O
Aquecimento Global e a Agricultura
Hilton
S. Pinto, Eduardo D. Assad,
Jurandir Zullo Jr e Orivaldo Brunini
O relatório
do "Intergovernmental Panel on Climate Change" (IPCC,
2001a e 2001b), divulgado pela OMM/WMO-Pnue/Unep indica uma situação
inquietante quanto ao aumento da temperatura no planeta. Considerando
os efeitos naturais e antropogênicos no ajuste dos dados observados
e simulados, a previsão é a de que a temperatura global
deverá aumentar, nos próximos 100 anos, entre 1,4
e 5,8° C, tendo a média de 1990 como referência.
Esse cenário, na realidade, complementa os estudos feitos
anteriormente pelo próprio IPCC (1997), quando estimou um
incremento na temperatura de 0,05° C por década, a partir
das medições mais confiáveis que começaram
a ser feitas nessa época. Verificou também que a precipitação
havia aumentado de 0,5 a 1,0% por década, até o final
do século XX, principalmente no hemisfério Norte.
Na região tropical, compreendida entre 10o de latitude Norte
até 10° de latitude Sul, esse incremento na precipitação
foi de 0,2 a 0,3%. Várias foram as críticas quanto
ao relatório final de 2001. As maiores discordâncias
são apresentadas por Reilly et al (2001) que mostram sérias
incongruências no Third Assessment Report - TAR. Esse relatório,
afirma que centenas de cientistas contribuíram na sua elaboração
mas, na realidade, muitos deles, listados como contribuintes, não
foram consultados. A mais séria crítica desses autores
refere-se aos resultados fundamentais obtidos pelo TAR, que projeta
uma mudança da temperatura global entre 1,4º C e 5,8º
C para o final do século XXI, sem qualquer validação
estatística. Posteriormente, Webster et al (2001), com base
em avaliações probabilísticas da sensibilidade
do modelo, chegaram à conclusão de que, ao nível
de 95% de intervalo de confiança, esses valores seriam 0,9º
C e 5,3º C. Análises similares efetuadas por Wingley
e Raper (2001) mostraram que, não havendo uma política
de limitação dos efeitos antrópicos para minimizar
o aquecimento global, o aumento da temperatura global entre 1990
e 2100, com cerca de 90% de probabilidade, seria entre 1,7º
C e 4,9º C.
Clima
e Comportamento Vegetal
O Relatório
WGII - Summary for Policymakers - Impacts, Adaptation and Vulnerability
- do IPCC (2001) é extremamente vago ao avaliar os possíveis
impactos das alterações climáticas globais
no comportamento dos cultivos agrícolas. Com referência
à adaptação das plantas nas "médias
latitudes" e o reflexo na produtividade, o relatório
afirma apenas que a mudança climática levará
a "respostas gerais positivas para variações
menores do que alguns graus Celsius e respostas gerais negativas
para mais do que alguns graus Celsius". Análises inconsistentes
como essas, por parte do IPCC, induziram as críticas severas
por parte de Reilly et al (2001) e Webster et al (2001), a exemplo
do que já acontecera anteriormente com o relatório
IPCC de 1995, avaliado por Gray (1997).
Considerando
o cenário de aumento das temperaturas, pode-se admitir que,
nas regiões climaticamente limítrofes àquelas
de delimitação de cultivo adequado de plantas agrícolas,
a anomalia positiva que venha a ocorrer será desfavorável
ao desenvolvimento vegetal. Quanto maior a anomalia, menos apta
se tornará a região, até o limite máximo
de tolerância biológica ao calor. Por outro lado, outras
culturas mais resistentes a altas temperaturas, provavelmente serão
beneficiadas, até o seu limite próprio de tolerância
ao estresse térmico. No caso de baixas temperaturas, regiões
que atualmente sejam limitantes ao desenvolvimento de culturas susceptíveis
a geadas, com o aumento do nível térmico devido ao
aquecimento global passarão a exibir condições
favoráveis ao desenvolvimento da planta. Um caso típico
seria o da cultura cafeeira que poderá ser deslocada futuramente
do Sudeste para o Sul do país.
