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A língua e a soberania nacional
Aldo Rebelo

Há risco para a língua?
Mário Perini

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Há risco para a língua?

A maior parte dos lingüistas torce o nariz quando o assunto é regulamentar ou normatizar a língua. Segundo eles, a língua é dinâmica e empréstimos feitos de outro idioma ou acabam sendo assimilados ou simplesmente deixam de ser utilizados com o tempo. Nesta entrevista para a revista Com Ciência, o lingüista e professor visitante da Universidade do Mississipi (EUA), Mário Perini, explica como funciona esse processo. Perini escreveu recentemente um artigo para a Ciência Hoje sobre o assunto.

Outro assunto abordado é o eventual desaparecimento de certas línguas no futuro, devido ao processo de globalização. Ele rebate principalmente as declarações do lingüista Steve Fischer, que previu que línguas mais difundidas como o espanhol e o inglês se tornariam as únicas no mundo. "As declarações do Steven Fisher são muito pouco fundamentadas no conhecimento lingüístico atual", afirma Perini.

Com Ciência - No artigo que o senhor escreveu para a revista Ciência Hoje, o senhor afirma que a maioria dos empréstimos estrangeiros desaparece, e os que ficam são assimilados. Como se dá esse processo que leva à inclusão de alguns termos no léxico e ao desuso de outros? E no caso da inclusão, que tipo de transformação ocorre antes de um termo estrangeiro ser incorporado no léxico da nossa língua?
Mário Perini - O processo de assimilação de certos itens e eliminação de outros é complexo. Primeiro, certos empréstimos desaparecem porque a coisa que designam cai de moda ou se torna obsoleta. Exemplos são ban-lon; boogie-woogie; mi-mollet; lansquenete e muitos outros que você provavelmente nem conhece. Outros empréstimos são substituídos por formações vernáculas: goal-keeper hoje é goleiro; corner é escanteio; off-side é impedimento etc. Ainda outros ficam, mas são graficamente assimilados, de maneira que nem se sabe que são estrangeiros: gol (goal); nocaute (knock-out); batom (bâton); marrom (marron) e muitos outros. Esses três processos dão conta da grande maioria dos termos estrangeiros. Fica uma quarta categoria, que não se assimila graficamente (embora assuma sempre pronúncia portuguesa): impeachment; site; off (desconto), nylon, etc. São esses últimos os verdadeiramente irritantes. A maioria é muito recente, e não se sabe se vão acabar sendo assimilados ou eliminados de uma maneira ou de outra. Alguns deles persistem porque não têm equivalente em português: não se falava de site, e-mail, marketing até que as coisas propriamente ditas entraram na nossa conversa. Alguns, bem ou mal, já se assimilaram: salvar (alguma coisa no computador); deletar; e o próprio computador (em italiano ainda se diz computer).

Com Ciência - O senhor também critica as previsões de Steven Fisher de que as línguas mais difundidas, como o inglês e o espanhol, se tornariam as únicas do mundo em algum tempo. O seu argumento é que estamos longe de uma situação de submissão política e cultural que leve ao predomínio de outra língua sobre o português no Brasil. O senhor não acha que há uma crescente dominação da cultura e da economia norte-americana em todo o mundo, através da música, do cinema e da indústria do entretenimento, no âmbito cultural, e das multinacionais, no âmbito econômico?
Perini - As declarações do Steven Fisher são muito pouco fundamentadas no conhecimento lingüístico atual. Línguas não "se misturam", como ele disse. E, quanto ao português se misturar com o espanhol, não há o menor sintoma disso. A influência que sofremos hoje é do inglês, antes de tudo; um pouquinho do italiano e do francês. Do espanhol praticamente nada. Em segundo lugar, o desaparecimento de uma língua em favor de outra é um processo de muitos séculos; falar da substituição do português por outra língua qualquer no Brasil é se apressar muito. Vou dar um exemplo: na Irlanda a influência inglesa é predominante desde a Idade Média. Por volta de 1600, metade da Irlanda pertencia a donos ingleses, e toda a ilha era uma colônia britânica. Além disso, o irlandês é uma língua dividida em dialetos, e sem prestígio, quase sem literatura nos tempos modernos, e chegou a ser falada por cerca de 3 milhões de pessoas no máximo. O inglês está ali do lado, a 50 km, e é a língua mais difundida do mundo. Apesar disso, o irlandês resistiu até hoje. É verdade que está morrendo, mas agüentou uns bons 600 anos, nessas condições extremamente desfavoráveis. Agora, dizer que o português está indo no mesmo caminho é meio prematuro. O português sempre foi a língua de povos culturalmente dominados, e nem por isso desapareceu. A influência norte-americana é predominante há cerca de 60 anos. Mas não há sinal nenhum de que a população brasileira, ou parte dela, esteja abandonando o português como língua nativa. O domínio cultural dos EUA, pra não falar do econômico e político, é um fato, mas até agora sem conseqüências drásticas no campo lingüístico.

Com Ciência - O senhor afirma que tanto a linguagem falada quanto a linguagem escrita evoluem com o tempo e se influenciam mutuamente. O senhor não acha que a modalidade escrita da língua pode ser padronizada por mecanismos legais, como se fez na França? E no caso do português brasileiro, o que o senhor acha do projeto de lei do deputado Aldo Rebelo, que restringe o uso de estrangeirismos?
Perini - Sobre a padronização da língua escrita através de leis, eu acredito muito mais em uma campanha junto à imprensa. Numa coisa eu concordo com o Aldo Rebelo: essa invasão de termos ingleses é irritante. É como se me jogassem na cara a todo momento que minha cultura é inferior. Minha cultura, note, não a minha língua. O Brasil é um país subalterno de todo ponto de vista. Agora até no futebol! Nosso governo é um simples gerente a serviço do FMI, nossa tecnologia é importada, nossa elite manda os filhos para estudar no estrangeiro, os programas culturais da nossa TV são predominantemente importados, a maioria dos livros que se lêem são traduções, etc, etc, etc. A língua só vai atrás, pois tem que exprimir tudo isso. Resolver o problema dos empréstimos, por lei ou não, é como dar um analgésico para um paciente que, vai ver, sofre de um tumor no cérebro. Resolve na hora, mas não ataca a raiz do problema, que, tenho que repetir, é econômico, político, cultural, e não lingüístico. Não quero dizer que não se deva fazer nada, mas uma lei não tem o poder de fazer isso. Vai ser apenas mais uma fonte de multas. Quem sabe uma campanha intensiva e honesta, tentando motivar a população a dar mais valor a sua língua e a sua cultura, sua música, sua arte? Quem sabe até a sua economia? As leis, no Brasil mais do que em muitos outros países, freqüentemente funcionam para atrapalhar. Os governantes não sabem disso, e têm a ilusão de que com uma nova lei vão resolver alguma coisa. Mas nós, o povo, sabemos que não é assim. Senão, o Brasil seria quase o paraíso, porque nossas leis até que são boas.

Com Ciência - Mas mesmo que o projeto não seja aprovado, o senhor não acha que ele já contribuiu por colocar a língua e seu destino em discussão?
Perini - O projeto do Aldo Rebelo, como eu já disse, não vai ter utilidade nenhuma como lei. Mas concordo que serve para chamar a atenção para o problema. E concordo que é um problema, ou para ser mais exato, é parte de um grande problema.

Atualizado em 10/08/01

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