinar ou deixar aprender… Qualquer outra implica em conformar-se com o fracasso, ou pior, em atribuí-lo exclusivamente ao aluno".

Alunos representam Alice no País da Maravilhas em evento de inauguração da biblioteca. Fonte: Simone Pallone

Zago se diz tranqüila com o ensino-aprendizagem da língua portuguesa nas duas turmas com as quais atua este ano. A pedadoga diz que em ambas as escolas, as crianças apresentam um conjunto de textos bem desenvolvidos, de acordo com o esperado em suas faixas etárias. Ela reconhece que trabalha com um público privilegiado, composto por crianças que vivem em ambiente bastante favorável, com grande estímulo, acesso a computador, livros, revistas, viagens e, segundo ela, o ambiente familiar é um fator de grande importância nesse processo.

Em uma das escolas, que atende às classe média e média alta, 80% dos alunos são filhos de professores universitários. Ela conta que essas crianças usam uma linguagem mais formal do que as da outra escola. Já na fala, seguem o padrão da língua, fazendo uso de plural, conjugando corretamente os verbos, e preocupando-se com sua maneira de falar e escrever de acordo com o padrão.

A questão do ambiente em que a criança vive, é abordada também por Gisá de Figueiredo Biscaia, professora da Escola Municipal Tristão de Athayde, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. "O ambiente familiar exerce uma influência muito mais forte que o ambiente escolar", afirma, o que é determinado, na sua opinião, não apenas pelo tempo que a criança passa em companhia da família, mas também por fatores psicológicos e sociais. "A criança desenvolve a linguagem de forma a facilitar a sua comunicação e, por essa razão, reproduz a linguagem familiar". A linguagem é também um fator de identificação no grupo e se a língua padrão não cumpre essa função no que diz respeito à comunicação no ambiente extra-escola, o aprendizado se torna mais difícil. Mas não impossível.

De uma forma ou de outra, a divulgação dos resultados das pesquisas por várias secretarias de educação desencadeou em uma parcela de alfabetizadores e técnicos um esforço de revisão das práticas de alfabetização. A primeira prática questionada foi a dos exercícios de prontidão. Também o silabário da cartilha - confundido muitas vezes com a própria idéia de alfabetização - tem sido substituído por uma grande variedade de textos. Os resultados que começam a surgir, já animam esses educadores que, como Zago e Biscaia identificam textos mais criativos, mais coesos, que demonstram capacidade de síntese, que reproduzem idéias apresentadas e que apresentam poucos erros ortográficos.

Equívocos no aprendizado da língua

Para Sírio Possenti, o ensino da língua portuguesa apresenta dois equívocos: um de natureza político-cultural e outro de natureza cognitiva. O primeiro é quando se diz que é injusto que se imponha a um grupo social os valores de outro grupo. O equívoco, segundo Possenti, é o de não perceber que os menos favorecidos socialmente só têm a ganhar com o domínio de outra forma de falar e de escrever. Desde que se aceite que a mesma língua pode servir mais de uma ideologia, a mais de uma função, o que parece hoje evidente.

O segundo equívoco, conforme escreve em seu livro, "é imaginar que cada falante ou grupo de falantes só pode aprender e falar um dialeto (ou uma língua). Todas as evidências vão no sentido contrário".

Para Gilmar R. de Souza o grande engano do ensino da língua é separar literatura, gramática e redação. Na escola em que trabalha, as três áreas são abordadas por três professores diferentes, quando deveriam ser ensinadas, da 5ª à 8ª séries como uma única matéria: língua portuguesa. "O ensino de gramática tem que ser em cima dos textos que os alunos lêem e produzem e não de forma isolada".

A pedagoga Zago aponta outras falhas no ensino da língua, que ela acredita que estejam mais relacionados com a importância que se dá ao ensino isolado da gramática. Para ela, a aprendizagem da língua portuguesa é possível quando a criança lê e escreve. Nesse sentido, o equívoco está em exigir que a criança escreva "certo" em relação à ortografia, no primeiro momento da alfabetização. "Nesta fase é importante que a criança consiga reproduzir as suas idéias, de forma clara, encadeada e criativa", afirma Silmara. Em um segundo momento sim, a criança pode, já com a capacidade de elaboração garantida, ser orientada quanto às normas ortográficas. Evita-se assim que a criança se intimide a escrever, pois com a preocupação de escrever "certo", a criança escreve menos, não arrisca novas idéias, novas palavras ou mesmo novas estruturas de texto.