No
Brasil, poucos estudos foram feitos sobre o reflexo das mudanças
climáticas e seus impactos na agricultura. Assad e Luchiari
Jr. (1989) avaliaram as possíveis alterações
de produtividade para as culturas de soja e milho em função
de cenários de aumento e de redução de temperatura.
Siqueira et al (1994 e 2000) apresentaram, para alguns pontos do
Brasil, os efeitos das mudanças globais na produção
de trigo, milho e soja. Uma primeira tentativa de identificar o
impacto das mudanças do clima na produção regional
foi feita por Pinto et al (1989 e 2001), onde simularam-se os efeitos
das elevações das temperaturas e das chuvas no zoneamento
do café para os Estados de São Paulo e Goiás.
Observou-se uma drástica redução nas áreas
com aptidão agroclimática, condenando a produção
de café nestas regiões.
Outro
aspecto a ser analisado refere-se ao efeito direto nas plantas,
do aumento da concentração de dióxido de carbono
na atmosfera, que tem sido intensamente estudado pelos especialistas
em fisiologia vegetal. É bem conhecido o funcionamento, no
que diz respeito à atividade fotossintética, da concentração
do dióxido de carbono no crescimento das plantas. A concentração
do CO2 na atmosfera, sendo próxima de 300 ppm está
bem abaixo da saturação para a maioria da plantas.
Níveis excessivos, próximos de 1.000 ppm, passam a
causar fitotoxidade. Nesse intervalo, de modo geral, o aumento do
CO2 promove maior produtividade biológica nas plantas. Assad
e Luchiari (1989), utilizando modelos fisiológicos simplificados,
mostraram que essas variações são significativas
nos cerrados brasileiros. Por exemplo, a temperatura média
durante a estação chuvosa nessas regiões -
de outubro a abril - é de 22º C, tendo um máximo
de 26,7º C e um mínimo de 17,6º C. Supondo que
um aumento da concentração de CO2 provocasse um aumento
de 5º C na temperatura, as plantas do tipo C4, como o milho
e o sorgo, aumentariam a produtividade potencial em pelo menos 10
Kg/ha/dia de grãos secos. Para as plantas tipo C3 - soja,
feijão, trigo - esse aumento seria menor, da ordem de 2 a
3 Kg/ha/dia de grãos secos.
Alteração
Climática no Sul e Sudeste do Brasil
Uma
avaliação da variabilidade climática ao longo
do tempo no Brasil, mostra que, dependendo da região analisada,
podem ocorrer alterações contínuas ou ciclos
bem demarcados dos elementos meteorológicos, como as chuvas
ou as temperaturas no estado de São Paulo (Pinto et al, 1989).
A figura 1 abaixo, mostra o comportamento das chuvas médias
anuais na região de Campinas, SP, desde 1890, com dados amaciados
através do cálculo de média móvel de
ordem 10.
Pode-se
observar que não existe uma alteração, com
tendência secular, de aumento ou decréscimo nos totais
pluviométricos, mas sim uma oscilação cíclica
passando por um mínimo de 1000 milímetros e um máximo
de 1700 milímetros em fases de cerca de 35 anos. Medidas
diárias efetuadas entre 1940 e 1997 pelo DAEE, em 391 estações
pluviométricas distribuídas pelo estado de São
Paulo, após analisadas quanto à consistência,
homogeneizadas e consolidadas em médias anuais, também
na forma de média móvel - ordem 10 - estão
representadas na mesma figura 1. Pode-se observar que existe uma
clara tendência de ajuste das duas curvas, permitindo inferir
que, possivelmente, o comportamento hidrológico da região
de Campinas é bastante semelhante ao do estado. Observa-se
ainda na mesma figura, que a diminuição da cobertura
florestal natural, de cerca de 82% para 5%, desde o início
até o final do século, não provocou alteração
no regime pluviométrico.
A figura 2, elaborada com dados termométricos observados
entre 1890 e 2000 no Centro Experimental do Instituto Agronômico
de Campinas, mostra um acréscimo significativo de cerca de
0,02º C/ano na temperatura média mínima anual,
ou seja, um aumento de 2º C nos últimos 100 anos.
