Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil
Carlos Vogt & Marcelo Knobel
A previsão de Einstein de que a luz sofreria desvios ao passar por um campo gravitacional, dada a pouca intensidade do efeito, só poderia ser verificada, experimentalmente, observando-se a passagem da luz por um corpo de grande massa.
Isso se deu em 1919, durante o eclipse solar, cujas observações registradas no nordeste brasileiro, em Sobral, Ceará, foram definitivas para a comprovação da sua teoria.[1]
O próprio Einstein, que deixaria definitivamente a Alemanha pelos EUA, viria ao Brasil em 1925 depois de ter estado na Argentina e no Uruguai, nesse período entre as duas grandes guerras, caracterizado, entre outras coisas, por grandes movimentos de migrações em massa, em virtude da ascensão dos nazi-fascistas ao poder e da instalação dos regimes de terror e perseguições por eles desencadeados.
O Brasil, como outros países, se beneficiou dos movimentos migratórios de grandes cientistas oferecendo, em contrapartida, a partir, sobretudo, dos anos 1930, situações favoráveis, dado o processo de modernização do país, para a prática e o desenvolvimento de pesquisas nos mais diversos campos de atividades do conhecimento, da química à biologia, da física à biofísica, da matemática às ciências humanas, à filosofia, às letras e às literaturas.
Nesse sentido, por exemplo, a vinda de Gleb Wataghin - nascido em Odessa, na Rússia e doutorado em 1922, em Turim, na Itália - para o Brasil inaugurou uma nova concepção do ensino da física e abriu, desde logo, duas correntes de pesquisa em torno das quais se agregaram nomes que depois entrariam definitivamente para a história do desenvolvimento da física moderna no país: em fins dos anos 1930, começo dos anos 1940, uma dessas correntes, voltada para a física teórica, reuniu em torno de Wataghin, os físicos Mário Schenberg, Walter Schutzer e Abraão de Moraes; a outra, voltada para os raios cósmicos, Marcello Dany, Paulus Pompéia e Yolande Monteux.
Wataghin viajou muito e teve contato com muitos dos grandes cientistas da época, entre eles Lorde Rutherford, Niels Bohr, Heisenberg, Pauli, Max Born e o seu papel fundador e inovador para a pesquisa científica brasileira foi fundamental.
Essa herança permanece até hoje inconteste nas melhores universidades do país, caso da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujo Instituto de Física leva, por reconhecimento e respeito, o seu nome, além de outras instituições em que discípulos de seus discípulos, por gerações distintas, mantêm vivas as linhas de pesquisa por ele criadas e as relações internacionais de cooperações motivadas por sua vinda e por sua atuação.
Se o Brasil teve, alguma vez, chance de chegar ao Prêmio Nobel, foi nessa linha de pesquisa dos raios cósmicos, aqui instalada e implementada por Wataghin, quando, com 23 anos, César Lattes, em 1947, consagra-se, internacionalmente, como um dos descobridores da partícula méson pi, fato que por si só alavancou, num sopro de entusiasmo e fortalecimento, a física no Brasil.
Com características próprias, percursos análogos seriam trilhados por outras áreas do conhecimento, entre elas a biologia, a química, as humanidades, que receberam para o seu desenvolvimento a forte contribuição de pesquisadores estrangeiros no país, vindos, muitas vezes, em missões oficiais organizadas para os fins específicos de cooperação científica.
II
O esforço científico no Brasil que remonta, ainda que timidamente, nas suas origens, ao século XVIII, ganha um pouco mais de fôlego com a vinda da família real em 1808 e, em seguida, com a independência política em 1822. Durante o primeiro e o segundo Império são criadas algumas instituições importantes, mas é a partir da República, em 1889, sob a forte influência do positivismo que o país começa a organizar mais sistematicamente a institucionalidade das atividades científicas nacionais.
A partir dos anos 1920 e mais especificamente dos anos 1930, marco da modernização do país, esse esforço institucional acentua e resulta, como dissemos, na criação de universidades e centros de pesquisa cujo papel na história mais recente do nosso desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para a qualidade e a quantidade da produção do conhecimento no Brasil.
Tal é o caso da criação da USP, em 1934, que permitiu a vinda de várias missões culturais e científicas de diferentes países e que contribuíram fortemente para este esforço de organização.
O ponto culminante nesse processo de institucionalização do fazer científico no Brasil dá-se com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), que teve mais tarde o nome alterado para Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, mantendo, contudo, a mesma sigla, e com a fundação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ambos em 1951.
