A convergência tecnológica e
a percepção de valor nos serviços de telecomunicações
Heitor Quintella e Américo Brígido Cunha
As inovações tecnológicas nas redes e
equipamentos proporcionam novos serviços de telecomunicações. O ambiente de
mercado tem se caracterizado pelas incertezas e falta de previsibilidade.
Existe uma contradição entre os benefícios apregoados à convergência
tecnológica e a oferta de serviços de telecomunicações. A flexibilidade,
qualidade e baixo custo são freqüentemente destacados pelos fornecedores de
tecnologia, entretanto os consumidores têm uma visão quase antagônica quando
tentam solicitar serviços nas empresas de telecomunicações. Por que existe esta
discrepância?
Este artigo apresenta uma análise das mudanças
no ambiente de mercado das telecomunicações nos últimos anos visando obter
explicações para a lacuna entre serviço ofertado e benefícios potenciais das
inovações tecnológicas.
Entendendo as transformações
A convergência pode ser definida como a
capacidade do uso de uma mesma plataforma de rede de telecomunicações para
transporte de diferentes serviços: telefonia, vídeo, música e internet. Uma
tendência crescente é o desenvolvimento de produtos e serviços cruzados entre
empresas de diferentes setores da indústria de comunicação e entretenimento. Em
alguns casos essa tendência se concretiza em fusões e participações cruzadas no
capital de empresas. Como exemplo pode-se citar:
- Associação entre provedores de acesso à internet com empresas de comunicação em massa, como editores de revistas, jornais e televisão;
- Empresas provendo serviços de comunicação de voz e vídeo via internet;
- Recebimento de correio eletrônico (e-mail), notícias e informações através de redes de telefonia móvel;
- Serviços de acesso em banda larga providos por empresas de TV por assinatura.
- Associação entre empresas de TV aberta e provedores de internet possibilitando a transmissão de programas televisivos via internet.
Estes são exemplos concretos de uma nova
sociedade da informação e mostram como os novos produtos e serviços podem
entrar na vida do cidadão comum. Consolida-se uma mudança significativa na
quantidade e diversidade dos serviços de telecomunicações e de comunicação
social.
Um fator relevante para permitir essas
transformações foi o aumento considerável de conteúdos disponíveis em formato
digital. Atualmente, quase a totalidade da produção musical, cinema, programas
televisivos e vídeo são produzidos e distribuídos em meios digitais como CD e
DVD. Revistas e jornais são produzidos em meios digitais antes de serem
impressos. No meio cientifico todos os trabalhos como dissertações e relatórios
técnicos são gravados em meios eletrônicos. Pode-se dizer que o aumento de
conteúdos digitais disponíveis foi uma revolução silenciosa e constante nos
últimos 20 anos, atingindo quase a totalidade de formas e meios de produção
cultural e científica. A codificação digital das fontes de informações é um dos
pilares do fenômeno da convergência.
As inovações nos meios de acesso possibilitaram
a transmissão de grande volume de informação de forma rápida, confiável, com
bons padrões de qualidade e conforto para os usuários. A convergência nas
telecomunicações começou dentro das plataformas de redes, onde as inovações
tecnológicas permitiram a junção de serviços de voz, dados e internet.
Entretanto a maior transformação se deu na conexão dos clientes finais, que
permitiu o tráfego de conteúdos multimídias através de acessos em banda larga.
Estes são os dois fatores mais característicos
do modelo de negócios de serviços de telecomunicações no ambiente atual. A
disponibilidade de conteúdos digitais e a transmissão rápida para os usuários
transforma a visão e apresenta novos requisitos para o planejamento estratégico
das empresas.
As pesquisas científicas em geral valorizam os
aspectos tecnológicos da convergência e não os valores de utilidade e
importância para o usuário do serviço. Em realidade as tecnologias chamadas
convergentes somente passaram a ter valor de mercado quando o cidadão comum
percebeu a necessidade de ter acesso à uma vasta produção cultural e científica
via rede de telecomunicações.
