Capacidade inovadora destaca-se em setores tradicionais
O Brasil possui setores da
economia onde a inovação é amplamente reconhecida, como petróleo e
telecomunicações, sendo o investimento estatal o maior responsável por esse
avanço. Atualmente, o Estado procura agir de maneira indireta, formulando e
coordenando políticas públicas orientadas para o desenvolvimento econômico e a
inclusão social, pensando a inovação tecnológica como instrumento fundamental
para atingir esse fim. Neste contexto, surgem outros setores potencialmente
inovadores, que são de interesse estratégico para o país.
As telecomunicações são um
exemplo de como o Estado foi importante para consolidação de uma capacidade
inovadora de ponta, que é característica do setor até os dias atuais. Os
serviços e pesquisas na área começaram a ser realizados por empresas públicas
estaduais e federais, que posteriormente foram reunidas no chamado Sistema
Telebrás (STB), criado na década de 70. O Sistema Telebrás centralizou e
coordenou todas as pesquisas diretamente relacionadas ao setor, além de
realizar parcerias com universidades públicas e empresas privadas, sempre
perseguindo a meta de desenvolver uma tecnologia nacional. Esse processo fez
com que, por exemplo, a primeira central de telefonia digital do Brasil,
inaugurada em 1986, fosse baseada totalmente em tecnologia gerada no país. Tal
fato é considerado um marco das telecomunicações, pois resultou em um modelo
que foi implementado em dezenas de países, incluindo os EUA, coordenado pela
multinacional Lucent. Segundo o engenheiro Guilherme Nunes, que atuou como
perito e relator da União Internacional de Telecomunicações (UIT), esse
processo possibilitou ao país um desenvolvimento bastante adiantado em diversos
campos relacionados à área. "Graças a todo esforço desse período é que
temos um sistema de entrega de imposto de renda via internet ou de apuração de
votos em eleições tidos como os melhores do mundo", afirma.
O modelo começou a ser alterado
em 1995, quando uma emenda constitucional permitiu a entrada de capital privado
no setor. Em 1997, foi aprovada a Lei Geral das Telecomunicações, que passou a
reger a prestação de todos os serviços na área, com exceção de radiofusão e TV
a cabo, e criou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Segundo Nunes,
dadas as condições de desenvolvimento do setor no Brasil, a privatização não
afetou a qualidade do serviço e a capacidade de desenvolvimento tecnológico. O
Estado passou a atuar principalmente na questão regulatória e as pesquisas e a
inovação tecnológica passaram a ser fomentadas por meio de dois fundos
setoriais. O primeiro deles é o Fundo para a Universalização para os Serviços
de Telecomunicações (Fust), criado em agosto de 2000, que é constituído
principalmente, entre outras fontes, por 1% da receita operacional bruta
decorrente da prestação de serviços em telecomunicações. Este recurso deve ser
usado para cobrir parcela do custo relativo ao cumprimento da obrigatoriedade
da universalização dos serviços prestados que não possam ser recuperados
posteriormente com a exploração do serviço. O segundo é o Fundo para o
Desenvolvimento Tecnológico em Telecomunicações (Funntel) ao qual as empresas
devem contribuir com 0,5% da sua receita bruta. Criado em novembro de 2000,
visa incentivar a capacitação de recursos humanos no setor, promover o acesso
de pequenas e médias empresas a recursos de capital e fomentar a inovação
tecnológica.
Guilherme Nunes também defende
que a participação em fóruns internacionais que debatem as telecomunicações é
imprescindível para a manutenção da capacidade inovadora e para a solução de
problemas conjuntos na área. O mais importante desses fóruns é a União
Internacional de Telecomunicações (UIT), orgão da ONU responsável por debater e propor diretrizes para a
infraestrutura do setor nos diversos países membros. O Fórum discute questões
políticas, tais como desregulamentação e privatização, assim como questões
técnicas, como o desenvolvimento de uma convergência das redes de
telecomunicações, entretenimento e informação. Segundo o engenheiro afirma,
recordando um dilema que já existia na década de 70, "não basta ser
competitivo, porque as políticas públicas de proteção ao emprego dos países
ricos impõem barreiras à exportação da
tecnologia nacional e até mesmo da afirmação da nossa própria competência
dentro do país". Para Nunes, toda a tecnologia e competência gerada
necessita, portanto, de uma defesa e de um aprimoramento contínuos, que devem
envolver o governo e as empresas que atuam no setor. Isso exige uma sintonia
entre os setores público e privado, que em grande parte já foi construída:
"A privatização teve um impacto inicial negativo muito pesado, quando
espanhóis e italianos passaram a privilegiar soluções tecnológicas de suas
matrizes. Mas, a medida que conheceram as soluções brasileiras, fruto da
competitividade já mencionada, nossa superioridade foi ampliando a adoção de
nossas tecnologias", afirma. O engenheiro em telecomunicações ressalta, no
entanto, que "esse processo está em curso e demanda um trabalho intenso para uma afirmação contínua da nossa
competência."
O petróleo também apresenta um
quadro semelhante, sendo a Petrobras a referência imediata para pensar o
desenvolvimento e da inovação tecnológica no país. Segundo o professor
Saul Suslick, do Centro de Estudos do
Petróleo da Unicamp, há também um diferencial que garante que a empresa
apresente atualmente um dos maiores índices de completação (a grosso modo , "índice de
aproveitamento") de poços de petróleo do mundo todo. O pesquisador afirma
que isso ocorre porque a empresa sempre teve um planejamento estratégico
adequado às condições de exploração de petróleo no país: "Desde o momento
que percebeu-se que a descoberta de jazidas no Brasil não seria algo fácil,
houve um planejamento muito objetivo visando a formação de recursos
humanos", explica. Suslick menciona que a empresa investiu pesado na
capacitação de centros de pesquisa próprios e em parceria com universidades
públicas em todos país, englobando diversas competências relacionadas à área, como
pesquisa geofísica, engenharia do petróleo e engenharia oceânica, entre outras.