Os objetivos dessas duas instituições eram, desde a origem, claramente complementares: o CNPq para cuidar do fomento à pesquisa e a Capes, do apoio à formação de competências para a realização dessa pesquisa e seu papel na implementação e na organização da atividade científica no Brasil foi e tem sido fundamental.
Interessante observar, na linha da abertura deste artigo, que a criação do CNPq obedeceu também, de certa forma, a lógica do esforço de guerra que, ao lado das catastróficas conseqüências que traz para a humanidade, faz-se, de um modo geral, acompanhar-se, qual penitente antecipado, de avanços e progressos científicos e tecnológicos comprometidos sempre com alguns benefícios institucionais e sociais[2].
A criação do CNPq, não foge ao padrão. Resultado da iniciativa de vários pesquisadores e cientistas teve, na liderança do Almirante Álvaro Alberto e nas preocupações da época com o domínio e o controle dos segredos científicos e tecnológicos da energia nuclear e de suas aplicações, inclusive para fins militares e/ou estratégicos na redivisão do mundo do pós-guerra e da guerra fria que o sustentaria redividido.
III
Independentemente das motivações circunstanciais que cercaram sua fundação, o fato é que o CNPq, ao longe deste mais de meio século de existência cumpriu, - às vezes, com altos e baixos sempre em virtude de circunstâncias políticas -, o papel a que foi destinado no cenário do desenvolvimento científico e tecnológico do país. O mesmo se pode dizer da Capes no que concerne à sua atuação no aperfeiçoamento e na formação de pessoal de nível superior.
Veja-se, a título de ilustração alguns dados indicadores relativos ao CNPq e à Capes nas Figuras 1 e 2.
Figura 1. Formação de Recursos Humanos CNPq e CAPES - Bolsas Concedidas de 1991 a 2001, Mestrado (M) e Doutorado (D). Ref. Sandoval Carneiro Jr. E Ricardo Lourenço "Pós-Graduação e Pesquisa na Universidade", em: Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, org. E.Baumgratz Viotti e M. de Matos Macedo, Ed. da Unicamp, 2003, p. 200.
Fig. 2. Tendência do número de mestres e doutores formados por ano, desde 1991. Em 2001 esses números representam 3,5 doutores titulados para cada 100 mil habitantes e 11,4 mestres titulados para cada 100 mil habitantes. Vale a pena comparar esses números com dados de 1999 para os EUA, que tiveram 15,1 doutores titulados para cada 100 mil habitantes, por exemplo. Ref. Sandoval Carneiro Jr. E Ricardo Lourenço "Pós-Graduação e Pesquisa na Universidade", em: Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, org. E.Baumgratz Viotti e M. de Matos Macedo, Ed. da Unicamp, 2003, p. 190.
Em 1962 dá-se o fato regional mais relevante para a história da pesquisa científica no Brasil. Depois de alguns anos de idas e vindas políticas é criada a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Sua importância para o fomento e para o equilíbrio complementar e eficaz das políticas de C&T no país pode ser medida pelo fato de que São Paulo é hoje responsável por mais de 50% da produção científica no Brasil, contando, além da USP, com instituições de grande expressão acadêmica nacional e internacional.
É o caso da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fundada em 1966, o caso da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (Unesp), criada em 1976, bem como o de várias outras instituições de pesquisa, algumas delas seculares como o Instituto Agronômico de Campinas, ou o Instituto Butantan que embora fundado em 1901, incorporou instituições mais antigas, quais sejam o Instituto Vacinogênico, fundado em 1892 e o Instituto Bacteriológico, de 1893. Da década de 1930 até o final do século passado o sistema de universidades públicas federais cresce e amplia o número de instituições que o integram distribuindo-se por todas as regiões do país e desempenhando um papel fundamental no ensino superior e nas pesquisas nacionais.
Tabela 1. Concessões da Fapesp durante o ano de 2003, para as diferentes linhas de apoio que esta Fundação mantém, com os respectivos percentuais que essas concessões representam. Os valores estão em Reais (R$). 2,8 R$ = 1 US$ (média aproximada do ano 2003).
