Projeto
de Lei tenta vencer o desafio da inovação
Com o objetivo de criar um ambiente
propício para aumentar o envolvimento das empresas no desenvolvimento de
projetos inovadores que levem a novos produtos e processos, o Projeto de Lei nº
3.476/04, aprovado no dia sete de julho deste ano pela Câmara dos Deputados
segue agora para o Senado, com as alterações propostas pela Câmara Federal. O
texto é um aperfeiçoamento do projeto original nº 7202/02, encaminhado ao
Congresso pela primeira vez em agosto de 2002.
O que se espera com a aprovação da
lei é que as parcerias entre empresas, universidades e institutos científicos e
tecnológicos ganhem força e estimulem o processo de inovação. Segundo o relator
desse projeto, o deputado Ricardo Zarattini (PT-SP), a lei deve favorecer o
investimento de empresas em pesquisa científica e tecnológica no Brasil, sejam
elas nacionais ou multinacionais. A União incentivaria as empresas a apoiar e
investir em atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico por meio da concessão
de recursos financeiros, humanos, materiais e de infra-estrutura. Em
declarações à imprensa o ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos,
disse que a lei de Inovação "permitirá que o conhecimento acumulado nas
instituições de pesquisa seja oferecido à economia brasileira, para melhorar a
produtividade e a capacidade de competir com o mercado global".
O debate sobre essa lei tem sido
intenso. Para aqueles que apóiam o projeto, o triângulo formado por ciência,
tecnologia e inovação é fundamental para um projeto de nação com inserção
mundial soberana. Essa necessidade de melhorar a relação entre produção do
conhecimento e setor empresarial poderia ser, pelo menos em grande parte,
atendida com esse projeto. Ainda hoje, dada a dificuldade de diálogo entre
universidade e empresa, o empresário brasileiro acaba optando por importar
tecnologia pronta do exterior. Tal atitude em nada colabora para o avanço
tecnológico do país. Para seus defensores, principalmente os empresários, esta
lei inverte essa realidade. Mais do que isso, eles consideram que o sucesso da
política industrial depende (e muito) dessa integração.
Para incrementar o desenvolvimento
tecnológico no Brasil, uma das propostas desse projeto é a de que um
pesquisador, que seja o criador de uma invenção protegida tenha direito à
participação nos ganhos econômicos advindos de seu licenciamento ou exploração.
Isso estimularia a inovação, uma vez que promove um retorno financeiro aos
professores e pesquisadores envolvidos no desenvolvimento da tecnologia. A
possibilidade de afastamento dos pesquisadores para constituir empresas
voltadas à inovação é outro ponto forte da lei. Serve como um forte estímulo ao
aparecimento de empresas de base tecnológica, capazes de levar para o mercado
os resultados das pesquisas realizadas nas universidades e institutos de
pesquisa. Hoje a participação desses pesquisadores na gerência ou administração
de empresa privada é proibida, o que inibe a atividade empreendedora desses
profissionais.
O PL deve também
legalizar algumas atividades por meio das fundações vinculadas às instituições
federais de ensino superior, tais como pagamento de adicionais aos servidores e
empregados no âmbito de contratos de prestação de serviços, firmados por essas
instituições com órgãos públicos e privados. Deve permitir também o
compartilhamento de espaço e de infra-estrutura de pesquisa com empresas
privadas, pontos vistos com bons olhos por aqueles que são favoráveis à lei.
Em relação à propriedade intelectual,
a medida deve ajudar o país a elevar seu número de patentes registradas
anualmente, segundo afirmou o deputado Zarattini, em seu discurso no 7º
Encontro da Rede de Propriedade Intelectual de Comercialização de Transferência
de Tecnologia (Repict), realizado na primeira quinzena de julho. Esta lei
promoveria também a eliminação de diversos entraves burocráticos, como a
necessidade de se promover processo licitatório para o licenciamento de uso de
criações de propriedade das instituições de Ciência e Tecnologia (C.
Outra novidade que deve estimular a
inovação nas empresas é a destinação de recursos financeiros na forma de
subvenção econômica, ao setor produtivo, nos mesmos moldes que já ocorrem hoje
por meio de mecanismos de participação societária e de financiamento. A possibilidade
de utilizar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FNDCT) para a subvenção econômica a empresas privadas também é
visto como um avanço, apesar de não ser ainda suficiente para transformar o
fundo em instrumento da política de inovação.
