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Biotecnologia poder� sacrificar patentes e aderir ao c�digo aberto

A biotecnologia, em especial na �rea agr�cola e farmac�utica, enfrenta hoje um grande dilema. Dois dos seus principais pilares amea�am ruir: o sigilo e a prote��o, que at� ent�o eram considerados como essenciais para gera��o de inova��o e rentabilidade econ�mica. Pesquisadores alertam que, ao inv�s de promover a inova��o, o atual sistema de propriedade intelectual tem acorrentado a produ��o do conhecimento cient�fico e gerado custos impratic�veis. Decididos a dar um novo impulso � pesquisa e desenvolvimento biol�gicos, cientistas de diversos pa�ses, entre eles Estados Unidos, �frica do Sul e Austr�lia, prop�em a aproxima��o entre a biotecnologia e o c�digo aberto, um conceito criado na d�cada de 80 no mundo do software livre.

O termo c�digo aberto (open source) surge no contexto do software livre (free software) como uma forma de mostrar aos investidores que o termo free quer dizer livre e n�o gratuito. Embora mantenha as liberdades postuladas por Richard Stallman em 1984 - liberdade que os usu�rios t�m de usar, copiar, distribuir e modificar os softwares como quiserem - os projetos de c�digo aberto s�o nitidamente mais voltados para o mundo dos neg�cios. As diferen�as ideol�gicas entre os que se denominam do grupo do software livre e os do movimento do c�digo aberto podem ser conferidas no filme Revolution OS
Leia resenha do filme http://www.comciencia.br/200406/resenhas/resenha1.htm.

As propostas de biotecnologia de c�digo aberto (open source biotechnology, em ingl�s) t�m em comum o objetivo de compartilhar as pesquisas com uma ampla comunidade de cientistas e, para isso, firmam acordos que prop�em o sacrif�cio das patentes em troca do acesso livre permanente �s ferramentas de pesquisa e bancos de dados. Os benef�cios apontados envolvem a possibilidade de diminuir custos, garantir maior liberdade de pesquisa, gerar uma maior qualidade nas inova��es desenvolvidas e aumentar a velocidade com que novos produtos s�o disponibilizados aos consumidores finais.

Apesar das promessas de democratiza��o do conhecimento e da tecnologia das propostas, ainda existem muitas d�vidas pairando no ar: os princ�pios do c�digo aberto ser�o realmente aplicados � biotecnologia ou, na maioria dos casos, essa aplica��o n�o passar� de uma analogia? Os benef�cios da abertura, por exemplo, ser�o estendidos ao consumidor final, ou ficar�o restritos ao �mbito das pesquisas? Sendo o campo da biotecnologia marcado pelas estreitas rela��es entre ci�ncia e mercado, ser� poss�vel funcionar um neg�cio vi�vel de biotecnologia com os princ�pios do c�digo aberto?

F�rmacos de c�digo aberto

Um dos projetos mais recentes de biotecnologia de c�digo aberto foi apresentado na Confer�ncia Internacional de Biotecnologia, em S�o Francisco, por Stephen M. Maurer, da Escola Golgman de Pol�ticas P�blicas da Universidade da Calif�rnia; Arti Rai, da Escola de Direito da Universidade de Duke; e Andrej Sali, do Departamento de Ci�ncias Biofarmac�uticas e Qu�mica Farmac�utica da Universidade da Calif�rnia. Os pesquisadores propuseram a Iniciativa para Doen�as Tropicais (Tropical Disease Initiative - TDI) que pretende utilizar os princ�pios do c�digo aberto para a produ��o de f�rmacos voltados ao tratamento de doen�as tropicais como, por exemplo, mal�ria, c�lera, dengue e doen�a de chagas, que atingem mais de meio milh�o de pessoas em todo o mundo. Leia mais no artigo Finding Cures for Tropical Diseases: Is Open Source An Answer? publicado em junho de 2004.

De acordo com a proposta, cientistas das universidades, dos laborat�rios e das corpora��es poderiam trabalhar juntos nas etapas iniciais da pesquisa, compartilhando informa��es e resultados em um website. Cada p�gina do site focalizaria diferentes etapas do processo, tais como a identifica��o dos alvos novos da droga e dos produtos qu�micos que afetam os alvos. Os participantes registrariam numa base de dados compartilhada cada nova descoberta, que, por sua vez, seriam analisadas em salas de bate-papo (chats) ou confer�ncias no website. Todas as informa��es e ferramentas de pesquisa estariam livremente dispon�veis a todos os participantes.