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CONCESSÕES
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ÍTENS
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|
R$
|
%
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BOLSAS NO EXERCÍCIO
|
|
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No País
|
132.708.184,00
|
37,40
|
No Exterior
|
3.167.837,00
|
0,89
|
SUBTOTAL 1
|
135.876.021,00
|
38,30
|
AUXÍLIOS
|
|
|
Linha Regular de Auxílio à Pesquisa
|
109.279.381,00
|
30,80
|
Projetos Temáticos
|
36.754.224,00
|
10,36
|
SUBTOTAL A
|
146.033.605,00
|
41,16
|
PROGRAMAÇÃO ESPECIAL
|
|
|
Jovem Pesquisador
|
12.117.983,00
|
3,42
|
Ensino Público
|
889.186,32
|
0,25
|
Mídia Ciência
|
136.290,00
|
0,04
|
Capacitação Técnica
|
3.217.113,00
|
0,91
|
Apoio à Infra-estrutura
|
2.222.624,00
|
0,63
|
Rede ANSP
|
10.905.563,00
|
3,07
|
SUBTOTAL B
|
29.488.759,32
|
8,31
|
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
|
|
|
Biotecnologia Molecular: Genoma
|
5.206.551,00
|
1,47
|
Biotecnologia/Biodiversidade: Biota
|
4.426.749,00
|
1,25
|
Políticas Públicas
|
3.055.245,00
|
0,86
|
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão
|
12.047.229,00
|
3,40
|
Parceria para Inovação Tecnológica
|
5.866.727,00
|
1,65
|
Inovação Tecnológica em Pequena e Micro Empresa
|
12.066.861,00
|
3,40
|
Apoio a Propriedade Intelectual / PAPI - Nuplitec
|
586.038,00
|
0,17
|
Consitec
|
147.665,00
|
0,04
|
SUBTOTAL C
|
43.403.065,00
|
12,23
|
SUBTOTAL 2 (A+B+C)
|
218.925.429,32
|
61,70
|
TOTAL DE CONCESSÕES PARA 2003
|
354.801.450,32
|
100,00
|
Em 1967 é criada em nível federal a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em 1969 é lançado o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em 1985 é criado o Ministério de Ciência e Tecnologia, em 1988 a nova Constituição Federal autoriza a criação das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP's), nos diversos estados da nação, num movimento iniciado, em 1962, com a fundação da Fapesp no estado de São Paulo e dentro da lógica da integração regional no concerto das políticas nacionais de ciência e tecnologia.
Em 1994, cria-se a Agência Espacial Brasileira, em 1976 reinstala-se o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia presidido pelo presidente da República, em 1997 organizam-se os Fundos Setoriais, numa obra de linhas arrojadas e modernas na arquitetura das políticas de financiamento da pesquisa científica, tecnológica e de inovação que desenharam espaços dinâmicos na interface das relações entre o meio acadêmico e o meio empresarial no Brasil, em 2001 dá-se, em Brasília a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia que permite fazer um balanço nacional das políticas no setor, os avanços, as urgências, os problemas a serem enfrentados, os objetivos e metas a serem atingidas, a avaliação crítica do sistema como um todo.
A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, veio consolidar, no Brasil, uma vocação que se anunciava desde o início do processo de institucionalização da pesquisa científica e tecnológica, qual seja, a da pesquisa voltada para o agro-negócio, atividade que continua a desempenhar um papel de ponta na economia nacional. A titulo de exemplo, é interessante ilustrar a evolução da safra brasileira de grãos, que aumentou de 39,4 milhões de toneladas em 1975 para 116,3 milhões de toneladas em 2003 (aumento de quase três vezes), enquanto que a área colhida aumentou apenas 1,3 vezes, de 32,9 milhões de hectares em 1975 para 42,3 milhões de hectares em 2003. Esse aumento considerável na produtividade fez com que o Brasil consolidasse o papel de liderança em diversos produtos agrícolas, como o açúcar, suco de laranja e café, onde ocupa a primeira colocação, e com soja, carne bovina e frango, onde ocupa a segunda colocação mundial.
IV
Vivencia-se, desse modo, no país, um esforço permanente para criar as condições de competitividade que lhe permitam participar mais efetivamente da distribuição da riqueza, hoje cada vez mais concentrada em alguns poucos países pelos efeitos da globalização da economia.
E pior, a acreditar-se no que os analistas e a imprensa anunciam, o mundo corre o risco de ser arrastado para a recessão pelas próprias economias concentradoras da riqueza: EUA, Europa e Japão.
Mas o Brasil se esforça, consciente de que, no cenário da nova economia, o futuro dos exportadores de matéria prima é curto e inseguro. Produzir valor agregado é o desafio e para tanto, Ciência, Tecnologia e Inovação (C, T&I) são indispensáveis.