Deve-se
salientar que essa variação não foi causada,
necessariamente, pelo aumento do teor de dióxido de carbono
na atmosfera, uma vez que a taxa de crescimento está distribuída
uniformemente por todo o período. Fatores astronômicos
podem ter sido a causa principal (Gusev et al, 1995 e Pugacheva
et al, 1995).
As figuras 3 e 4 mostram as variações das temperaturas
médias mínimas em Pelotas-RS e Sete Lagoas-MG, com
gradientes de aproximadamente 0,008º C/ano e 0,02º C/ano
respectivamente.
Pode-se
observar que a variação das temperaturas em Pelotas
é muito menor do que a observada em Sete Lagoas e Campinas,
explicada provavelmente pela maior freqüência de entrada
de frentes frias no Sul do país, que passam pelo Rio Grande
do Sul mas não chegam a atingir as áreas acima do
Trópico de Capricórnio.
Procurando avaliar o efeito da variação das temperaturas
sobre a agricultura nos próximos 100 anos, de acordo com
as conclusões do IPCC 2001, tomou-se como exemplo a cultura
do café no estado de São Paulo. A figura 5 abaixo
mostra a variação nas áreas de cultivo consideradas
como potencialmente aptas ao café arábica nas condições
climáticas atuais, com temperaturas médias 1º
C, 3º C e 5,8º C acima da média de 1990 e chuvas
15% maiores.
Figura
5. Mapas do potencial de cultivo do café arábica nas
condições climáticas atuais e simuladas para
alterações de chuvas com aumento de 15% e de temperaturas
com 1º C, 3º C e 5,8º C acima da média de
1990.
Pode-se
observar nos mapas que as áreas de inaptidão para
a cultura cafeeira em função das temperaturas máximas
suportadas pelas plantas - 23º C de média anual - aumentam
significativamente até o final do século, deslocando
a cultura progressivamente para o Sul e para áreas mais elevadas,
em busca de clima mais ameno. A incidência de geadas, por
outro lado, diminui drasticamente.
A tabela
1 abaixo, confeccionada a partir da Figura 5, mostra que o potencial
atual de cultivo econômico de café arábica no
estado de São Paulo corresponde a uma área de 97.848Km2
ou seja, 39,4% da área do estado. São consideradas
como restritas, por geadas, áreas correspondentes a 57.428
Km2 e por temperaturas elevadas, 39.604 Km2. Supondo 1º C de
aumento médio da temperatura e 15% nas chuvas, a área
apta para o café passa a ser de 74.426 Km2, ou cerca de 10%
menor do que a atual. A área restrita por geadas passa a
ser de 17.394 Km2 e por temperaturas elevadas aumenta para 54.387
Km2. No caso de aumento de 3º C, as áreas com restrição
diminuem para 38.240 Km2 mas a faixa inapta cresce para 173.211
Km2. No caso extremo considerado pelo IPCC, de 5,8º C de aumento
da temperatura e 15% de chuvas, a área apta fica sendo de
apenas 2.738 Km2, ou 1,1% do estado. As áreas restritas temperaturas
elevadas são caracterizadas por temperaturas médias
anuais acima de 23º C.
CONDIÇÃO |
APTO |
APTO
C/ IRRIGAÇÃO |
RESTR.GEADAS |
RESTR.TEMP.
ELEVADA |
INAPTA |
ATUAL |
97.84839,4 |
7060,3 |
57.42823,1 |
39.60415,9 |
53.01321,3 |
+1C |
74.42630,0 |
4,00,01 |
17.3947,0 |
54.38721,9 |
102.38941,1 |
+3C |
37.15314,9 |
00,0 |
00,0 |
38,24015,4 |
173.21169,7 |
+5,8C |
2.7381,1 |
450,02 |
00,0 |
5.5162,2 |
240.30196,7 |
Tabela
1. Áreas, em Km2 e porcentagem, disponíveis ao
plantio de café no estado de São Paulo com condições
climáticas distintas, atuais e simuladas para 15% de
aumento das chuvas e de 1º C, 3º C e 5,8º C na
temperatura. |
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