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             Novas 
              práticas melhoram ensino da língua escrita 
            Os 
              trabalhos científicos da área de educação 
              realizados nos anos 80, tornaram possível repensar as questões 
              envolvidas no ensino e na aprendizagem da língua portuguesa. 
              As novas metodologias reconhecem que o aluno tem um conhecimento 
              prévio da língua, fruto da sua vivência, cabendo 
              à escola aproveitar esse saber do aluno para que ele multiplique 
              os seus conhecimentos. Mas ainda é discutível a forma 
              com que os conteúdos da chamada língua culta são 
              ensinados. Algumas escolas e professores ainda não sabem 
              como aplicar as novas práticas. É possível 
              identificar alguns equívocos no ensino e, apesar da evolução 
              que já é notada, ainda há muito o que melhorar. 
            O 
              projeto de lei 1.676/99, do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), em 
              trâmite no Congresso Nacional, também faz uma menção 
              à questão educacional, dizendo que é preciso 
              "melhorar as condições de ensino e de aprendizagem 
              da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades 
              da educação nacional".  
            Para 
              Gilmar Ramos de Souza, que é professor de redação 
              na 1ª e na 2ª séries do ensino médio na 
              Escola G9, da rede particular no município de Itajubá 
              (MG), o insucesso no aprendizado da língua portuguesa é 
              resultado das falhas na alfabetização e da falta de 
              leitura ao longo da vida escolar. Ele afirma que os alunos chegam 
              ao ensino médio muito despreparados e o maior problema é 
              a argumentação. "Os textos são muito superficiais 
              e há muita repetição de palavras", garante 
              o professor. 
            Souza 
              lembra que até o final do ensino fundamental, o aluno lê 
              alguns livros apenas quando é obrigado pelo professor, para 
              fazer provas ou para apresentar trabalhos. Quando passa para o ensino 
              médio, o aluno interrompe essa leitura e só volta 
              a ler quando vai enfrentar os vestibulares para conseguir uma vaga 
              na faculdade de sua escolha. Isso quando não se vale apenas 
              dos resumos oferecidos nas apostilas dos cursinhos. 
            Mas 
              há formas de estimular o aluno a ler, seja em casa, seja 
              na escola. A técnica adotada pelo professor para aumentar 
              o interesse dos alunos pelos livros é a seguinte: "eu 
              leio em sala de aula, pelo menos um conto por dia. Às vezes 
              também faço uma espécie de encenação 
              para os alunos. Eu começo a contar uma estória de 
              algum livro e no ponto mais interessante, eu interrompo. Digo que 
              não me lembro do resto", conta Souza que acrescenta 
              que, segundo a bibliotecária da escola, essa técnica 
              aumentou muito a procura de livros pelos alunos do ensino médio. 
            
               
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                   Leitura 
                    diária - Silmara Zago lê histórias 
                    para incentivar a produção de textos de seus 
                    alunos. Foto: Simone Pallone 
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            A 
              pedagoga Silmara Helena Zago, que é professora em duas escolas 
              da rede particular de Campinas (SP) - a Escola do Sítio e 
              o Colégio Progresso -, na 2ª e na 4ª séries 
              do ensino fundamental, concorda com Souza de que a leitura é 
              fundamental para o processo de aprendizagem da língua escrita. 
              Nas duas escolas onde trabalha, Zago lê todos os dias para 
              as crianças. 
            Sua 
              experiência de 15 anos como educadora lhe garante a certeza 
              de que apenas pela leitura a criança aprende a escrever e, 
              em sua opinião, o hábito da leitura dispensa a sistematização 
              do ensino da gramática, que deve ser apreeendida no contexto 
              dos textos que a criança lê ou produz. "Podemos 
              destacar palavras que representam o substantivo, o verbo, o adjetivo", 
              diz Zago. Para ela, a leitura permite que a criança aprenda 
              a estruturar o texto, com coesão, coerência e com vocabulário 
              variado. 
            Em 
              seu livro Por que (não) ensinar gramática na escola, 
              o lingüista Sírio Possenti afirma que "ler e escrever 
              não são tarefas extras que possam ser sugeridas aos 
              alunos como lição de casa e atitude de vida, mas atividades 
              essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, 
              embora não exclusivo, é a própria sala de aula". 
               