Já se falou muito e já se escreveu bastante sobre a imperiosa necessidade de o Brasil criar, com urgência, uma cultura empresarial em que o risco faça parte dos investimentos e em que os investimentos de risco constituam, como nos países ricos, fontes efetivas de financiamento da pesquisa tecnológica nas empresas.
O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) tem procurado, nos últimos anos, aumentar consideravelmente a capacidade de indução das políticas públicas do setor, motivando as parcerias estratégicas entre governos, empresas e universidades, multiplicando sua capacidade de investimento através da criação dos fundos setoriais, buscando modernizar a gestão do sistema, quer pela agilização das instituições de fomento, quer pela criação da Agência de Gestão Estratégica, em 2001, quer ainda pela tentativa de abrir cada vez mais os procedimentos à participação efetiva da ponta do sistema, isto é, de seus usuários, na gestão eficiente e crítica de seu funcionamento.
As publicações do Livro Verde da Sociedade de Informação, e, mais recentemente, do Livro Verde da Ciência, Tecnologia e Inovação testemunham esse esforço em constituir marcos de referência importantes para a discussão e o aprimoramento das políticas de desenvolvimento no país.
As Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) com capacidades diferenciadas de ação, dependendo das políticas dos governos estaduais, têm um potencial de atuação nas regiões dos estados muito grande e fundamental para o desenvolvimento equilibrado das pesquisas científicas e tecnológicas no país, como um todo.
Entretanto, de todas essas Fundações, a que tem, até hoje, maior organicidade, regularidade, sistematicidade e capacidade de investimento é a Fapesp, que se destaca ainda por ser, atualmente, uma das principais formuladoras de boas e eficazes políticas públicas para o setor.
Infelizmente, na maior parte dos estados, as FAPs ou não foram sequer implantadas, ou, quando foram, funcionam mal e parcamente, em geral, por falta de visão dos governos estaduais que têm, aliadas a dificuldades orçamentárias, muitas estreitezas de trajetos.
Transformar conhecimento em riqueza é o grande desafio contemporâneo para países em desenvolvimento, ou, na nova nomenclatura, emergentes como o Brasil.
Vários são os indicadores que mostram, nos últimos 20 anos, mudanças positivas no país, com índices de desenvolvimento bastante favoráveis.
É assim quando se consideram os dados dos IBGE para 1999 e os índices publicados no Livro Verde de C, T&I e se observa flagrante diminuição nas taxas de analfabetismo da população, no aumento das taxas de escolaridade das pessoas de 7 a 14 anos, nos gastos com a educação, maiores que 5% do PIB, acima da Argentina, da Itália e da Alemanha, na expectativa de vida que de 43 anos na década de 1930 é hoje de 71 anos (dados de 2002, e assim o Brasil fica na 88ª posição no ranking da ONU, situando-se acima da média mundial de 65,4 anos), na queda da taxa de mortalidade infantil, medida por cada 1.000 crianças até 1 ano de idade, que em 1950 era de 130, 86 em 1980 e em 2000, 28,7 (para o ano 2000), e, enfim, no acesso a serviços, como iluminação, água, coleta de lixo, telefone, que antes estavam restritos a uma parcela muito pequena da população.
Do ponto de vista da participação do país na produção do conhecimento científico mundial é sabido que a mesma subiu de 0.6% para 1.2%, considerando-se aí apenas as publicações indexadas, o que o número de doutores que formávamos anualmente em 1980 era de 500, subindo para 1.500 em 1990 e para mais de 6.000 em 2001, isso sem contar os mestres formados (ver Figuras 1 e 2). Uma idéia quantitativa da magnitude da ciência brasileira, no que se refere a suas intituições, grupos e pesquisadores, pode ser vista na Tabela 2, que mostra a evolução nos indicadores recolhidos pelo CNPq nos últimos dez anos.
A ciência brasileira tem reconhecimento internacional e o Programa Genoma da Fapesp é, nos dias de hoje, a prova viva desse reconhecimento.
Tabela 2. Número de insituições, grupos e pesquisadores doutores, 1993-2002, obtida a partir do cadastro de grupos de pesquisa do CNPq. Ref. Sandoval Carneiro Jr. E Ricardo Lourenço "Pós-Graduação e Pesquisa na Universidade", em: Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, org. E.Baumgratz Viotti e M. de Matos Macedo, Ed. da Unicamp, 2003, p. 216.