O geólogo afirma que, mesmo importando tecnologia, a empresa jamais teria
atingido o desenvolvimento da capacidade inovadora atual: "Hoje a empresa
está concluindo o domínio de uma tecnologia de exploração em águas profundas em
até 3000 metros abaixo da superfície, o que é mundialmente reconhecido",
afirma.
Suslick também menciona que essa
situação permite fazer bons prognósticos futuros, como o de o Brasil atingir a
auto-suficiência em petróleo até 2006. No entanto, é preciso o país não
descuidar dos mecanismos de fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação
tecnológica. "Mesmo se mantivermos um crescimento econômico anual de 3 a
4% após 2006, será preciso um aumento significativo na oferta, o que implica a
necessidade de investimentos no setor", destaca. Ele afirma também que
outro aspecto da conjuntura atual reforça a necessidade de investimento em
pesquisas para melhor aproveitamento das jazidas descobertas: "Desde a
década de 70 não são descobertos grandes campos e o volume de óleo novo
descoberto vem caindo gradativamente, apesar da tecnologia estar compensando as
dificuldades". Esta situação, porém, não culminará com a extinção das
jazidas, como chegou-se a especular, em função dos sucessivos recordes do preço
do barril no mercado internacional. Trata-se de uma situação momentânea,
resultado de um crescimento econômico inesperado de países como a China, além
dos EUA e da União Européia: "Em
1998 e 1999, o preço do barril estava equivalente a cerca de 7 a 8 US$, a
indústria operava com uma enorme capacidade ociosa e ninguém esperava um
aumento da demanda tão grande".
Questionado se a indústria
petrolífera do país está preparada para enfrentar os desafios futuros em termos
de capacidade inovadora, ele afirma que o atual modelo de fomento é bastante
adequado ao contexto. Entre os principais órgãos e programas relacionados ao
setor está o CTPetro, que é um fundo setorial que serviu de referência para a criação
dos demais fundos e financia tanto a pesquisa básica, como projetos de
inovação, a partir da parceria entre a Agência de Inovação Tecnológica do
Governo Federal (Finep) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
Há também o Programa de Formação
de Recursos Humanos da Agência Nacional do Petróleo (PRH/SDT/ANP), que concede
bolsas de diferentes níveis para pesquisas na área, também com recursos do
CTPetro. Outros mecanismos destacados pelo pesquisador são diretamente ligados
à concessão de exploração do petróleo, garantidos pela legislação que normatiza
o setor: uma porcentagem do volume de capital envolvido na participação da
empresa que explora o serviço, estabelecida por lei, deve ser gasta no seu centro de pesquisa, em projetos de inovação
tecnológica e para adquirir bens, serviços e produtos "de conteúdo
local", ou seja, da região onde ocorre a exploração.
Suslick elogia o modelo devido ao
fato de contemplar a inovação tecnológica sem perder de vista um dos seus
pilares fundamentais, que é a formação de recursos humanos e a pesquisa básica.
No entanto, o grande obstáculo a ser superado é contingenciamento de verbas,
devido a questões macroeconômicas: "O atual modelo, criado em 1997, foi
bom para o país e quebrou uma série de
mitos, como o de que a Petrobras era uma empresa ineficiente. No entanto, ainda
recebemos bem menos verbas do que o que está previsto na lei e no orçamento",
conclui.
Saul Suslick também destaca a necessidade
do país investir mais intensamente em uma política energética integrada,
englobando outras áreas além do petróleo. A opinião é partilhada por Francelino
Grando, secretário de Tecnologia e Inovação do Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT). Grando menciona as tecnologias em energias renováveis e
biomassa como áreas inovadoras nas quais o país pode se destacar futuramente,
juntamente com nanotecnologia, tecnologia de materiais, mecânica de precisão,
aviação, agronegócios e construção de satélites. O secretário menciona que o
Ministério busca, para isto, superar a modesta participação do setor privado no
setor de inovação e a pequena interação entre centros geradores de conhecimento
e empresas. A mais recente iniciativa neste sentido é a recente aprovação da
Lei de Inovação na Câmara dos
Deputados: "É um 'divisor de águas' , na estrutura de fomento, pois,
juntamente com os Fundos Setoriais e com os incentivo para o investimento de
capital de risco, coloca o Brasil no mesmo patamar que as nações mais
desenvolvidas no que diz respeito à estrutura de fomento à ciência, tecnologia
e inovação.", afirma.
Francelino Grando diz também que
o MCT tem se destacado, em toda América Latina, pelo fomento à inovação. Foi o
primeiro organismo de Ciência e Tecnologia, no âmbito do Mercosul, a destinar
recursos orçamentários significativos para capacitação de empreendedores e
incubação de empresas de base tecnológica. Essa iniciativa também têm um
caráter estratégico em termos da Organização Mundial do Comércio (OMC):
"Embora bastante acanhada se comparada com disputas em torno de medidas
protecionistas, emergiu na ultima Reunião Ministerial de Doha a criação de um
Grupo de Trabalho para discutir aspectos da transferência de tecnologia e
comércio", afirma. Grando entende que deverá ficar cada vez mais evidente
que "o hiato tecnológico será o grande fator de exclusão dos países em
desenvolvimento do comércio internacional, mais até do que as proteções
tarifárias". Deste modo, ele reafirma a necessidade do Brasil desenvolver as áreas da inovação em que apresenta
potencialidades, o que é imprescindível para um projeto de desenvolvimento
econômico do país.
(DC)
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