            Principalmente 
              quando o ambiente familiar é menos favorecido do que o da 
              escola, e a oferta de material para leitura é reduzida, o 
              professor deve apresentar a maior variedade possível de elementos 
              que possam servir para o aprendizado da língua materna. De 
              uma maneira geral, o estímulo à leitura não 
              é feito apenas pelos livros de ficção. O professor 
              pode utilizar cartazes, rótulos de produtos, textos de embalagens, 
              avisos, revistas e jornais. É importante despertar na criança 
              a consciência da funcionalidade da escrita, que segundo a 
              pedagoga, passou a existir na sala de aula mais recentemente.  
            Mas 
              para conseguir os resultados esperados, o professor tem que participar 
              ativamente do processo, tem que provocar o aluno a buscar o conhecimento. 
              Para Possenti, "a única opção de uma escola 
              comprometida com melhoria de qualidade do ensino está entre 
              ensinar ou deixar aprender
 Qualquer outra implica em conformar-se 
              com o fracasso, ou pior, em atribuí-lo exclusivamente ao 
              aluno". 
            
              
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                |  
                   Alunos 
                    representam Alice no País da Maravilhas em evento de 
                    inauguração da biblioteca. Fonte: Simone Pallone 
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            Zago 
              se diz tranqüila com o ensino-aprendizagem da língua 
              portuguesa nas duas turmas com as quais atua este ano. A pedadoga 
              diz que em ambas as escolas, as crianças apresentam um conjunto 
              de textos bem desenvolvidos, de acordo com o esperado em suas faixas 
              etárias. Ela reconhece que trabalha com um público 
              privilegiado, composto por crianças que vivem em ambiente 
              bastante favorável, com grande estímulo, acesso a 
              computador, livros, revistas, viagens e, segundo ela, o ambiente 
              familiar é um fator de grande importância nesse processo. 
            Em 
              uma das escolas, que atende às classe média e média 
              alta, 80% dos alunos são filhos de professores universitários. 
              Ela conta que essas crianças usam uma linguagem mais formal 
              do que as da outra escola. Já na fala, seguem o padrão 
              da língua, fazendo uso de plural, conjugando corretamente 
              os verbos, e preocupando-se com sua maneira de falar e escrever 
              de acordo com o padrão. 
            A 
              questão do ambiente em que a criança vive, é 
              abordada também por Gisá de Figueiredo Biscaia, professora 
              da Escola Municipal Tristão de Athayde, na Barra da Tijuca, 
              no Rio de Janeiro. "O ambiente familiar exerce uma influência 
              muito mais forte que o ambiente escolar", afirma, o que é 
              determinado, na sua opinião, não apenas pelo tempo 
              que a criança passa em companhia da família, mas também 
              por fatores psicológicos e sociais. "A criança 
              desenvolve a linguagem de forma a facilitar a sua comunicação 
              e, por essa razão, reproduz a linguagem familiar". A 
              linguagem é também um fator de identificação 
              no grupo e se a língua padrão não cumpre essa 
              função no que diz respeito à comunicação 
              no ambiente extra-escola, o aprendizado se torna mais difícil. 
              Mas não impossível. 
            De 
              uma forma ou de outra, a divulgação dos resultados 
              das pesquisas por várias secretarias de educação 
              desencadeou em uma parcela de alfabetizadores e técnicos 
              um esforço de revisão das práticas de alfabetização. 
              A primeira prática questionada foi a dos exercícios 
              de prontidão. Também o silabário da cartilha 
              - confundido muitas vezes com a própria idéia de alfabetização 
              - tem sido substituído por uma grande variedade de textos. 
              Os resultados que começam a surgir, já animam esses 
              educadores que, como Zago e Biscaia identificam textos mais criativos, 
              mais coesos, que demonstram capacidade de síntese, que reproduzem 
              idéias apresentadas e que apresentam poucos erros ortográficos. 
               