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1993
|
1995
|
1997
|
2000
|
2002
|
Instituições
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99
|
158
|
181
|
224
|
268
|
Grupos
|
4.402
|
7.271
|
8.632
|
11.760
|
15.158
|
Pesquisadores (P)
|
21.541
|
26.799
|
34.040
|
48.781
|
56.891
|
Doutores (D)
|
10.994
|
14.308
|
18.724
|
27.662
|
33.947
|
(D)/(P)
|
51
|
53
|
55
|
57
|
60
|
Parcela significativa da tendência de crescimento observada decorre do aumento do número de instituições
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Por outro lado, sabe-se também que a parcela da população brasileira que forma nossa comunidade científica é ainda muito pequena (0.1% do total, contra 0.4%, na Coréia do Sul e 0.8%, nos EUA) e, o que é mais grave, apenas 11% desse número já restrito, atua em centros de pesquisas empresariais.
Em outras palavras, apesar da comunidade científica não ser tão grande como o desejável, a ciência no Brasil vai bem e a tecnologia vai mal.
Vai mal também o acesso de nossos jovens entre 18 e 24 anos, na idade de estarem freqüentando cursos superiores, às universidades públicas.
No Brasil, como um todo, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) do Ministério de Educação (MEC), de 1999, a proporção de candidatos/vagas para nossas escolas de terceiro grau é de 3,74. Em São Paulo, o estado mais importante da união, do ponto de vista de produção de C, T & I, essa relação é de 2,85, mas quando consideradas só as universidades públicas ela sobe para 13,75.
Há, nesse cenário, um desafio complexo e urgente a enfrentar, ou seja, o de preservar as grandes conquistas que o sistema de pós-graduação realizou nos últimos 20 anos, no país, principalmente nas universidades públicas, mantendo-lhe as condições de qualidade e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, aumentar sensivelmente a capacidade de atendimento à demanda crescente para nossos cursos de graduação oferecidos pelo sistema público de ensino superior, com acréscimo constante de qualidade.
Nesse particular, desenha-se um outro desafio, tão urgente quanto o anterior, que é o de promover a qualificação maciça do sistema privado de ensino superior no país, que ainda deixa muito a desejar.
Uma medida, de caráter jurídico-institucional, a ser discutida e implantada no país seria a que propusesse, legislando para a frente, a constituição obrigatória do sistema privado como fundacional, portanto sem fins lucrativos que não fossem senão os do lucro institucional. É assim que funciona, na sua quase totalidade, o sistema de ensino superior nos EUA, sempre tão citado em exemplo e exemplaridade para o que deveria ser feito no Brasil.
Aliado a esses desafios permanece aquele outro, já histórico, da autonomia de gestão financeira das universidades federais, sistema há anos implantado nas estaduais paulistas com bons resultados e, é claro, com a necessidade constante de ajustes finos para o seu aprimoramento.
Com esse desafio, pontua-se outro, que por ser endêmico é também uma ameaça às nossas instituições públicas de ensino superior: a falta de uma política de recursos humanos adequada aos objetivos, tarefas e missões das universidades, e a conseqüente política salarial mambembe e arrasadora dos melhores propósitos de ensino, pesquisa e extensão.
Compute-se ainda a classificação do país no anonimato gritante de 65º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, em 2003 (com dados de 2001) e de 43º lugar, entre 72 países, no Índice de Desenvolvimento Tecnológico, também da ONU, em 2001, com não mais que duas patentes por milhão de habitantes, sendo 8 na Argentina e 779, na Coréia do Sul.
Vários alertas e metas diversas foram lançadas ao longo dos últimos anos, o que mostra que consciência e percepção do problema não faltam. Falta mesmo é resolvê-lo.
Em 1996 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o IPEA, no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil apontavam para a nossa baixa competitividade nos mercados internacionais. O governo federal já anunciou em 1999 a meta de exportar US$ 100 bilhões até 2002. Mal passamos da metade.
Também em 1999 o documento Agenda 21 Brasileira - bases para discussão faz de maneira pertinente um quadro da ciência, da tecnologia e da inovação no Brasil, apontando a receita que todos sabemos boa, mas cujo ponto está difícil de acertar: "O Brasil precisa construir um sistema verdadeiramente inovador em C&T, não adaptador de inovações já superadas em outros países, ou que tenham alto custo com reflexos sobre o balanço de pagamentos".
