Editorial:
Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios e contraponto
Carlos Vogt
Reportagens:
MCT busca construir agenda para a ciência brasileira
Sistema de C & T é gerido por diversas instituições
Fundos garantem injeção de novos recursos à tecnologia
Programas especiais financiam pesquisas
Fapesp é modelo no fomento à ciência e tecnologia
A inovação tecnológica nas grandes empresas
Incubadoras geram empregos e inovações
Comunidade científica faz prévia para conferência nacional
O Brasil tem cientistas, mas faltam empregos
Artigos:
O intinerário da pesquisa no Brasil:
Evando Mirra
Os desafios para transformar conhecimento em valor econômico:
Roberto Nicolsky
Livro Verde pode ampliar conceito de política científica:
Ulisses Capozoli
Interação Rhodia-universidades no Brasil:
Saul D'Ávila
Quando o setor produtivo faz C&T:
Adermerval Garcia
Poema
Bibliografia
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O Brasil tem cientistas, mas faltam empregos

Em 1998, quando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) completou 50 anos, os cientistas brasileiros foram homenageados com a publicação do livro Cientistas do Brasil: depoimentos, que conta a trajetória de personagens que tiveram um papel fundamental no desenvolvimento científico brasileiro. Apesar de tratar de um número reduzido de cientistas, o livro conta histórias que têm o poder de surpreender e encantar muitos daqueles que pretendem seguir esta carreira. E quem são os novos cientistas?

Os pesquisadores que irão atuar nas instituições de pesquisa, universidades ou empresas, são formados quase que em sua totalidade, na universidade pública, nos programas de mestrado e doutorado que essas instituições mantêm.

Os dados sobre a pós-graduacão no Brasil evidenciam que houve grande expansão nos anos 90, tanto no que se refere ao número de alunos e de cursos, como nos recursos para bolsas. Houve também um aumento considerável da produção científica, medida pelo número de artigos publicados. Pelos dados fornecidos pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é possível avaliar esse crescimento: em 2000, 18.374 alunos receberam o título de mestre e 5.344 alunos o de doutor, o que representa um crescimento de 76% sobre o número geral de titulados em 1996.

O crescimento da pós-graduação e, conseqüentemente, o da produção científica, está relacionado ao apoio definitivo das agências de fomento. O número total de bolsas de doutorado e mestrado concedidas pelo conjunto das agências federais (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e Capes) deu um grande salto, de menos de 10 mil bolsas, em 1980, para mais de 30 mil bolsas em 2000. Mas, apesar de fundamental, a oferta de bolsas no país não tem acompanhado o crescimento acentuado de mestres e doutores.

No estado de São Paulo, nos últimos seis anos o número de bolsas concedidas pela Fapesp apresentou aumento significativo, de 3.556 em 1996, para 9.754, em 2000. O aumento da demanda por bolsas decorre principalmente do crescimento do sistema de pesquisa e demonstra a vitalidade dos Programas de Pós-Graduação, hoje consolidados no estado, e também do decréscimo da oferta de bolsas pelas agências federais nesse período para a região Sudeste. Das bolsas em vigência em fevereiro deste ano, entre bolsas para mestrado e doutorado, 6049 eram concedidas pela Fapesp, 4302 pela Capes e 4075 pelo CNPq.

A distribuição regional dos cursos de pós-graduação no Brasil é bastante irregular. Os dados apresentados pela Capes mostram que a região Sudeste é a maior concentradora desses cursos, com 61,5% do total. Uma das conseqüências dessa desigualdade regional é o impedimento da formação de um maior número de candidatos a bolsas em regiões brasileiras menos favorecidas, ou seja, Norte e Nordeste. O estado de São Paulo, que concentra os recursos das principais agências federais (Capes e CNPq), com seus 92% de bolsistas de doutorado e 71% de mestrado, conta ainda com o apoio fundamental da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp). A Fapesp tem seu orçamento vinculado por lei à arrecadação do estado, que repassa 1% do orçamento à instituição.

Muitos fatores determinam uma carreira dedicada à ciência. Em primeiro lugar, nem todos os alunos de mestrado têm interesse em seguir a carreira acadêmica. Alguns vêem o mestrado como um estágio terminal de sua graduação, um diferencial que pode ajudá-los no mercado de trabalho. Deste modo, a formação dos mestres brasileiros tem sido tema de grandes discussões. A pergunta que se faz é se o objetivo do mestrado é formar profissionais que irão atuar como pesquisadores nas universidades, em institutos de pesquisa - públicos ou privados - ou em funções administrativas no mercado de trabalho.

Em situação bem diferente estão os doutores, para quem a situação parece ser bem mais definida: formam-se com o objetivo de serem pesquisadores independentes, e apresentam uma vocação muito mais clara para a docência.

Léa Velho é autora do livro que traça o perfil de pós-graduandos no Brasil

Os pesquisadores Léa Velho e Jacques Velloso, no livro Mestrandos e Doutorandos no País: trajetórias de formação, expõem os resultados de um estudo inédito realizado no Brasil sobre o tema. Eles traçam o perfil dos mestrandos e doutorandos "típicos", e mostram também aqueles que se enquadrariam no que eles chamariam de "exceções".

Segundo a caracterização feita pelos pesquisadores, o típico mestrando brasileiro ingressa no curso com idade aproximada de 30 anos, cerca de 5 anos após a graduacão. A tendência é trabalharem algum tempo antes de ingressar no doutorado, e suas aspirações profissionais de longo prazo convergem para a academia. A exceção a este perfil, são os alunos que ingressaram em programas de iniciação científica. Nesse caso, seguem praticamente direto para o mestrado, com menos idade e se formam em menor tempo.