            Equívocos 
              no aprendizado da língua 
            Para 
              Sírio Possenti, o ensino da língua portuguesa apresenta 
              dois equívocos: um de natureza político-cultural e 
              outro de natureza cognitiva. O primeiro é quando se diz que 
              é injusto que se imponha a um grupo social os valores de 
              outro grupo. O equívoco, segundo Possenti, é o de 
              não perceber que os menos favorecidos socialmente só 
              têm a ganhar com o domínio de outra forma de falar 
              e de escrever. Desde que se aceite que a mesma língua pode 
              servir mais de uma ideologia, a mais de uma função, 
              o que parece hoje evidente. 
            O 
              segundo equívoco, conforme escreve em seu livro, "é 
              imaginar que cada falante ou grupo de falantes só pode aprender 
              e falar um dialeto (ou uma língua). Todas as evidências 
              vão no sentido contrário". 
            Para 
              Gilmar R. de Souza o grande engano do ensino da língua é 
              separar literatura, gramática e redação. Na 
              escola em que trabalha, as três áreas são abordadas 
              por três professores diferentes, quando deveriam ser ensinadas, 
              da 5ª à 8ª séries como uma única 
              matéria: língua portuguesa. "O ensino de gramática 
              tem que ser em cima dos textos que os alunos lêem e produzem 
              e não de forma isolada". 
            A 
              pedagoga Zago aponta outras falhas no ensino da língua, que 
              ela acredita que estejam mais relacionados com a importância 
              que se dá ao ensino isolado da gramática. Para ela, 
              a aprendizagem da língua portuguesa é possível 
              quando a criança lê e escreve. Nesse sentido, o equívoco 
              está em exigir que a criança escreva "certo" 
              em relação à ortografia, no primeiro momento 
              da alfabetização. "Nesta fase é importante 
              que a criança consiga reproduzir as suas idéias, de 
              forma clara, encadeada e criativa", afirma Silmara. Em um segundo 
              momento sim, a criança pode, já com a capacidade de 
              elaboração garantida, ser orientada quanto às 
              normas ortográficas. Evita-se assim que a criança 
              se intimide a escrever, pois com a preocupação de 
              escrever "certo", a criança escreve menos, não 
              arrisca novas idéias, novas palavras ou mesmo novas estruturas 
              de texto. 
            O 
              terceiro equívoco apontado pela pedagoga é o de acreditar 
              que a alfabetização é a trasncrição 
              da fala. Em sua opinião, a criança utiliza esse recurso, 
              mas não é o único. "A criança aprende 
              a ler, lendo e a escrever, escrevendo", afirma. E esclarece 
              que nesse sentido o trabalho do professor é fundamental, 
              como o mediador do processo. O professor é aquele que estimula 
              a leitura e a produção de textos. É também 
              aquele que apresenta novos materiais, que ajuda a criança 
              a encontrar novas soluções para os problemas que encontra 
              no processo de aprendizagem. É o que acompanha o desenvolvimento 
              do aluno, identifica as dificuldades e ajuda o aluno a vencê-las. 
            Estrangeirismos 
              na escola 
            As 
              crianças se deparam com palavras estrangeiras a todo momento, 
              nas ruas, nos supermercados, na televisão, no computador, 
              e na escola também, é claro. Não é difícil 
              encontrar duas crianças de três a quatro anos combinando 
              quem será o Power Ranger verde e quem será 
              o azul. Também não é raro nos dias de hoje, 
              ouvir um menino de 9 anos contar ao amigo que fez um download 
              do programa de antivírus, ou uma menina de 12 anos dizer 
              à professora que foi ao Wet'n Wild no final de semana. 
               
