O
Brasil tem cientistas, mas faltam empregos
Em
1998, quando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) completou 50 anos, os cientistas brasileiros foram homenageados
com a publicação do livro Cientistas do Brasil: depoimentos,
que conta a trajetória de personagens que tiveram um papel
fundamental no desenvolvimento científico brasileiro. Apesar
de tratar de um número reduzido de cientistas, o livro conta
histórias que têm o poder de surpreender e encantar
muitos daqueles que pretendem seguir esta carreira. E quem são
os novos cientistas?
Os
pesquisadores que irão atuar nas instituições
de pesquisa, universidades ou empresas, são formados quase
que em sua totalidade, na universidade pública, nos programas
de mestrado e doutorado que essas instituições mantêm.
Os
dados sobre a pós-graduacão no Brasil evidenciam que
houve grande expansão nos anos 90, tanto no que se refere
ao número de alunos e de cursos, como nos recursos para bolsas.
Houve também um aumento considerável da produção
científica, medida pelo número de artigos publicados.
Pelos dados fornecidos pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes) é possível
avaliar esse crescimento: em 2000, 18.374 alunos receberam o título
de mestre e 5.344 alunos o de doutor, o que representa um crescimento
de 76% sobre o número geral de titulados em 1996.
O crescimento
da pós-graduação e, conseqüentemente,
o da produção científica, está relacionado
ao apoio definitivo das agências de fomento. O número
total de bolsas de doutorado e mestrado concedidas pelo conjunto
das agências federais (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq e Capes) deu um grande
salto, de menos de 10 mil bolsas, em 1980, para mais de 30 mil bolsas
em 2000. Mas, apesar de fundamental, a oferta de bolsas no país
não tem acompanhado o crescimento acentuado de mestres e
doutores.
No
estado de São Paulo, nos últimos seis anos o número
de bolsas concedidas pela Fapesp apresentou aumento significativo,
de 3.556 em 1996, para 9.754, em 2000. O aumento da demanda por
bolsas decorre principalmente do crescimento do sistema de pesquisa
e demonstra a vitalidade dos Programas de Pós-Graduação,
hoje consolidados no estado, e também do decréscimo
da oferta de bolsas pelas agências federais nesse período
para a região Sudeste. Das bolsas em vigência em fevereiro
deste ano, entre bolsas para mestrado e doutorado, 6049 eram concedidas
pela Fapesp, 4302 pela Capes e 4075 pelo CNPq.
A distribuição
regional dos cursos de pós-graduação no Brasil
é bastante irregular. Os dados apresentados pela Capes mostram
que a região Sudeste é a maior concentradora desses
cursos, com 61,5% do total. Uma das conseqüências dessa
desigualdade regional é o impedimento da formação
de um maior número de candidatos a bolsas em regiões
brasileiras menos favorecidas, ou seja, Norte e Nordeste. O estado
de São Paulo, que concentra os recursos das principais agências
federais (Capes e CNPq), com seus 92% de bolsistas de doutorado
e 71% de mestrado, conta ainda com o apoio fundamental da Fundação
de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp).
A Fapesp tem seu orçamento vinculado por lei à arrecadação
do estado, que repassa 1% do orçamento à instituição.
Muitos
fatores determinam uma carreira dedicada à ciência.
Em primeiro lugar, nem todos os alunos de mestrado têm interesse
em seguir a carreira acadêmica. Alguns vêem o mestrado
como um estágio terminal de sua graduação,
um diferencial que pode ajudá-los no mercado de trabalho.
Deste modo, a formação dos mestres brasileiros tem
sido tema de grandes discussões. A pergunta que se faz é
se o objetivo do mestrado é formar profissionais que irão
atuar como pesquisadores nas universidades, em institutos de pesquisa
- públicos ou privados - ou em funções administrativas
no mercado de trabalho.
Em
situação bem diferente estão os doutores, para
quem a situação parece ser bem mais definida: formam-se
com o objetivo de serem pesquisadores independentes, e apresentam
uma vocação muito mais clara para a docência.
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Léa
Velho é autora do livro que traça o perfil de
pós-graduandos no Brasil
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Os
pesquisadores Léa Velho e Jacques Velloso, no livro Mestrandos
e Doutorandos no País: trajetórias de formação,
expõem os resultados de um estudo inédito realizado
no Brasil sobre o tema. Eles traçam o perfil dos mestrandos
e doutorandos "típicos", e mostram também
aqueles que se enquadrariam no que eles chamariam de "exceções".
Segundo
a caracterização feita pelos pesquisadores, o típico
mestrando brasileiro ingressa no curso com idade aproximada de 30
anos, cerca de 5 anos após a graduacão. A tendência
é trabalharem algum tempo antes de ingressar no doutorado,
e suas aspirações profissionais de longo prazo convergem
para a academia. A exceção a este perfil, são
os alunos que ingressaram em programas de iniciação
científica. Nesse caso, seguem praticamente direto para o
mestrado, com menos idade e se formam em menor tempo.
Já
os doutores típicos, segundo os resultados da pesquisa de
Velho e Velloso, começam seu curso com idade média
de 35 anos. Contudo, se tiverem participado de programas que concedem
bolsas durante a graduação e, sobretudo, se fizerem
parte de programas das áreas de ciências biológicas
ou engenharias, costumam ingressar mais jovens no curso, terminando-o
mais rapidamente. No doutorado, há um pequeno predomínio
de homens, e as mulheres estão vinculadas principalmente
aos programas de ciências biológicas ou à área
que abrange Linguística, Letras e Artes.