Segundo os pesquisadores, muitos benef�cios poder�o ser alcan�ados com a proposta. Ser� poss�vel diminuir os custos e acelerar o processo de pesquisa, desenvolvimento e manufatura das drogas. Al�m disso, como as descobertas de c�digo aberto n�o ser�o patenteadas os contratos de concess�o, para o desenvolvimento dos f�rmacos, ser�o oferecidos �s companhias que propuserem a oferta mais baixa. Somando isso � competi��o entre os fabricantes gen�ricos, Maurer, Rai e Sali esperam que os pre�os oferecidos aos consumidores finais sejam muito pr�ximos aos custos de produ��o.

Desta maneira, os pesquisadores poder�o se dedicar a pesquisas dessa natureza que, em geral, n�o interessam aos grandes laborat�rios e � ind�stria farmac�utica, pois atingem popula��es de pa�ses pobres que n�o podem arcar com os elevados custos de sua produ��o. "Essa ser� uma excelente oportunidade para que a comunidade cient�fica possa escapar � l�gica do Estado, que pode, por exemplo, ser armamentista, e � l�gica do lucro, que tem orientado grande parte das pesquisas em biotecnologia" analisa Paulo Roberto Gibaldi Vaz, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Patentes se transformam em algemas para as pesquisas

A biotecnologia de c�digo aberto surge em meio � insatisfa��o dos pesquisadores com os limites impostos � inova��o, que hoje resultam de uma combina��o entre restri��o e segredo. "As press�es crescentes do fundamentalismo de mercado (racionalismo econ�mico, para alguns) est�o transformando as institui��es p�blicas em simples bra�os do capital financeiro, prejudicando a habilidade de representar os necessitados de nossa sociedade (ou as necessidades de nossa sociedade), algo bastante problem�tico", desabafou o geneticista molecular Richard Jefferson em entrevista � ComCi�ncia.

Jefferson � criador e diretor do Centro para Aplica��o da Biologia Molecular a Agricultura Internacional (Centre for the Application of Molecular Biology to International Agriculture - CAMBIA) em Camberra, Austr�lia e coordenador da Inova��o Biol�gica para uma Sociedade Aberta (Biological Innovation for Open Society - BIOS). A BIOS pretende, por meio dos projetos de c�digo aberto, ajudar a liberar os agricultores e empresas de biotecnologia da depend�ncia excessiva do monop�lio praticado pelas gigantes do agroneg�cio.

A aproxima��o entre biotecnologia e c�digo aberto pretende abolir, ou pelo menos reduzir, os problemas de acesso ao conhecimento cient�fico e �s ferramentas de pesquisa, que s�o associados � prolifera��o dos diretos de propriedade intelectual e aos custos elevados de transa��o. Para Janet Hope, doutoranda da Escola de Ci�ncias Sociais da Universidade Nacional da Austr�lia, embora a quest�o do acesso possa incentivar os pesquisadores a abrirem m�o das patentes, a possibilidade dos projetos de c�digo aberto gerarem lucro � mais central. Isso porque as ci�ncias da vida t�m intensos v�nculos com o mercado, logo mobilizam grandes expectativas de obten��o de retorno econ�mico com os altos investimentos que t�m sido feitos nas pesquisas.

Hope parece intrigada com o fato dos pesquisadores terem sido incentivados a, voluntariamente, se deslocar do ambiente da propriedade intelectual para o mundo do c�digo aberto, que � menos restritivo e mais colaborativo. Embora alguns projetos justifiquem a ado��o do c�digo aberto em aspectos sociais, Hope identificou, nas entrevistas que j� realizou, que a pergunta que os cientistas se fazem �: "como associar a obten��o de lucro nas pesquisas em biotecnologia com a cultura de compartilhamento do c�digo aberto?". Para a pesquisadora, se n�o houver retorno econ�mico provavelmente a aplica��o do c�digo aberto � biotecnologia n�o passar� de uma analogia.