Já os doutores típicos, segundo os resultados da pesquisa de Velho e Velloso, começam seu curso com idade média de 35 anos. Contudo, se tiverem participado de programas que concedem bolsas durante a graduação e, sobretudo, se fizerem parte de programas das áreas de ciências biológicas ou engenharias, costumam ingressar mais jovens no curso, terminando-o mais rapidamente. No doutorado, há um pequeno predomínio de homens, e as mulheres estão vinculadas principalmente aos programas de ciências biológicas ou à área que abrange Linguística, Letras e Artes.

Os pesquisadores salientam a grande importância da política de concessão de bolsas adotada no Brasil para o fomento ao interesse dos alunos pela ciência e por possibilitar que muitos permaneçam na universidade.

Elena Paola G. Jaime, aluna de doutorado, presidente da Associação de Pós-Graduandos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, e bolsista do CNPq, afirma que veio da Colômbia para o Brasil para realizar sua pós-graduação, devido à ampla divulgação de que Brasil é um país que investe em ciência e pesquisa de forma muito mais efetiva que os demais países latino americanos.

Mercado de trabalho
O Brasil dispõe hoje de uma base de recursos humanos altamente qualificada que, no entanto, encontra dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, já estagnado. Elena Jaime, acredita que o Brasil ainda não está preparado para absorver todo o pessoal que vem formando. "Eu vejo com um pouco de preocupação o fato de as pessoas na metade do doutorado estarem pensando em pós-doutorado, no qual terão a chance de receber uma outra bolsa, o que atualmente é uma boa alternativa devido a falta de empregos", diz. Para ela, a maior preocupação é ainda outra. "Até quando pode-se viver de bolsas de estudo? E quando haverá o retorno do investimento que o governo está fazendo nos pós-graduandos?". Jaime ressalta que a grande maioria de seus colegas de pós-graduação não encontram colocação compatível com sua formação e que a falta de empregos é a principal preocupação de todos eles.

Carolina Flores Quintana, que veio da Argentina para realizar doutorado na Unesp, acredita que, apesar das dificuldades, a educação e formação de pessoas sempre oferece melhores possibilidades. Para ela, "a falta de emprego é um problema generalizado, independentemente da formação, por isto é bom estar preparado para quando a oportunidade chegar. O Brasil dá as ferramentas que nem todos países dão".

A espera por concursos públicos extremamente concorridos, em universidades ou centros de pesquisa, tem sido freqüente. As empresas privadas pouco têm contribuído na oferta de empregos para profissionais altamente qualificados. Deborah Ismael, foi aprovada em primeiro lugar em concurso realizado há poucos meses pela Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), do qual participaram muitos outros pesquisadores em situação semelhante a de Ismael. Infelizmente, o número de vagas não era suficiente para todos os concorrentes, apesar da alta qualificação dos candidatos.

Bolsas de mestrado e doutorado são auxílios financeiros que as instituições de pesquisa destinam aos cientistas para que desenvolvam projetos de pesquisa na pós-graduação. Elas não significam vínculos empregatícios, exigem dedicação integral e não podem ser somadas a nenhum tipo de salário. O pesquisador com bolsa não tem direito a férias, 13o salário, nem assistência médica. Atrasos no pagamento não são raros para os bolsistas de instituições federais.

Valores das bolsas

AGÊNCIA

MESTRADO

DOUTORADO

Capes/CNPq

724,52

1072,89

Fapesp

970,00 a 1030,00

1430,00 e 1770,00

Até então, a pesquisadora vinha traçando um rumo muito semelhante a de outros cientistas. Ismael é graduada em ciências biológicas, mestre na mesma área pela USP, e realizou parte do doutorado em ciências na Alemanha. Ela tem ainda aperfeiçoamento e pós-doutorado, e foi bolsista durante toda sua formação. Ingressou como pesquisadora visitante de um dos Centros de Pesquisa da Unesp onde recebeu bolsa de estudos, pois não havia possibilidade de contratação. Durante o período em que aguardava por um concurso público, recebeu bolsa de estudo da Fapesp, através de um programa de apoio a Jovem Pesquisador em Centros Emergentes.

A longa espera por uma colocação não tirou da pesquisadora a crença no sistema de pós-graduação no país. "A formação de mestres e doutores no Brasil é de extrema importância, contudo deve-se atentar para a qualidade dos cursos, para que a simples aquisição do certificado não seja o diferencial, mas sim a capacitação profissional de nossos pós-graduandos", destaca Ismael. A pesquisadora lembra ainda que, somente a realização de um bom curso resulta no aprendizado adequado, o que implica em conhecimentos para o planejamento de um projeto, a execução do mesmo, a elaboração de manuscritos de boa qualidade e, conseqüentemente, trabalhos publicados em revistas de relevância na área.

Em seu livro, Velho e Velloso demonstram acreditar que os doutores têm consciência das limitações do mercado de trabalho brasileiro, que se restringe às universidades e institutos de pesquisa.

Várias iniciativas têm sido tomadas para tornar as empresas parceiras deste sistema de formação e aproveitamento desses profissionais altamente qualificados. O Livro Verde - documento elaborado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia com o intuito de discutir as diretrizes que o sistema de C&T deve seguir nos próximos dez anos - chama a atenção para a importância da criação de uma lei da inovação que permita uma maior mobilidade dos pesquisadores entre universidades e empresas. Segundo as informações contidas neste livro, novos projetos cooperativos, redes temáticas e outras experiências já estão sendo viabilizadas e podem contribuir para favorecer um ambiente favorável à inovação tecnológica, o que certamente poderá gerar novos empregos. Enquanto isto, nas bancadas dos laboratórios os pesquisadores ainda sem emprego continuam sua jornada, movidos pelo amor à ciência e por esperanças depositadas nos tão esperados e raros editais de concursos.

Atualizado em 10/09/2001

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