O terceiro equívoco apontado pela pedagoga é o de acreditar que a alfabetização é a trasncrição da fala. Em sua opinião, a criança utiliza esse recurso, mas não é o único. "A criança aprende a ler, lendo e a escrever, escrevendo", afirma. E esclarece que nesse sentido o trabalho do professor é fundamental, como o mediador do processo. O professor é aquele que estimula a leitura e a produção de textos. É também aquele que apresenta novos materiais, que ajuda a criança a encontrar novas soluções para os problemas que encontra no processo de aprendizagem. É o que acompanha o desenvolvimento do aluno, identifica as dificuldades e ajuda o aluno a vencê-las.

Estrangeirismos na escola

As crianças se deparam com palavras estrangeiras a todo momento, nas ruas, nos supermercados, na televisão, no computador, e na escola também, é claro. Não é difícil encontrar duas crianças de três a quatro anos combinando quem será o Power Ranger verde e quem será o azul. Também não é raro nos dias de hoje, ouvir um menino de 9 anos contar ao amigo que fez um download do programa de antivírus, ou uma menina de 12 anos dizer à professora que foi ao Wet'n Wild no final de semana.

É essa invasão de palavras estrangeiras no dia a dia de qualquer cidadão brasileiro que preocupa o deputado Aldo Rebelo, além de lingüistas, jornalistas, professores, pais e amantes da língua portuguesa.

Em palestra realizada no Seminário Idioma e Soberania - Nossa Língua, Nossa Pátria, entre os dias 14 e 15 de março de 2000, Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, conferiu à escola a responsabilidade de guardar a língua materna: "é necessário que se lute contra a destruição da linguagem, como está ocorrendo, numa prova da aversão do brasileiro ao seu idioma, quando ela é o único meio de integração dos segmentos de baixa renda ao contexto cultural pelo qual somos todos responsáveis. A educação precisa de competência e de seriedade".

O professor lembra que "a Constituição de 1988, ao tratar do assunto, cita a qualidade do ensino. Há boas escolas ao lado de escolas péssimas. O problema central está em diminuir as diferenças de qualidade do sistema e não nivelar pelo patamar de baixo. O problema é ainda de tratamento do conjunto e não esperar que uma experiência bem sucedida se multiplique naturalmente pelo resto do sistema. A cobrança de qualidade do ensino deve ser feita pela sociedade que está por trás do Estado e que o obriga a atuar. Assim se estará exercitando, na plenitude, o que se entende hoje por educação para a cidadania".

Para os professores entrevistados, as palavras estrangeiras não têm interferido diretamente no ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Para Silmara Zago e Souza, os alunos entendem que a língua escrita tem que seguir um padrão, que não contempla a mistura gratuita da língua portuguesa com outras línguas. "É claro que aparecem palavras estrangeiras, principalmente nomes de personagens de desenhos animados, lugares que visitam, jogos de computador ou de vídeo, mas isso acaba sendo um elemento a mais na construção do texto, pois uma vez que eu não conheço essas palavras e não sei o que significam (assim como a professora outros leitores podem desconhecer também), a criança é obrigada a explicar entre traços, ou parênteses o que significam. O aluno preciso lembrar também de dar destaque à palavra para que o leitor entenda que é uma palavra que não pertence à nossa língua", explica Zago.

Segundo Souza, nas primeiras redações do ano, os alunos usavam muitas gírias estrangeiras e linguagem de computador, principalmente as abreviações comuns aos ambiente de bate-papo virtual. Aos poucos foram tomando consciência de que era preciso usar a gramática de maneira mais formal. "Eles mesmos percebem a diferença dos textos que produzem agora", afirma. Uma vantagem apontada pelo professor é que esses alunos são bem informados, têm bastante acesso a revistas e jornais. "Nas aulas, fazemos muita análise de produtos da mídia, comparando como um e outro utiliza a língua", explica. Mas infelizmente, o grande estímulo à melhora da escrita nessa fase é o desejo de sucesso no vestibular, não que esse estímulo ao aprendizado deva ser desprezado.

A língua portuguesa, como qualquer outro idioma, modifica-se e sofre influências, mas as gramáticas normativas continuam a propor regras que muitas vezes os falantes não usam mais. Por outro lado, usos correntes de certas estruturas da fala, consideradas incorretas pela gramática normativa, passam a ser incorporadas na norma culta da língua, devido à recorrência em livros e na imprensa escrita.

 

Atualizado em 10/08/2001

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