Comunidade
científica faz prévia para a Conferência Nacional
Nos
dias 16 e 17 de agosto, foram realizadas simultaneamente em seis
capitais do país as Reuniões Regionais preparativas
para a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação, que acontece em Brasília, de 18 a
21 de setembro. A base das discussões estava pautada no Livro
Verde da Conferência Nacional, apresentado em julho à
comunidade científica, durante a 53ª Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), em Salvador.
O
Livro Verde, encomendado pelo Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT) e pela Academia Brasileira de Ciências
a professores, cientistas, empresários e técnicos
do governo, foi coordenado por Cylon Gonçalves da Silva,
do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, e por Lúcia
Carvalho Pinto de Melo, do MCT. O documento faz um diagnóstico
do atual estado da Ciência e Tecnologia no país e traça
metas para o setor. "O Avanço do Conhecimento",
"Qualidade de Vida", "Desenvolvimento Econômico",
"Desafios Estratégicos" e "Desafios Institucionais"
são os cinco grandes temas do Livro Verde, contidos na agenda
das Reuniões Regionais.
Um
dos dados apontados no documento mostra que o setor privado, incluindo
o produtivo, mas principalmente o de ensino, absorve metade dos
pós-graduados do país. O investimento privado em pesquisa
e desenvolvimento, no entanto, é baixo em relação
a outros países em desenvolvimento, tanto na indústria
quanto nas universidades privadas. O secretário-executivo
do MCT, Carlos Américo Pacheco, atribui o baixo investimento
brasileiro em inovação, à política de
substituição de importações que impulsionou
a indústria do país na década de 50. O Brasil
passou a ser forte em setores como o automobilístico, mas
o investimento em inovação das indústrias multinacionais
alemãs e norte-americanas continuou sendo feito em suas matrizes.
"O
Livro Verde é um instrumento importante para o debate, porque
mapeia esses problemas de uma forma ampla", afirma Antônio
Márcio Buainain, professor do Instituto de Economia da Unicamp
e coordenador do Grupo de Concepção e Redação
do documento. "As Reuniões Regionais foram bem sucedidas",
diz Buainain, "e as expectativas para a Conferência Nacional
são muito boas", completa. A última conferência
do gênero no Brasil aconteceu em 1985. O objetivo do MCT é
elaborar durante o encontro de setembro as diretrizes das políticas
de C&T para os próximos dez anos.
As
Regionais
Um
dos temas mais polêmicos discutidos nas Reuniões Regionais
foi o da integração entre a academia e o setor produtivo.
Na Regional Centro-Oeste, realizada em Goiânia, representantes
de universidades se queixaram da falta de interesse dos empresários
em investir a longo prazo em tecnologia. Os empresários,
por sua vez, afirmaram que as universidades públicas apresentam
resistência para realizar parcerias com a iniciativa privada.
Após o debate, ambas as partes concluíram que a parceria
entre elas iria fortalecer o desenvolvimento do país, apresentando
propostas com vistas à transferência de conhecimento
do meio acadêmico para o setor privado.
Na
Regional Nordeste, que aconteceu em Maceió, a parceria entre
universidades e empresas também esteve no centro das discussões.
Um dos debates tratou do fato de que a maioria dos pesquisadores
do país está no meio acadêmico, e não
no setor produtivo. Segundo os debatedores, a academia não
é especializada na apropriação do conhecimento,
e sim em sua geração. "Ciência e Tecnologia
só vão se tornar veículo para inovação
se tivermos uma política empresarial ligada à pesquisa,
como na Embraer e na Petrobras", disse Lindberg Lima Gonçalves,
professor da Universidade Federal do Ceará e representante
da SBPC.