J� se pode verificar as suspeitas da pesquisadora em alguns projetos que prop�em o sacrif�cio das patentes apenas no �mbito das pesquisas, sendo poss�vel aos participantes patentear os seus inventos. Neste caso, os maiores benef�cios ficar�o restritos � comunidade cient�fica e � ind�stria de biotecnologia, n�o atingindo os consumidores finais. Mas Janet Hope mant�m o que chama de "ceticismo esperan�oso", ou seja, a possibilidade de pensar que o c�digo aberto pode gerar lucro, como acontece com os softwares livres (como o Linux). Isso n�o apenas retiraria o argumento econ�mico dos que defendem as patentes como tamb�m seria a mola propulsora da aplica��o da id�ia no �mbito da P&D em biotecnologia. Leia mais sobre o projeto de doutorado de Janet Hope na p�gina http://rsss.anu.edu.au/~janeth/home.html

Robin Feldman, pesquisador da Universidade da Calif�rnia explica em seu artigo The Open Source Biotechnology Movement: Is it Patent Misuse? que, embora o sistema de c�digo aberto possa realmente reduzir as recompensas econ�micas, ele aumenta consideravelmente as recompensas n�o econ�micas, promovendo, por exemplo, o aumento no n�vel de inova��o e na velocidade com que essas inova��es estar�o dispon�veis para benef�cio p�blico. Para Feldman, "isso s� acontece por que o c�digo aberto explora recursos que n�o podem ser alcan�ados com o sistema de patentes".

Os criadores do "c�digo aberto" no contexto do software afirmam que o futuro ser� daqueles que souberem desenvolver projetos abertos, que podem contar com a colabora��o de centenas, milhares, de pessoas para sua melhoria. Leia mais sobre isso no livro The Cathedral and the Bazaar de Eric S. Raymond dispon�vel no site http://www.catb.org/~esr/writings/cathedral-bazaar/e na vers�o n�o t�o acurada em portugu�s http://www.geocities.com/CollegePark/Union/3590/pt-cathedral-bazaar.html

Garantir que as inova��es permane�am livres

Uma das quest�es centrais para alguns cientistas envolvidos nos projetos de biotecnologia de c�digo aberto passa pela cria��o de estrat�gias que garantam que as tecnologias e as inova��es permane�am abertamente dispon�veis. O movimento do software de c�digo aberto utiliza o copyleft para garantir que os usu�rios possam livremente estudar, copiar, modificar e distribuir os softwares. No caso dos projetos de biotecnologia de c�digo aberto nem sempre � poss�vel usar a no��o de copyleft.

Os projetos de biotecnologia centrados na bioinform�tica, que usam softwares para gerar e analisar dados t�m seguido os caminhos trilhados pelo movimento de c�digo aberto. Os softwares s�o criados e melhorados em um processo cooperativo e diversas l�nguas de programa��o, como por exemplo o BioPerl, BioJava e Biophyton, s�o livremente dispon�veis por meio de licen�as de c�digo aberto. A empresa sul africana Eletric Genetics Corporation desenvolveu um modelo de neg�cios denominado "biotecnologia de software de c�digo aberto". A empresa liberou seu software de bioinform�tica sob uma licen�a livre e passou a fornecer servi�os de suporte aos usu�rios.

Entretanto, quando se trata de pesquisas fora do �mbito do software o uso do copyleft n�o � poss�vel, porque os projetos n�o est�o submetidos ao direito autoral, mas ao direito patent�rio. A lei de patentes define que qualquer modifica��o feita na tecnologia resultar� em uma nova patente. Em resposta a esse problema, os projetos de biotecnologia de c�digo aberto t�m requerido dos seus participantes a assinatura de acordos em que todos concordam em manter os avan�os na tecnologia t�o livres quanto a tecnologia original.

Richard Jefferson conta que, na BIOS, eles imaginam desenvolver acordos que permitam: compartilhar as melhorias na tecnologia licenciada; compartilhar toda a informa��o de bioseguran�a e regula��o; e juntar todos na defesa coletiva dos bens comuns protegidos. Em troca, cada um dos participantes do acordo recebe financiamento para usar, sem custos, uma licen�a v�lida mundialmente. Assim, n�o haveria a imposi��o de nenhuma restri��o ou valora��o dos produtos desenvolvidos, mas seria formada uma plataforma robusta e bem testada para que eles sejam desenvolvidos.

(SD e AP)

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Atualizado em 10/08/2004

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