Entrevistas

A língua e a soberania nacional
Aldo Rebelo

Há risco para a língua?
Mário Perini

Entrevistas anteriores

A língua e a soberania nacional

O deputado Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo, faz de seu projeto em defesa da língua portuguesa também um instrumento de luta contra a globalização. Segundo ele, a língua é também um fator de identificação nacional. O uso de estrangeirismos prejudicaria o entendimento do mundo para as pessoas que não conhecem o inglês, aumentando o processo de exclusão.

Nessa entrevista para a revista Com Ciência, Rebelo fala de como surgiu o projeto, do atual trâmite no senado e da futura regulamentação.

Com Ciência - A legislação francesa que trata da proteção da latinidade da língua serviu de inspiração para o seu projeto de lei que restringe o uso de estrangeirismos?
Aldo Rebelo - De certa forma sim. A lei francesa, nº 75-1349, de 1975, foi substituída em 1994 pela Lei Toubon, nº 94-665. Ela define a língua francesa como "elemento fundamental da personalidade e do patrimônio da França". É obrigatório o seu uso em todo o círculo de propaganda e venda de bens e serviços - da embalagem à garantia - nas placas, anúncios ou inscrições afixados em lugares públicos. Penso que ao oferecer a tradução dos termos os franceses souberam combinar o universalismo com a tradição nacional e esse aspecto positivo foi considerado quando da formulação do nosso projeto. Na minha opinião, a aprovação do projeto vai possibilitar a valorização da Língua Portuguesa e a comunicação será facilitada, tanto para os letrados, quanto para os que não dominam outra língua, hoje muitas vezes excluídos dos processos de fala.

Com Ciência - Para elaborar o seu projeto de lei, o senhor procurou a assessoria de algum lingüista? Houve algum debate sobre o projeto com membros da Academia Brasileira de Letras?
Rebelo - Consultei lingüistas, doutores, conversei com a Academia Brasileira de Letras e as contribuições foram muito importantes. Mas foi em viagens pelo Brasil, em conversas com o povo, nas ruas de capitais e de cidades do interior que observei as maiores dificuldades na comunicação, o que justifica a necessária tradução dos termos.

Com Ciência - Deputado, desculpe o uso do estrangeirismo que farei agora. Como funciona o lobby entre os seus pares no congresso para a aprovação de um projeto dessa natureza, relacionado ao uso da língua?
Rebelo - O debate da proposta na Câmara foi iniciado com o seminário "Nossa Pátria, Nossa Língua" e fez parte das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Foi uma atividade organizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Brasileira de Leitura (ABL), a Universidade de Brasília e a PUC-RS. Durante dois dias, cerca de 900 pessoas de todas as idades e classes sociais puderam debater com lingüistas, jornalistas, gramáticos, professores, escritores e embaixadores, num rico e produtivo encontro. Após o seminário e durante a tramitação, os deputados foram muito receptivos e eu acredito que o mesmo vai acontecer no senado. Estou propondo um novo seminário, e espero que com o amadurecimento da discussão possamos ter bons resultados.

Com Ciência - Se a lei for aprovada pelo senado e regulamentada no prazo de um ano, como o senhor espera que seja a sua execução e a fiscalização de que ela estará sendo cumprida?
Rebelo - A regulamentação vai determinar a forma de fiscalizar. Todos os usuários poderão reclamar o direito de se comunicar em Língua Portuguesa, mesmo porque o artigo 13º da Constituição nos dá essa garantia. O projeto apenas regulamenta. Após a apresentação do projeto foi criado na internet o Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa, com uma página para debates e várias iniciativas de discussão do tema. O endereço é: http://www.novomilenio.inf.br/idioma. Esse movimento se constitui em um possível núcleo de fiscalização da lei, mas o sucesso da proposta só virá com o tempo, a partir da conscientização dos usuários.

Com Ciência - No seu projeto de lei, o parágrafo primeiro do artigo 3º, que fala da obrigatoriedade do uso da língua portuguesa, diz que essa obrigatoriedade não se aplica a situações que decorram da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. O senhor não acha que muitas situações de uso dos estrangeirismos podem se amparar nesse dispositivo?
Rebelo - Poderão, de fato, mas essas situações serão possíveis mais por parte do usuário comum do que do detentor do poder da comunicação e é importante diferenciarmos os usos. A comunicação feita pelo Poder Público e pela da imprensa, por exemplo, ao abusar dos estrangeirismos termina impondo os termos, que são repetidos e incorporados às vezes de forma artificial. Se um órgão público oferece um serviço de "Ombudsman", o usuário fica sujeito ao uso daquela palavra e muitas vezes desconhece a expressão equivalente em português, que é o "Ouvidor". Isso provoca um verdadeiro sepultamento de palavras, que são aos poucos esquecidas em benefício de uma substituição pasteurizada e supérflua, e isso pode ser evitado. A Língua Portuguesa tem cerca de 350 mil palavras e mais de 15 mil verbos. Tamanha abundância precisa ser melhor conhecida e preservada em benefício da auto-estima do nosso povo e contra a idéia de que o que vem de fora é melhor e mais moderno.

Atualizado em 10/08/01

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil