Brasil age para reduzir o efeito estufa
Suavizar os efeitos que desenham um futuro do planeta marcado por
mudanças climáticas devido às atividades humanas,
é o objetivo do que tem se chamado de medidas mitigadoras
do clima. A busca é a de restabelecer as concentrações
dos gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera, mensurados em 1990.
Para alcançar essa meta, são focalizados dois aspectos:
a redução das emissões e o aumento de captura
dos GEE. A obtenção de recursos para a implementação
das medidas mitigadoras, está, em grande medida, vinculada
à aprovação do Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL). Esse mecanismo cria a possibilidade de países
desenvolvidos patrocinarem projetos de redução e captura
dos GEE em países em desenvolvimento, cumprindo assim parte
de seus compromissos.
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Absorção
de carbono se dá em reservas naturais como a Amazônia.
Foto de Alessandro Piolli - Acre
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A previsão de que milhões de dólares estarão
disponíveis para a pesquisa e implementação
de projetos de mitigação tem agitado a comunidade
científica, ONGs e empresas em todo o mundo, seja na elaboração
de projetos que atendam aos critérios do MDL, seja na discussão
em diferentes fóruns sobre a aplicação desses
recursos e suas conseqüências. Em termos de um impacto
no sistema global atmosférico parece não existir diferença
entre investir em redução e remoção
de GEE, mas quando se consideram aspectos políticos, econômicos
e sociais, ainda há muitas incertezas quanto à equivalência
entre redução e remoção, como medidas
mitigadoras, e os benefícios que podem apresentar para países
como o Brasil.
A redução de emissões no Brasil
Um primeiro grupo de medidas mitigadoras visa à redução
das emissões de GEE, propondo mudanças nas fontes
de obtenção de energia, priorizando investimentos
em pesquisa e implementação de fontes que não
liberam carbono, como a energia proveniente do sol, eólica
e hidrogênio, e de fontes como a cana-de-açúcar,
a mandioca e o babaçu, que apesar de também liberarem
carbono, este é reabsorvido à medida que novas plantas
se desenvolvem.
A maior parte dessas medidas já é conhecida, como
o Programa Proálcool. O álcool ainda é, na
opinião de Gilberto Januzzi, professor e pesquisador da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), um grande potencial brasileiro que,
no futuro, pode até ser exportado para outros países
que procurem tecnologias "limpas" devido às mudanças
climáticas. O aproveitamento dos subprodutos gerados na produção
do álcool, como o bagaço de cana, na co-geração
de energia, também deverão ter destaque nas políticas
energéticas. O Proálcool, como outros programas desenvolvidos
pelo governo brasileiro no campo das medidas que reduzem emissões,
tem grandes possibilidades de obter certificação.
Aliás, a busca de certificação já começou
antes mesmo da aprovação do MDL em Joanesburgo, por
meio dos chamados mecanismos pré-Quioto. A COPPE, por exemplo,
já encaminhou alguns projetos ao comitê gestor do MDL,
entre eles o uso do biodiesel como combustível, a partir
da reciclagem de óleo vegetal, e a coleta de gás metano
e seu uso como combustível, cuja experiência piloto
será no Aterro de Gramacho e na Usina do Caju, com a produção
de biogás a partir do lixo.
Os cientistas são unânimes ao falarem que o Brasil
já dispõe há muito tempo de potencial, conhecimento
e tecnologia para fazer uso das energias renováveis. A razão
dessas medidas não terem sido implementadas até o
momento com maior êxito, segundo Gilberto Januzzi, é
porque "trata-se de uma conjuntura de desenvolvimento econômico
que escolheu os combustíveis fósseis como seu eixo
principal". Bilhões e bilhões de dólares
giram em torno dos energéticos originados de combustíveis
fósseis, e as indústrias apresentam muitos subsídios.
"A questão dos Estados Unidos não estarem ratificando
o Protocolo de Quioto, ocorre porque isso não interessa economicamente"
(veja texto sobre a posição
norte-americana). Em meio a uma teia de relações
a idéia de que a causa das mudanças climáticas
são os GEE torna-se difusa, assim como a possibilidade de
minimizar o possíveis problemas anunciados apenas com o investimento
em redução de emissões.
O professor e pesquisador Fernando Martins, do Departamento de
Botânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz
que a gasolina não é o produto mais nobre que se obtém
da destilação do petróleo. À nossa volta
são inúmeros os produtos - alimentos, embalagens descartáveis
e eletrodomésticos - que contém derivados de petróleo
em sua composição. Ter alternativas que também
reduzam a necessidade desses destilados do petróleo é
fundamental, na opinião de Fernando Martins, que sugere pesquisas
e investimento na "xiloquímica, uma área da química
que pesquisa como os destilados da madeira, em certa medida, podem
substituir os destilados do petróleo".
Além disso, alguns problemas identificados nos últimos
anos com o Proálcool, como a falta do combustível
devido à alta cotação do açúcar
no mercado internacional, decorrentes da centralização
e dependência da produção de energia em função
de uma única alternativa, precisam ser abrandados para que
a cena não se repita. O uso associado da energia proveniente
dos ventos, das pequenas centrais hidrelétricas e do bagaço
de cana seria uma opção vantajosa para o Brasil na
opinião de Maurício Tolmasquim, professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "É interessante saber
que os ventos sopram mais intensamente no período de seca,
assim como a safra de cana-de-açúcar se dá
na seca, exatamente nos períodos que os reservatórios
estão baixos. Nós temos três fontes que se complementam".
Potencial brasileiro em energias renováveis
Eólica |
Pequenas
Centrais
Hidrelétricas |
Bagaço
da Cana |
140.000
MW
equivalente a cerca de 12 Itaipus |
7.000MW |
5.000
MW
equivalente a cerca de três usinas de Angra 3 |
Dados
aproximados cedidos por Maurício Tolmasquim, da UFRJ
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Tolmasquim alerta para o fato de essas fontes serem mais caras
e pouco competitivas, e informa que atualmente existe uma lei que
determina que no prazo de dois anos sejam instalados mecanismos
de geração de energia eólica, do bagaço
de cana e pequenas centrais hidrelétricas. Porém,
"não basta existir a lei, é preciso que se viabilize
a implementação, tornado-a realidade. O importante
é que a implementação seja acompanhada por
uma política científica e tecnológica que incentive
e viabilize a produção dos equipamentos no País",
conclui Tolmasquim.
Apesar da produção de energia a partir da cana-de-açúcar
e outras culturas ser considerada renovável, o Greenpeace
tem chamado a atenção para as conseqüências
que podem decorrer da transferência do uso dos combustíveis
fósseis para os ecossistemas terrestres, uma vez que a demanda
por terras aumenta - lembrando que essas têm capacidade limitada
- além de competir com o crescimento populacional.
O quadro desenhado pelos cientistas sugere que talvez seja necessário
pensarmos sobre o que o poeta, dramaturgo e romancista José
Saramago diz, em um trecho de sua obra História do Cerco
a Lisboa: "certos autores aborrecem a evidência de
não ser sempre linear e explícita a relação
entre o que chamamos causa e o que, por vir depois, chamamos efeito".
Comentando sobre essa frase de Saramago e as medidas para mitigar
a mudança no clima, Gilberto Januzzi diz que "existe
uma grande relação entre sistemas energéticos
e mudanças climáticas, mas que realmente não
é uma relação linear. Não é de
causa e efeito". Para ele, a maneira como produzimos e consumimos
energia modifica o clima, e as questões climáticas
modificam o sistema energético. "Efeito e causa se perdem,
não se sabe quem é o efeito e quem é a causa"
comenta, e toca numa questão que acredita ser muito importante,
mas silenciada, "precisamos questionar a maneira como estamos
sendo escravos do conforto, de determinados padrões de consumo
que podem ser incompatíveis com as mudanças necessárias".
Tolmasquim acredita que a mobilização da comunidade
científica, do governo, ONGs e da sociedade em geral em torno
da questão das mudanças climáticas "parece
possibilitar uma revisão do padrão de desenvolvimento,
principalmente nos países industrializados", mas chama
a atenção "com um modelo que mimetize esses padrões
de desenvolvimento, o planeta não suportará".
Não se coloca em dúvida a importância de se
investir em medidas que possam reduzir as emissões de GEE
e que poderão também gerar empregos e, a longo prazo,
diminuir custos ambientais e sociais. Porém, as experiências
brasileiras anteriores sugerem cautela, já que o contexto
no qual nos encontramos hoje não parece resultar apenas da
falta de financiamentos para medidas mitigadoras, mas de uma teia
de relações sociais, políticas, econômicas
e culturais.
Seqüestro de carbono
Outro grupo de medidas visa a retirar o excesso de carbono da
atmosfera. O seqüestro de carbono também se baseia em
um fenômeno já conhecido, a fotossíntese realizada
por plantas e algas. Nesse sentido alguns projetos de "seqüestro
de carbono" começaram a ser desenvolvidos no Brasil
com o financiamento de empresas e ONGs internacionais criando reservas
naturais e atuando na recuperação de áreas
degradadas. As ONGs da Amazônia e entidades como World
Resouces International (WRI) e Union of Concerned Scientists
(UCS) têm se manifestado a favor da inclusão das florestas
e do reflorestamento no MDL, acreditando que essa inserção
viabilizará o desenvolvimento de importantes projetos no
âmbito da conservação da natureza.
Porém, as políticas para o aumento da absorção
do carbono, por meio do reflorestamento e das unidades de conservação,
têm encontrado resistências, e ainda não há
consenso quanto à sua introdução no MDL. Em
parte, essas resistências devem-se à necessidade de
serem desenvolvidos métodos (veja texto
sobre o assunto) que avaliem de forma eficiente a absorção
de carbono. Essa tem sido a busca nos últimos dez anos do
professor e pesquisador Roberto Hosokawa da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). O pesquisador destaca que a estocagem de
carbono pelas plantas está relacionada a diversos fatores
que precisam ser mapeados: condições edafo-climáticas
(solo, temperatura etc.), diversidade de espécies, manejo
da produção, dimensão da área, idade
das plantas, povoamentos etc. A complexidade da dinâmica dos
ecossistemas exerce uma pressão sobre o seqüestro de
carbono como medida mitigadora o que dificulta a tão almejada
eficácia nas medições.
Mas as incertezas também apresentam outros motivos. O Greenpeace
e a WWF têm alertado para o fato de que os investimentos em
absorção de carbono podem ser menores do que em redução.
Isso pode resultar numa opção dos investidores dos
países desenvolvidos por essas medidas, deixando de lado
o compromisso com a redução das emissões. É
o que mostra a pesquisa de doutorado de Christiano Pires de Campos,
pela COPPE-UFRJ defendida em dez-2001, que analisou os projetos
de "seqüestro de carbono" desenvolvidos no Paraná,
Tocantins e Mato Grosso. Focalizando as mudanças climáticas,
conservação florestal e o MDL o pesquisador formulou
alguns cenários possíveis para cada projeto, levando
em consideração diferentes fatores. Os resultados
da pesquisa levantam algumas inquietações. Dependendo
do cenário que se escolha para o cálculo do investimento
em reflorestamento e conservação o custo pode ser
muito reduzido ou exorbitante. Qual será o cenário
escolhido? Quais fatores serão privilegiados e desconsiderados?
Outro aspecto ressaltado por Christiano Campos é que geralmente
esses projetos desconsideram os chamados vazamentos de carbono,
que resultam do acesso limitado às terras, alimentos, combustíveis
e recursos madeireiros, sem oferecer alternativas às comunidades
locais. Para considerar a conservação e recuperação
de matas e florestas como alternativas mitigadoras, as pesquisas
terão que ultrapassar os limites da área preservada
e do projeto. (veja também os possíveis cenários
criados pelo IPCC)
"Não estamos falando com leigos, mas com representantes
de todos os países. Essa idéia de que eu poluo aqui
e vou plantar florestas lá na África, como se o planeta
não fosse um sistema único, é um problema",
a fala da professora e pesquisadora Dionete Santin, do Núcleo
de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp mostra como
um princípio tão belo e caro à discussão
dos problemas ambientais contemporâneos, a idéia do
planeta como um grande sistema interligado, transforma-se agora
em justificativa para que países não alterem seus
modelos e bases de desenvolvimento, reduzindo suas emissões,
e possam investir em projetos "limpos" em outras partes
do mundo.
Um dos problemas que Hélcio de Souza, especialista em políticas
públicas do Instituto de Estudos Sócioeconômicos
(INESC) em Brasília, destaca em relação a essa
questão é o caráter mais econômico e
ambiental do que social desses mecanismos. "O MDL está
inserido numa lógica de mercantilização que
pode acarretar num aumento da desigualdade social". Adverte
ainda que os recursos de financiamento para reflorestamento podem
"favorecer o financiamento de grandes indústrias de
papel e celulose, em detrimento de populações tradicionais
que dentro dessa lógica financeira estão prestando
um serviço, uma vez que realizam, por exemplo, a agricultura
familiar e preservam ecossistemas como a Mata Atlântica, mas
que não terão acesso a esses recursos" (leia
resenha sobre a participação
das comunidades tradicionais na questão). O especialista
ressalta ainda que ter como bases de sustentatibilidade um mecanismo
financeiro, que tem como marca a instabilidade, é bastante
preocupante.
Assim como as populações tradicionais mencionadas
por Hélcio de Souza espalhadas pelo Brasil, inúmeras
pessoas, isoladamente ou em grupos, ligadas ou não a ONGs,
associações de bairro, partidos, movimentos populares,
têm reduzido seus gastos com água e energia, têm
separado o seu lixo e buscado destiná-lo ao reaproveitamento
e reciclagem, têm plantado árvores, recuperado praças
e matas ciliares. Têm buscado conquistar novos adeptos espalhando
panfletos, organizando eventos, elaborando projetos e propondo parcerias.
São crianças, professores, médicos, agricultores,
caiçaras, sem-terra, índios, cientistas, que se movimentam
ora pelo amor a natureza, ora por uma consciência ecológica,
ora pelo aperto no bolso. O valor dessas "pequenas ações"
não serão recompensadas com créditos de carbono,
talvez não exista método eficaz para mensurá-las,
mas poucos de nós duvidaria da parcela de contribuição
dessas ações, depois de lembrar do recente esforço,
empenho e dos brasileiros na redução de gastos com
energia na Era Apagão.
(SD)
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