Um modelo científico para investigação
O fenômeno da convergência nas telecomunicações
aumentou a incerteza e a falta de previsibilidade. O modelo científico estabilidade
dinâmica, descrito por Boynton, Victor e Pine em 1993, é adequado à
investigação de ambientes em mudança de paradigma. A turbulência e falta de
previsibilidade impõem que as empresas ajustem seus processos de negócios e
produtos às novas demandas dos clientes. Esse ajuste é chamado pelos autores de
estabilidade dinâmica. As mudanças de estratégia são direcionadas para manter a
competitividade da empresa em sintonia com as variações de demandas. Esse
modelo científico proporciona uma forma consistente para o diagnóstico de como
as empresas reagiram às mudanças do mercado.
O modelo de estabilidade dinâmica propõe quatro
categorias relacionando as estratégias com as características de demandas de
mercado e de tecnologias de processo. Essas categorias são representadas
em quadrantes de uma matriz chamada de mudança produto-processo. A
matriz tem quatro quadrantes, cada um representando características
estratégicas função da variação de processos e produtos (figura 1).
Fig. 1 - Principais
características das estratégias na matriz de mudança produto-processo. Fonte:
Boynton, Victor e Pine, 1993, p. 58
Com base no modelo de estabilidade foi
utilizado um questionário para verificar a percepção dos entrevistados em
relação às mudanças no ambiente de negócio, nos produtos, nos processos e na
organização. Este questionário foi utilizado pela primeira por seu criador
Joseph Pine II em sua tese de mestrado no MIT em 1991. Quantificar a
turbulência e a forma como as empresas reagem às mudanças pode apresentar
evidências das estratégias usadas pelas empresas. O termo turbulência procura
expressar quanto instável e incerto está o ambiente de mercado. Ao aferir a
turbulência de mercado pode-se determinar as características estratégicas mais
adequadas ao ambiente atual do setor. A incerteza e falta de previsibilidade
são desconfortáveis para os dirigentes das empresas, pois eles têm que se
adequar a fatores externos e construir estratégias de acordo com as variações
do ambiente.
Em 2004, o grupo de pesquisa Fatores Humanos e
Tecnológicos da Competitividade da Universidade Federal Fluminense aplicou o
mesmo instrumento em profissionais de telecomunicações obtendo um diagnóstico
importante para análise deste setor no Brasil. A participação de profissionais
dos diversos segmentos do setor de telecomunicações foi abrangente e
representativa.
Os resultados da pesquisa apresentam as
características mais relevantes das transformações do ambiente brasileiro
durante a década de 90 (tabela 1). A taxa de mudança tecnológica foi o fator com
maior grau de turbulência percebido pelos entrevistados, reforçando que as
inovações tecnológicas nas telecomunicações e a presença evidente do fenômeno
chamado convergência. O segundo fator de maior relevância é a intensidade
competitiva refletindo um aumento de competição, explicado pelo maior número de
competidores, coerente com as mudanças ocorridas no mercado brasileiro a partir
da desregulamentação e privatizações do final da década de 90.
O terceiro fator, de igual importância
estatística dos anteriores, é a rápida mudança das vontades e necessidades dos
consumidores. Reflete que as inovações tecnológicas nas telecomunicações
descritas nos últimos 20 anos finalmente se transformaram em valor percebido
pelos usuários de telecomunicações no Brasil. Este é o fator mais relevante do
ponto de vista científico pois evidencia a concretização de mudanças culturais
na sociedade.
Tabela 1 - Variação dos fatores de ambiente
percebidos pelos profissionais do setor de telecomunicações no Brasil entre
1994 e 2004. Fonte: os autores.
A segunda parte da pesquisa investigou a reação
das empresas à turbulência do ambiente. As três ações estratégias mais usadas
pelas empresas foram: aumentar velocidade de resposta com o lançamento de novos
serviços, proporcionar inovação nos produtos e aumentar o volume de variedade
nos serviços. Esses fatores estão coerentes com uma reação lógica das empresas
no sentido de compensar as turbulências percebidas no ambiente. Não se sabe
ainda se essas estratégias estão sendo colocadas em prática de forma
competitiva, existe o risco de que essas ações em curso podem consumir recursos
além do previsto e não estejam adicionando valor às empresas.
