Violência
extrema pode ter causas biológicas
"A
noção tradicional da agressão como um
instinto antisocial tem sido substituída por uma estrutura
que a considera uma ferramenta de competição
e negociação. Quando a sobrevivência depende
de assistência mútua, a expressão da agressão
é contrariada pela necessidade de manter relações
benéficas".
(Frans B. M. de Waal - Science 28/jul/2000)
|
Homens
estupram mulheres, mulheres matam seus filhos, os apaixonados também
matam violentamente por amor. As guerras matam muitos e deixam mutilados
homens submetidos à intensa violência.Todos somos violentos,
uns mais, outros menos. O biomédico da Unicamp, Renato Sabbatini,
afirma que "todos os seres humanos tem as sementes da violência".
O comportamento
violento da sociedade humana tem inspirado pesquisas em várias
áreas de conhecimento, inclusive da biologia. Sabbatini considera
o homem a espécie mais violenta do planeta e afirma que o
cérebro humano está relacionado com isso. Geraldo
José Ballone, médico psiquiatra da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, chama a atenção
para a importância do comportamento violento em nossa espécie:
"a agressividade, matriz psicofisiológica da agressão,
faz parte de nosso arsenal de comportamentos dirigidos à
adaptação. O ser humano não sobreviveria sem
a agressividade".
O que
diferenciou nosso cérebro do das demais espécies foi
o grande desenvolvimento de uma parte componente do cérebro,
o cérebro "racional", que também está
presente nos mamíferos superiores, como os primatas. Essa
parte responde por ações voluntárias, de percepção,
consciência, aprendizado e linguagem. No artigo Transcendendo
a Mente Tribal , Sílvia Helena Cardoso, psicobióloga
da Unicamp, explica que, através do cérebro "racional",
expressamos comportamentos e atitudes fundamentais para a nossa
sobrevivência. Ela diz que, no passado, a preservação
da espécie humana e a perpetuação dos genes
dependeu fortemente de comportamentos territoriais, mecanismos de
agressão e defesa, competição e até
genocídios, que fazem parte do tribalismo e que são
comandados pela parte componente mais primitivo do cérebro
humano - que se mantém igual há 100 mil anos -, conhecido
como cérebro reptiliano.
Nos
animais, a agressão representa um elemento para a organização
social (manutenção de hierarquia entre os machos,
por exemplo) e pode resultar em defesa, fuga ou submissão.
Os primatas utilizam a reconciliação como tática
para manter os relacionamentos em equilíbrio. "Geralmente
a agressão acaba antes que as relações degringolem",
explicou Sabbatini. Nos humanos, o mesmo tipo de comportamento também
poderia ser identificado.
Segundo
Renato Sabbatini, esta teoria explicaria uma tendência tribal
de hostilidade contra pessoas que não pertencem ao nosso
grupo social incluindo aí religião, time de futebol
que torcemos, família, nacionalidade e outros. A educação
e a cultura exercem um papel fundamental em acoplar a emoção
à racionalidade e tornar a hostilidade um ato censurável.
A
violência: onde ela está?
Muito
antes da Idade Média, no tempo dos Cro-magnons (há
mais de 40 mil anos atrás) já haviam indícios
de cirurgias em cérebros com o uso de uma técnica
conhecida como trepanação, onde o crânio de
um homem vivo era perfurado manualmente sem anestesia. A trepanação
foi realizada durante todas as eras, mas não se sabe exatamente
porque. É possível que sejam as antecessoras das psicocirurgias.
Estudando
em animais as relações entre comportamento emocional
e agressividade com as estruturas anatômicas do cérebro,
cientistas concluíram que os lóbulos (regiões)
frontais e temporais são fundamentais no controle do comportamento
emocional e agressividade. Esta associação permitiu
o desenvolvimento da famosa lobotomia, cirurgia no cérebro
que consistia no corte das fibras nervosas que unem o córtex
frontal e pré-frontal ao tálamo. A lobotomia foi amplamente
empregada em homens, mulheres e crianças para inibir comportamentos
agressivos ou qualquer tipo de comportamento indesejado pela sociedade.
Apesar de muitos psiquiatras terem sido terminantemente contra esta
intervenção em seres humanos, ela foi amplamente empregada
no mundo todo nos anos 40. Somente nos anos 50, com a falta de evidências
científicas claras a respeito dos resultados obtidos e as
evidências de efeitos colaterais irreversíveis em pacientes
lobotomizados, foi que esta forma de psicocirurgia passou a ser
discutida e, mais tarde, proibida.
Sabbatini
divide a espécie humana em três grupos: o grupo onde
está situada a maioria dos indivíduos de nossa espécie
é um grupo intermediário, onde estariam aqueles indivíduos
que manifestam agressividade dentro dos limites da tolerabilidade
social. Os outros dois grupos representam extremos. Em um extremo
estão indivíduos que manifestam uma agressividade
muito baixa, e no outro extremo estão os indivíduos
extremamente violentos. Esses dois grupos são apenas uma
pequena parte da humanidade. Indivíduos de comportamento
extremamente violento poderiam apresentar um comportamento aparentemente
normal, como os sociopatas.