Há, ao lado disso, os grandes desafios que se renovam pelos males que permanecem: a péssima e injusta distribuição de renda, a escravidão, o clientelismo, a exclusão social de grande parte da população, a violência disseminada, a morte banalizada, a vida atormentada e insegura, o crime organizado, as drogas, a delinqüência dos jovens de classe média, o desemprego, a indigência ética, a corrupção instalada nos poderes públicos e que, com esperança, trabalho e persistência vai se mostrando e diminuindo, embora se amplifique exatamente porque se mostra à imprensa, à mídia e à opinião pública.
No caso de nosso sistema de formação de novos pesquisadores e cientistas é preciso também considerar o desafio de motivar o mercado de trabalho para a absorção e integração desses profissionais. Dos mais de 6.000 doutores formados em 2001, só pouco mais de 2.000 têm vínculo empregatício, sem falar nos mais de 19.600 mestres. O setor empresarial precisa urgentemente ajudar a buscar respostas para essa oferta, sob pena de que o esforço despendido ao longo desses últimos 20 anos seja ele também desperdiçado, como outros que se perderam em décadas passadas.
Há, pois, discussões a avançar, diagnósticos a ajustar, marcos pragmáticos a constituir e ações efetivas a desencadear, concatenando-as dentro dos objetivos comuns da produção do conhecimento e de sua urgente transformação em riqueza econômica, social e cultural para o país.
[1] Cabe destacar, entretanto, que as conclusões obtidas a partir dessas medições são debatidas até hoje. Aparentemente, os resultados obtidos em Sobral, assim como os obtidos na Ilha de Príncipe, na costa da África, não foram tão conclusivos em favor da teoria de Einstein como freqüentemente relatado. Neste episódio, a imprensa, e em particular do jornal londrino The Times, teve um papel relevante em consolidar uma teoria mesmo antes de sua comprovação científica definitiva (ver Science in Public: Communication, Culture and Credibility, J. Gregory e S. Miller, Perseus Publ., 1998, pp. 140-148.
[2] Veja-se a esse propósito, por exemplo, o depoimento do físico Oscar Sala, publicado no livro Cientistas do Brasil, SBPC, São Paulo, 1998, p. 759: "[...] em 1941, o Brasil entrou na guerra e o Damy, que estava na Inglaterra, e o Pompéia em Chicago, voltaram, e assumiram, no Brasil o projeto Sonar, da Marinha do Brasil, para detecção de submarinos na costa brasileira. O Wataghin estava interessado em continuar as experiências sobre os chuveiros penetrantes de raios cósmicos, que, publicadas em 1940, davam a Wataghin, Damy e Pompéia a descoberta de que as partículas detectadas não eram de origem eletromagnética, mas eram provenientes de condições energéticas nucleares... Wataghin se propunha a estudar os chuveiros produzidos localmente, quer dizer, perto do ponto onde se dava a colisão, para saber se havia produção múltipla de partículas... Durante a guerra trabalhei sozinho com Wataghin, construindo todos os circuitos dos contadores Geiger, que tínhamos de boa qualidade, deixados no Departamento pela expedição Compton. Fizemos os primeiros testes no laboratório, na Física, que era na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 124 (...) Fizemos a montagem e começamos as medidas, no ático da Faculdade de Medicina como primeiro ponto da curva de absorção em função da altura. O nosso arranjo era constituído de chumbo, para eliminar os "chuveiros" de origem eletromagnética, e sobre esse chumbo colocávamos grande quantidade de parafina ou água. Os "chuveiros" produzidos nessa parafina, ou água, então eram showers localmente produzidos. Eram medidas demoradas, levavam dez meses contínuos. Fizemos as medidas aqui e depois fomos para Campos do Jordão, perto do pico de 2000 e tanto, quase três mil metros, no Umuarama, para registrar um outro ponto, e depois fizemos medidas com aviões da FAB. Os resultados foram publicados, em trabalhos de 1944/45. O importante, nesse período, é que trabalhei praticamente sozinho, pois o Wataghin era um teórico. Eu cuidava das experiências na Medicina, em Campos do Jordão e assim por diante. Mas eu tinha uma interação muito grande com o Damy e o Pompéia, principalmente, e, como físicos experimentais, eu discutia muito com eles. Por causa disso, também como eles comecei a participar da parte da defesa, construindo para o exército um transmissor portátil que foi levado para a Itália [com a Força Expedicionária Brasileira, que lutou contra o "Eixo" Itália, Alemanha, Japão, na segunda guerra mundial (1941-1945)]."
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