Conclusões
De acordo com os resultados da pesquisa e o
modelo de estabilidade dinâmica, a estratégia mais adequada à
competitividade para o ambiente de negócios atual do setor de telecomunicações
é o denominado customização em massa.
A pesquisa realizada comprovou que a diminuição
do ciclo de vida e do tempo de desenvolvimento dos produtos e serviços são
fatores cruciais para sucesso das corporações no ambiente atual. As ferramentas
estratégicas das empresas, estrutura organizacional, processos de negócios e
tecnologia de informação devem possibilitar o desenvolvimento rápido de novos
produtos e serviços.
As inovações nas redes de telecomunicações
proporcionam flexibilidade nos serviços. A integração com o mundo da
informática possibilitou o provimento de serviços cada vez mais
individualizados e customizados, entretanto as empresas de telecomunicações
ainda mantêm um modelo mental de fábrica (Kawashima, 2002). Muitas funcionalidades e a flexibilidade para configuração dos serviços
e customização não foram disponibilizadas por falta de modelos de negócio
adequados.
Faz-se necessário que as empresas tenham uma estrutura organizacional
voltada para a inovação, com equipes permanentes destinadas à gestão de
processos de negócios e desenvolvimento de novos serviços. Antes, essas equipes
eram pequenas e ficavam limitadas à área de pesquisa e desenvolvimento, que
lançavam produtos vencedores de tempos em tempos. A linha de produção
tinha uma vida útil de anos, ao contrário de hoje, onde a "linha de
produção" está em reengenharia permanente para se adaptar à turbulência do
mercado. A função inovação deve estar distribuída em toda a organização.
Uma constatação importante é que uma parcela
das inovações tecnológicas das redes de telecomunicação ainda não foi
disponibilizada para os consumidores finais. Existe uma série de benefícios
potenciais da tecnologia das plataformas de rede ainda sem valor percebido
pelas pessoas comuns. Essas inovações são pagas no ato da compra de uma nova
plataforma de rede, caso uma empresa não consiga ofertar toda a potencialidade
disponível na tecnologia aos clientes finais, entende-se que essas empresas
pagaram por um meio de produção sem utilização prática e retorno financeiro.
Na prática os serviços de telecomunicações
continuam sendo ofertados a partir de um portfólio de serviços em
pacotes fixos, segmentados e pouco flexíveis às necessidades individualizadas
de cada consumidor. Existem evidências que a questão não está na tecnologia
disponível e sim nos modelos de negócios das empresas.
Heitor Quintella (hquintel "arroba" unisys "ponto" com "ponto" br) é professor universitário,
consultor e doutor em engenharia de sistemas e Américo Brígido Cunha é
engenheiro e mestrando em engenharia de produção/UFF (http://www.convergencepro.org/americo).
Referências
BOYNTON, Andrew C.; BART, Victor; PINE II, B. Joseph. New competitive strategies: Challenges to
organizations and information technology.1993. 22 f. IBM Systems
Journal, v. 32, n. 1, p. 40-61. 1993.
KAWASHIMA, Masahisa. Telecom value
chain dynamics and carries' strategies in converged networks. 2002. 104 f.
Dissertação de Mestrado, Engineering Systems Division, Massachusetts Institute
of Technology.
PINE II, B. Joseph. Paradigm Shift: From Mass Production to Mass
Customization. 1991.258 f. Thesis of master of science, Sloan School of
Management, Massachusetts Institute of Technology, Boston, US, 1991.
QUINTELLA,
Heitor L. M. M.; COSTA, Sérgio G. A
informática e a mudança do paradigma competitivo. Artigo Técnico. Revista Conjuntura Econômica, IBRE FGV,
v.51, março, p.34 - 38, 1997.
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