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anos de negociações: das boas intenções
à fria realidade
O
Protocolo de Quioto é o resultado de um longo processo de
negociações internacionais visando estabelecer ações
conjuntas, assumidas por grande parte dos países do mundo
para controlar as mudanças climáticas antropogênicas
(provocadas pelo ser humano).
O
primeiro movimento da comunidade internacional como um todo nesse
sentido foi a resolução 2938 da ONU (proposta pela
diplomata Inga Thorsson, representando o governo sueco), adotada
na reunião da Assembléia Geral em 1968, que sugeriu
a convocação de uma reunião mundial para examinar
problemas do "ambiente humano" que exigem cooperação
internacional para serem solucionados. A sugestão da Suécia
ocorreu um ano depois do grande impacto causado pelo desastre de
Torrey Canyon, em 18 de março de 1967, que derramou 117 mil
toneladas de petróleo no oceano entre a França e a
Inglaterra. Torrey Canyon foi o primeiro dos grandes superpetroleiros
e o desastre foi o maior derramamento de petróleo até
então.
A
conferência prevista na resolução da ONU foi
convocada em 1972, em Estocolmo, Suécia (Primeira Conferência
sobre Ambiente Humano das Nações Unidas). Ela produziu,
entre outros documentos, uma Declaração sobre o Ambiente
Humano com 26 princípios sobre ambiente e desenvolvimento.
Pela primeira vez, um documento produzido pela comunidade internacional
afirmava que a manutenção do meio-ambiente é
responsabilidade de todos os países. Por exemplo, o 21º
artigo reconhece a soberania das nações sobre seus
recursos naturais, mas estabelece que tais nações
têm "responsabilidade para assegurar que as atividades
dentro de sua jurisdição ou controle não causem
danos ao ambiente de outros Estados ou em áreas além
dos limites da jurisdição nacional".
Outro
desdobramento importante da conferência de Estocolmo foi a
instituição do Programa das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente (Pnuma), no mesmo ano, sediado em Nairóbi,
no Quênia. O seu objetivo é encorajar o desenvolvimento
sustentável através de atividades ambientais em todo
o mundo, incluindo pesquisas científicas.
O
efeito-estufa antropogênico
Durante
a década de 1980, houve uma intensificação
das pesquisas científicas sobre mudanças climáticas,
em parte fomentadas pelo Pnuma. Tornou-se cada vez maior a evidência
de que um dos principais problemas ambientais a serem enfrentados
é a emissão demasiada de gases-estufa.
O volume
de pesquisas levou à formação do Painel Intergovernamental
para Mudanças Climáticas (IPCC),
em 1988, organizado pelo Pnuma e pela Organização
Meteorológica Mundial (OMM). O IPCC é hoje o principal
responsável pelas previsões, amplamente divulgadas
para o conhecimento geral, sobre aquecimento global nas próximas
décadas.
Após
reconhecer a existência do problema, e que ele só poderia
ser resolvido através de ações multinacionais
coordenadas, o próximo passo seria estabelecer compromissos
internacionais para essas ações através de
um tratado mundial. A Segunda Conferência Mundial sobre o
Clima, em 1990 (a primeira havia sido em 1978, em Genebra, na Suíça),
estabeleceu a necessidade de um tal tratado, chamado inicialmente
"Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas".
As negociações começaram já em dezembro
do mesmo ano, sendo estabelecido um comitê para produzi-lo
- o Comitê Intergovernamental de Negociação
para uma Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas
(Intergovernmental Negotiating Committee for a Framework Convention
on Climate Change - INC/FCCC).
A
Rio-92 e o Protocolo de Quioto
A
Convenção-Quadro foi finalmente formulada em 1992,
na Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (United Nations Conference on Environment
and Development - UNCED 1992), conhecida como Rio-92, no Rio
de Janeiro. A Rio-92 foi muito mais do que uma conferência
para produzir esse tratado: entre outros documentos, foram aprovados
nesse evento a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (um conjunto de 27 princípios gerais sobre
interação entre desenvolvimento e meio-ambiente);
a Convenção das Nações Unidas sobre
Diversidade Biológica (ou "Convenção da
Biodiversidade"), a Declaração de Princípios
sobre o Uso das Florestas e a Agenda 21, um conjunto de propostas
genéricas envolvendo as dimensões social, econômica
e ambiental do desenvolvimento sustentável.
A Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(United Nations Framework Convention on Climate Change -
UNFCCC), voltada especificamente aos problemas climáticos,
foi assinada por 154 países, incluindo o Brasil. Por esse
tratado, os países signatários, ditos as "partes"
da Convenção, se comprometem a tentar estabilizar,
através de ações conjuntas (que seriam definidas
com mais detalhe mais tarde), "as concentrações
de gases-estufa na atmosfera num nível que impeça
uma interferência antrópica perigosa no sistema climático".
O Brasil o ratificou em 28 de fevereiro de 1994. A Convenção
entrou em vigor no dia 21 de março do mesmo ano, quando o
número de signatários chegou a 50.