Para Olívio Ávila, diretor executivo
da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas
Inovadoras (Anpei), "o que se espera é que o conjunto de regras proposto por
esse PL facilite e dê maior agilidade ao desenvolvimento de
projetos tecnológicos de interesse do setor produtivo e do mercado em geral.
bem como mais facilidade e liberdade para a contratação de pesquisadores das
universidades e dos institutos de C&T por parte das empresas".
Recursos
financeiros, participação nos lucros e incentivos fiscais
A nova versão do Projeto de Lei nº
3.476/04 é resultado de um longo processo de discussão entre deputados, membros
de vários ministérios e representantes de sociedades científicas do país. As
principais mudanças em relação ao texto original encaminhado pelo Executivo
dizem respeito aos recursos financeiros. "Pedimos mais verba dessa vez, isto
porque a inovação é o coração da nova política industrial, tecnológica e de
comércio exterior, proposta pelo governo", afirma o deputado Zarattini.
A grande novidade é a garantia de que
um percentual mínimo dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT) será destinado exclusivamente à inovação, com
prioridade às áreas definidas como estratégicas na nova política industrial.
"Os setores de semi-condutores, software, bens de capital, fármacos e
medicamentos irão garantir nossa capacitação e autonomia tecnológica no mundo
globalizado em que vivemos", enfatiza Zarattini ao expor as áreas priorizadas.
Outra mudança foi feita no artigo 13º
da lei, que trata da participação nos lucros dos Institutos de Ciência e
Tecnologia (ICT) em projetos feitos em parceria com empresas privadas. Como
antes o texto estabelecia que essa participação seria de até 1/3 dos ganhos
obtidos, fixou-se um mínimo de 5% de participação dos ICTs nos lucros. Os
deputados federais também se preocuparam em criar formas de estímulo às
empresas que invistam em inovação tecnológica e implantem centros de pesquisa
no país, sem distinguir se as empresas são brasileiras ou multinacionais.
O PL também prevê que o
governo dará tratamento preferencial na aquisição de bens e serviços a empresas
que tenham investimento em C&T no país, mas ainda falta detalhar como isso
será feito. Além disso, fica determinado um prazo de 120 dias para que o
governo federal apresente uma política de incentivos fiscais a essas empresas.
Para Zarattini, todas essas modificações visam derrotar uma cultura de
importação de tecnologia que ainda é predominante entre os empresários.
Críticas
à lei
Apesar das possibilidades que a Lei
de Inovação poderá trazer para o processo inovativo no país, há críticas à tal
iniciativa. O documento "A reunião sobre a Lei da Inovação realizada no
MCT em 17/09/03", do Grupo de Análise de Política de Inovação, da Unicamp,
levanta algumas questões relacionadas a esse dispositivo. Para os autores,
apesar de ter sofrido inúmeras alterações, faltam ainda esclarecimentos sobre
os interesses, objetivos e projetos políticos dos atores envolvidos no
processo. Um dos questionamentos contido no documento trata da possibilidade de
professores estabelecerem-se como empresários. "Será que os notoriamente
reduzidos indicadores relativos de dispêndio em P&D da empresa privada e a
relativamente escassa capacidade de absorção do pessoal pós-graduado na empresa
privada foram levados em conta quando se decidiu que deveriam ser objeto de uma
Lei de Inovação?" O texto ainda não publicado também questiona o investimento
em P&D por parte das empresas. "Elas não investem por falta de estímulo
financeiro ou porque não consideram que isso seja coerente com sua lógica
empresarial?" indaga o autor do artigo, Renato Dagnino, pesquisador do DPCT.
No meio acadêmico, um dos pontos mais
discutidos é o artigo 8º do PL, que prevê a remuneração financeira do
Instituto Científico e Tecnológico ao prestar serviços a empresas e ceder
pesquisadores. Uma das falhas desse artigo, segundo Sandra Brisolla, professora
do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), da Unicamp, é que
nem toda pesquisa é de interesse comercial, o que separa os docentes em grupos
divergentes quanto a objetivos, nível de rendimento e identidade cultural.
Para Brisolla há duas formas das empresas se
modernizarem: importando tecnologia ou desenvolvendo novas formas de produção.
A escolha determina se a empresa irá inovar a sós ou em parceria com outras
empresas ou universidades e institutos de pesquisa, sendo que a decisão é
sempre focada na alternativa mais econômica e vantajosa. "Para que o empresário
inove é preciso que as novas idéias sejam tão lucrativas que compensem a maior
segurança de retorno econômico que ele teria ao importar tecnologias que já
foram testadas e deram bons resultados nos países mais industrializados". Caso contrário, nem os estímulos previstos
em uma lei irão funcionar.