O físico
Carlos
Henrique de Brito Cruz, presidente da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
além de reforçar a importância da parceria entre
universidade e empresa, apresentou na Regional São Paulo
os programas da Fapesp de incentivo às micro e pequenas empresas
que investem em pesquisa e desenvolvimento. A proporção
das contribuições científicas e tecnológicas
de São Paulo, em relação ao país como
um todo, levaram à realização de uma Reunião
Regional exclusiva para o estado. Nessa Regional, o simpósio
"Como Transformar Conhecimento em Valor Econômico e Social"
também abordou a questão da apropriação
do conhecimento. Dividido em duas partes, o simpósio teve
a sua primeira etapa voltada para o "Desenvolvimento Econômico"
e a segunda, para "Qualidade de Vida". Durante o simpósio,
o professor Carlos Vogt, vice-presidente da SBPC, apontou uma lacuna
no Livro Verde em relação aos fundamentos sociais
do panorama traçado para a ciência e tecnologia no
país. Vogt apresentou o projeto de criação
do Instituto Virtual de Estudos de Impacto de C,T&I Sobre a
Sociedade, que agrega diferentes áreas do conhecimento. Segundo
ele, o projeto poderá contribuir positivamente para a integração
estrutural das ciências humanas e sociais nas discussões
sobre o tema.
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Reunião
regional de São Paulo reuniu cientistas, políticos
e empresários.
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A Regional
Sudeste, que aconteceu no Rio de Janeiro, dividiu o tópico
"Qualidade de Vida" em "Saúde", "Meio-Ambiente"
e "Índice de Desenvolvimento Humano e Social".
Paulo Buss, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
entidade de ensino e pesquisa ligada ao Ministério da Saúde,
salientou a importância do investimento em C&T nessa área.
"A saúde é o principal indicador de qualidade
de vida da população", disse. A exemplo da Regional
São Paulo, no encontro do Sudeste, representantes do Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)
participaram do debate sobre "Desenvolvimento Econômico",
propondo uma política de incentivo fiscal para que o setor
invista em P&D. Uma das propostas apresentadas nas discussões
sobre "O Avanço do Conhecimento" visava o incentivo
ao ensino à distância.
Essa
também foi uma das proposições levantadas na
Regional Sul, em Florianópolis, com o exemplo da bem sucedida
experiência de pós-graduação à
distância realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Ao final do encontro, os participantes elaboraram a "Carta
de Florianópolis", documento com as propostas a serem
encaminhadas para a conferência de Brasília. Entre
elas estão a revitalização dos mecanismos fiscais
de apoio à inovação nas empresas, a regulamentação
dos Fundos Setoriais, e o incentivo a projetos de parceria entre
estados e municípios visando o desenvolvimento sustentável.
Em
Belém, onde aconteceu a Regional Norte, o tema do uso sustentável
dos recursos biológicos da Amazônia foi amplamente
discutido. Também estiveram em pauta a gestão dos
recursos hídricos na Amazônia e os levantamentos da
biodiversidade, entre os tópicos de "Desafios Estratégicos
e Institucionais". Nas discussões sobre "Desenvolvimento
Econômico", foi apresentada a experiência do CONATI
- Núcleo Consorciado de Assessoria Tecnológica à
Indústria do Estado do Tocantins, para ilustrar a questão
da interface entre demanda e oferta tecnológica. A "Carta
de Belém", com as propostas dos participantes da Reunião
Regional, inclui a criação de um Fundo Amazônico
de C,T&I para pesquisas na região e de um Fundo Setorial
de abrangência nacional para produtos da biodiversidade.
A discussão
sobre Fundos Setoriais, levantada nas Reuniões Regionais,
continua na Conferência Nacional de Brasília. Reinaldo
Guimarães, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e consultor do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
ao discutir a seção "Políticas de C,T&I:
uma Revisão de Instrumentos" do Livro Verde, destaca
a desproporção entre os recursos aplicados em desenvolvimento
tecnológico nas empresas e os recursos voltados para a pesquisa
científica nas universidades. "O montante dos Fundos
destinados à pesquisa acadêmica é pequeno",
diz Guimarães. Ele também coloca em questão
os critérios de alocação dos recursos. "Os
setores de atividade econômica que fornecem as receitas para
os Fundos não são, necessariamente, aqueles que mais
demandam recursos para desenvolvimento tecnológico",
afirma.
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