Era
necessário, porém, detalhar que medidas seriam essas
a serem tomadas pelos países. As negociações
necessárias foram realizadas em uma série de conferências
entre as partes da Convenção-Quadro, chamadas Conferências
das Partes (COP). Essas conferências substituiu o INC como
o fórum principal das negociações.
A primeira,
o COP-1, reuniu-se em Berlim entre 28 de março e 7 de abril
de 1995. Uma meta concreta para servir de base ao estabelecimento
das ações internacionais foi estabelecida na terceira
conferência, a COP-3, através do Protocolo de Quioto.
Trata-se de um documento no qual os países signatários
comprometem-se a reduzir as emissões globais de gases estufa
até 2012 em pelo menos 5% dos índices medidos em 1990.
Para
tanto, os países que emitem acima de um determinado nível
deveriam reduzir suas emissões, enquanto outros, que emitem
abaixo, não teriam esse compromisso. O Brasil está
no segundo grupo. O primeiro grupo é constituído pelos
países que eram responsáveis conjuntamente por 55%
das emissões globais em 1990, e é chamado "Partes
do Anexo 1", por estarem relacionados nesse anexo do Protocolo.
Para entrar em vigor, o Protocolo deve ser assinado por pelo menos
55% das Partes do Anexo 1. Todos esses números são
baseados nas previsões obtidas por simulações
computacionais pelo IPCC.
Como
vários países, como o Brasil, emitem carbono abaixo
do "nível máximo" estabelecido pelo Protocolo
(que separa o Anexo 1 dos outros países) o documento prevê
a possibilidade de essa diferença ser coberta por um aumento
na emissão de carbono pelas partes do Anexo 1. Haveria então
uma troca de cotas de emissão
de carbono entre os dois grupos, sem alterar a emissão global.
Outra possibilidade desse tipo, também prevista no Protocolo,
é o chamado "mecanismo de desenvolvimento limpo":
os países emissores poderiam patrocinar projetos no outro
grupo para diminuir ainda mais suas emissões, e com isso
eles poderiam aumentar suas emissões sem alterar a emissão
global. Tudo isso é o que se chama "mercado de carbono",
cujo objetivo é aliviar o impacto na economia das partes
do Anexo 1 e tornar viáveis os objetivos estabelecidos pelo
tratado.
O
Protocolo em cheque
O
Protocolo de Quioto passou, desde então, a ser a base da
negociação entre os membros da Convenção-Quadro.
Com ele, as negociações deixavam uma fase de propostas
genéricas e passavam para a fase de implantação
de ações concretas. Porém, reduzir as emissões
de gases-estufa implica, necessariamente, em investimentos em assuntos
ambientais e no aperfeiçoamento técnico de motores
e processos industriais, e eventualmente, em restrições
ao próprio desenvolvimento de alguns países. Como
conseqüência, dali para a frente as negociações
passaram a afetar diretamente a soberania dos países e elas
tornaram-se muito mais difíceis.
Foi
possível ter-se uma percepção do tamanho das
dificuldades no COP-6, a sexta Conferência das Partes, em
novembro de 2000, em Haia, Holanda. O clima esquentou tanto que
houve até trocas de acusações entre o vice-primeiro-ministro
do Reino Unido e a ministra do meio-ambiente da França. A
reunião sequer conseguiu levar a um consenso, apesar de prorrogada
por uma madrugada inteira, sendo necessária uma segunda rodada
em julho de 2001.
O principal
motivo de dissensão foi a proposta de um grupo de países
conhecido como Grupo do Guarda-Chuva, formado principalmente por
Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália,
de incluir projetos florestais (como reflorestamentos) no cálculo
das emissões de gás carbônico. Isso aliviaria
os EUA, atualmente o maior emissor de carbono do mundo, de parte
de sua responsabilidade de diminuir suas emissões. A proposta
foi rejeitada pela União Européia, levando a um impasse.
Temeu-se pelo fracasso das negociações, mas a viabilidade
do Protocolo de Quioto foi salva pela segunda rodada, em julho seguinte,
em Berlim.
Nesse
meio-tempo, entretanto, os EUA recusaram-se a assinar o Protocolo,
alegando que prejudica o desenvolvimento do país. Isso foi
um golpe grave na viabilidade do Protocolo, porque os EUA são
responsáveis por cerca de 25% das emissões globais
de gases-estufa.
O governo
de George W. Bush nos EUA, iniciado em 2001, radicalizou ainda mais
a posição do país, contestando as bases científicas
do Protocolo de Quioto e chegando a convocar um grupo de cientistas
norte-americanos para rever os resultados das pesquisas do IPCC.
Como as Partes do Anexo 1 demoravam em ratificar o Protocolo, temeu-se
novamente pelo fracasso das negociações. Entretanto,
recentemente, países do Grupo do Guarda-Chuva como o Japão
decidiram ratificá-lo. O Brasil ratificou-o em 19 de junho
de 2002.
(RB)
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