A questão não é recente, a própria história do
processo de industrialização no Brasil impossibilitou a criação de uma demanda
técnico-científica interna por parte das empresas privadas. "Há uma desconexão
entre o que se produz de conhecimento científico e tecnológico pela comunidade
científica e as necessidades da sociedade em geral, incluindo o setor
produtivo" afirma Maria Beatriz Bonacelli, também professora do DPCT. Além
disso, Bonacelli acrescenta que a falta de inovação nas empresas também é fruto
de pesados impostos, tributos e de uma das mais altas taxas de juros do mundo.
Apesar de considerar a iniciativa de
se criar uma Lei de Inovação, Ávila destaca como um problema do PL
o enfoque dado, que é muito maior na preparação da 'oferta', ou seja, das
universidades e institutos de pesquisa, para interagir com o setor produtivo,
do que no estímulo e indução à 'demanda' (empresas), para aquisição de
conhecimento para o aumento da competitividade via inovação", acrescenta. "Se
compararmos as primeiras versões com aquela aprovada na Câmara, pode-se
verificar que os vários ajustes feitos foram positivos, embora ainda
consideramos que permanecem nela muitos detalhes desnecessários, que podiam
estar contidos em alguma instrução normativa interna dos ICT's. Esses detalhes
mascaram e desviam um pouco a lei de seu objetivo primeiro, que é permitir
aumentos expressivos na competitividade do setor produtivo através da inovação
tecnológica".
Lei paulista de inovação tecnológica
Na esteira da lei nacional de inovação, em janeiro
de 2003, o estado de São Paulo começou discutir a possibilidade de elaborar a
sua própria Lei de Inovação. Após vários encontros com representantes do
governo, universidade e empresas, foi criado um projeto preliminar que está
disponível no site http://www.ciencia.sp.gov.br
para consulta pública. O texto, que já está em sua oitava versão, propõe a
criação do Sistema Paulista de Inovação Tecnológica, integrante do Sistema
Inova SP, com o objetivo de revitalizar o desenvolvimento sustentável do estado
pela inovação tecnológica privada e pública. Há também um capítulo
específico sobre os parques tecnológicos e incubadoras de empresas de base
tecnológica, e outro sobre os incentivos à importação de equipamentos.
O trabalho é coordenado pela Secretaria Estadual de
Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo e após o período de
consulta pública e da avaliação pelo governador, o projeto será encaminhado à
Assembléia Legislativa.
Leia mais sobre a Lei de Inovação na entrevista com
o Diretor da Anpei Olívio Ávila
Cronologia da Lei de Inovação
Setembro de 2001 - O anteprojeto da lei de inovação foi apresentado durante a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, organizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que o colocou à disposição na Internet para consulta pública (em 50 dias houve 6500 acessos e 250 contribuições).
Agosto de 2002 - A primeira versão do projeto de Inovação Tecnológica foi encaminhada ao Congresso Nacional pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A proposta, originalmente apresentada pelo senador Roberto Freire, foi inspirada na "Lei sobre a inovação e a pesquisa", da República Francesa. A intenção era flexibilizar as relações entre pesquisadores, institutos de pesquisa e empresas privadas no desenvolvimento de novas tecnologias para produtos, processos e serviços.
Novembro de 2002 - O Projeto de Lei (PL nº 7202/02) foi colocado em regime de urgência no Congresso Nacional, mas seu conteúdo não agradou aos representantes da iniciativa privada e de instituições públicas. Os pontos em conflito tratavam principalmente de aspectos relativos à universidade e sua reforma e a falta de incentivos fiscais à inovação.
Janeiro de 2003 - Após a posse do presidente Lula, o então líder do Governo na Câmara, deputado Aldo Rebelo, retirou a urgência segundo a qual tramitava o projeto e indicou um grupo de trabalho (GT) formado por representantes da academia e de associações empresariais para discutir novas sugestões.
Abril de 2003 - O projeto entrou novamente em trâmite de urgência e somente em maio de 2004 foi encaminhado pelo Executivo federal à Câmara dos Deputados. Logo depois foi retirado o regime de urgência do PL e instalada uma comissão especial para analisar o texto que tinha mais de 20 sugestões de emendas.
Julho de 2004 - Após as alterações, o projeto foi finalmente aprovado pela Câmara dos Deputados e a nova versão nº 3.476/04 seguiu para o Senado.
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(GG e MP)
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