             É 
              essa invasão de palavras estrangeiras no dia a dia de qualquer 
              cidadão brasileiro que preocupa o deputado Aldo Rebelo, além 
              de lingüistas, jornalistas, professores, pais e amantes da 
              língua portuguesa. 
            Em 
              palestra realizada no Seminário Idioma e Soberania - Nossa 
              Língua, Nossa Pátria, entre os dias 14 e 15 de 
              março de 2000, Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira 
              de Letras, conferiu à escola a responsabilidade de guardar 
              a língua materna: "é necessário que se 
              lute contra a destruição da linguagem, como está 
              ocorrendo, numa prova da aversão do brasileiro ao seu idioma, 
              quando ela é o único meio de integração 
              dos segmentos de baixa renda ao contexto cultural pelo qual somos 
              todos responsáveis. A educação precisa de competência 
              e de seriedade". 
            O 
              professor lembra que "a Constituição de 1988, 
              ao tratar do assunto, cita a qualidade do ensino. Há boas 
              escolas ao lado de escolas péssimas. O problema central está 
              em diminuir as diferenças de qualidade do sistema e não 
              nivelar pelo patamar de baixo. O problema é ainda de tratamento 
              do conjunto e não esperar que uma experiência bem sucedida 
              se multiplique naturalmente pelo resto do sistema. A cobrança 
              de qualidade do ensino deve ser feita pela sociedade que está 
              por trás do Estado e que o obriga a atuar. Assim se estará 
              exercitando, na plenitude, o que se entende hoje por educação 
              para a cidadania". 
            Para 
              os professores entrevistados, as palavras estrangeiras não 
              têm interferido diretamente no ensino-aprendizagem da língua 
              portuguesa. Para Silmara Zago e Souza, os alunos entendem que a 
              língua escrita tem que seguir um padrão, que não 
              contempla a mistura gratuita da língua portuguesa com outras 
              línguas. "É claro que aparecem palavras estrangeiras, 
              principalmente nomes de personagens de desenhos animados, lugares 
              que visitam, jogos de computador ou de vídeo, mas isso acaba 
              sendo um elemento a mais na construção do texto, pois 
              uma vez que eu não conheço essas palavras e não 
              sei o que significam (assim como a professora outros leitores podem 
              desconhecer também), a criança é obrigada a 
              explicar entre traços, ou parênteses o que significam. 
              O aluno preciso lembrar também de dar destaque à palavra 
              para que o leitor entenda que é uma palavra que não 
              pertence à nossa língua", explica Zago. 
            Segundo 
              Souza, nas primeiras redações do ano, os alunos usavam 
              muitas gírias estrangeiras e linguagem de computador, principalmente 
              as abreviações comuns aos ambiente de bate-papo virtual. 
              Aos poucos foram tomando consciência de que era preciso usar 
              a gramática de maneira mais formal. "Eles mesmos percebem 
              a diferença dos textos que produzem agora", afirma. 
              Uma vantagem apontada pelo professor é que esses alunos são 
              bem informados, têm bastante acesso a revistas e jornais. 
              "Nas aulas, fazemos muita análise de produtos da mídia, 
              comparando como um e outro utiliza a língua", explica. 
              Mas infelizmente, o grande estímulo à melhora da escrita 
              nessa fase é o desejo de sucesso no vestibular, não 
              que esse estímulo ao aprendizado deva ser desprezado. 
             
              A língua portuguesa, como qualquer outro idioma, modifica-se 
              e sofre influências, mas as gramáticas normativas continuam 
              a propor regras que muitas vezes os falantes não usam mais. 
              Por outro lado, usos correntes de certas estruturas da fala, consideradas 
              incorretas pela gramática normativa, passam a ser incorporadas 
              na norma culta da língua, devido à recorrência 
              em livros e na imprensa escrita.  
            
            
            
            
               
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