Os
pesquisadores salientam a grande importância da política
de concessão de bolsas adotada no Brasil para o fomento ao
interesse dos alunos pela ciência e por possibilitar que muitos
permaneçam na universidade.
Elena
Paola G. Jaime, aluna de doutorado, presidente da Associação
de Pós-Graduandos da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
de Jaboticabal, e bolsista do CNPq, afirma que veio da Colômbia
para o Brasil para realizar sua pós-graduação,
devido à ampla divulgação de que Brasil é
um país que investe em ciência e pesquisa de forma
muito mais efetiva que os demais países latino americanos.
Mercado
de trabalho
O Brasil dispõe hoje de uma base de recursos humanos altamente
qualificada que, no entanto, encontra dificuldades para se inserir
no mercado de trabalho, já estagnado. Elena Jaime, acredita
que o Brasil ainda não está preparado para absorver
todo o pessoal que vem formando. "Eu vejo com um pouco de preocupação
o fato de as pessoas na metade do doutorado estarem pensando em
pós-doutorado, no qual terão a chance de receber uma
outra bolsa, o que atualmente é uma boa alternativa devido
a falta de empregos", diz. Para ela, a maior preocupação
é ainda outra. "Até quando pode-se viver de bolsas
de estudo? E quando haverá o retorno do investimento que
o governo está fazendo nos pós-graduandos?".
Jaime ressalta que a grande maioria de seus colegas de pós-graduação
não encontram colocação compatível com
sua formação e que a falta de empregos é a
principal preocupação de todos eles.
Carolina
Flores Quintana, que veio da Argentina para realizar doutorado na
Unesp, acredita que, apesar das dificuldades, a educação
e formação de pessoas sempre oferece melhores possibilidades.
Para ela, "a falta de emprego é um problema generalizado,
independentemente da formação, por isto é bom
estar preparado para quando a oportunidade chegar. O Brasil dá
as ferramentas que nem todos países dão".
A espera
por concursos públicos extremamente concorridos, em universidades
ou centros de pesquisa, tem sido freqüente. As empresas privadas
pouco têm contribuído na oferta de empregos para profissionais
altamente qualificados. Deborah Ismael, foi aprovada em primeiro
lugar em concurso realizado há poucos meses pela Empresa
Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), do qual
participaram muitos outros pesquisadores em situação
semelhante a de Ismael. Infelizmente, o número de vagas não
era suficiente para todos os concorrentes, apesar da alta qualificação
dos candidatos.
Bolsas
de mestrado e doutorado são auxílios financeiros
que as instituições de pesquisa destinam aos
cientistas para que desenvolvam projetos de pesquisa na pós-graduação.
Elas não significam vínculos empregatícios,
exigem dedicação integral e não podem
ser somadas a nenhum tipo de salário. O pesquisador
com bolsa não tem direito a férias, 13o salário,
nem assistência médica. Atrasos no pagamento
não são raros para os bolsistas de instituições
federais.
Valores das bolsas
AGÊNCIA
|
MESTRADO
|
DOUTORADO
|
Capes/CNPq
|
724,52
|
1072,89
|
Fapesp
|
970,00
a 1030,00
|
1430,00
e 1770,00
|
|
Até
então, a pesquisadora vinha traçando um rumo muito
semelhante a de outros cientistas. Ismael é graduada em ciências
biológicas, mestre na mesma área pela USP, e realizou
parte do doutorado em ciências na Alemanha. Ela tem ainda
aperfeiçoamento e pós-doutorado, e foi bolsista durante
toda sua formação. Ingressou como pesquisadora visitante
de um dos Centros de Pesquisa da Unesp onde recebeu bolsa de estudos,
pois não havia possibilidade de contratação.
Durante o período em que aguardava por um concurso público,
recebeu
bolsa de estudo da Fapesp, através de um programa de apoio
a Jovem Pesquisador em Centros Emergentes.
A longa
espera por uma colocação não tirou da pesquisadora
a crença no sistema de pós-graduação
no país. "A formação de mestres e doutores
no Brasil é de extrema importância, contudo deve-se
atentar para a qualidade dos cursos, para que a simples aquisição
do certificado não seja o diferencial, mas sim a capacitação
profissional de nossos pós-graduandos", destaca Ismael.
A pesquisadora lembra ainda que, somente a realização
de um bom curso resulta no aprendizado adequado, o que implica em
conhecimentos para o planejamento de um projeto, a execução
do mesmo, a elaboração de manuscritos de boa qualidade
e, conseqüentemente, trabalhos publicados em revistas de relevância
na área.
Em
seu livro, Velho e Velloso demonstram acreditar que os doutores
têm consciência das limitações do mercado
de trabalho brasileiro, que se restringe às universidades
e institutos de pesquisa.
Várias
iniciativas têm sido tomadas para tornar as empresas parceiras
deste sistema de formação e aproveitamento desses
profissionais altamente qualificados. O Livro Verde - documento
elaborado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia com
o intuito de discutir as diretrizes que o sistema de C&T deve
seguir nos próximos dez anos - chama a atenção
para a importância da criação de uma lei da
inovação que permita uma maior mobilidade dos pesquisadores
entre universidades e empresas. Segundo as informações
contidas neste livro, novos projetos cooperativos, redes temáticas
e outras experiências já estão sendo viabilizadas
e podem contribuir para favorecer um ambiente favorável à
inovação tecnológica, o que certamente poderá
gerar novos empregos. Enquanto isto, nas bancadas dos laboratórios
os pesquisadores ainda sem emprego continuam sua jornada, movidos
pelo amor à ciência e por esperanças depositadas
nos tão esperados e raros editais de concursos.
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