Para
Sabbatini "violência é agressão".
E, certamente, uma palavra estritamente relacionada à palavra
"agressão" é "crime". Ele afirma
que muitos assassinos ultraviolentos podem ter anomalias em regiões
específicas da parte frontal do cérebro. O cérebro
humano é triúno, ou seja, formado por três partes
(veja figura) a inferior é a mais primitiva e responsável
pelas ações involuntárias (como a respiração),
a parte intermediária, que rege nossas emoções,
e o cérebro "racional", reponsável pela
consciência, aprendizado e linguagem, por exemplo. Na espécie
humana, o desenvolvimento do cérebro "racional"
é muito acentuado, e é esta região do cérebro
que permite a modulação das reações
dos indivíduos, que devem ser resultantes de um equilíbrio
entre as necessidades dele e as normas sociais. Indivíduos
com lesões na região frontal do cérebro podem
apresentar comportamentos violentos, ameaçadores e não
são capazes de se comportar dentro dos limites da tolerabilidade
social.
O pesquisador
observa ainda que "muitos estudos têm mostrado que assassinos
criminosos ultraviolentos tem anormalidades no globo frontal",
mas salienta que "existe razoável evidência que
os sociopatas tem uma disfunção no cérebro
frontal. Por que e quando esta disfunção aparece ainda
é totalmente desconhecido".
Homens
e Mulheres
Quanto
a agressividade masculina e feminina, parece não restar dúvidas
de que elas são causadas por fatores diferentes. Pelo menos
quando os aspectos biológicos são considerados.
Diferenças
comumente relacionadas ao comportamento agressivo estão na
quantidade do hormônio testosterona, presente em grandes quantidades
no homem e em pequenas na mulher. Ele é responsável
pelas características masculinas (pêlos no corpo, formação
de músculos), apetite sexual e também pela agressividade.
De acordo com pesquisa publicada na Psychiatry Research por E. Gunilla
Stålenheim e colaboradores, diferentes níveis de testosterona
estão clara e diretamente relacionados com o comportamento
antisocial e a criminalidade. Essa correlação também
pode ser encontrada com a serotonina, um neurotransmissor (transmite
sinais entre os neurônios) presente em ambos os sexos, responsável
pelas sensações de prazer, distúrbios na alimentação,
dependência de cocaína e ligado à depressão.
"Desarranjos no sistema de produção e metabolismo
dessa substância têm sido descritos em pacientes psiquiátricos
agressivos, homens impulsivos e violentos e em suicidas", explicou
Dráuzio Varella, médico cancerologista, em artigo
publicado na Gazeta Mercantil (01/09/00).
A diferente
agressividade encontrada em homens e mulheres pode ser devida a
evolução do papel exercido por cada um na sociedade
desde tempos remotos. A mulher foi sempre a provedora do lar e da
vida, colhia sementes e plantas e cuidava das crianças enquanto
o homem, predador, saía para caçar. Ambos com funções
imprescindíveis para a sobrevivência da espécie.
Quando
se estuda a incidência de transtornos de conduta, a primeira
vocação de personalidade e comportamento para a violência
em crianças, Ballone afirma haver uma aproximação
crescente nesta incidência entre meninos e meninas. Isso pode
significar que ambos podem ser violentos, mas o aspecto social e
cultural pode ter atuado como modulador desses comportamentos.
Hoje,
de cada 10 detentos, um é mulher. Parece haver uma correlação
muito forte da violência cometida com o fato de 90% dessas
mulheres estarem relacionadas com drogas. Coramae Ritchey Mann,
professor de justiça criminal da Universidade de Indiana
(EUA), prevê que em 10 ou 20 anos a estatística de
homens e mulheres criminosos deverá se igualar. "Podemos
atribuir essa tendência à paridade homem-mulher, em
relação à violência, ao elemento social
(cultural) da tríade bio-psico-social. Hoje, as mulheres
conquistam uma mobilidade e espaço sociais do mesmo tamanho
que é atribuído aos homens", explica o psiquiatra
Geraldo Ballone.
A justiça
demonstra certo favorecimento com as mulheres quando as julga por
crimes semelhantes aos cometidos por homens. O estereótipo
feminino que, geralmente, a enfatizada como vítima, talvez
justifique os 23% a mais de chance que o homem tem de ir para a
cadeia, como Frank Julian, professor de estudos legais da Universidade
Estadual de Murray (EUA) demonstrou em pesquisa. Um dos exemplos
mais típicos é a justificativa de um crime ter sido
cometido durante a tensão pré-menstrual da mulher
(TPM). Nesse período há grandes mudanças hormonais,
com a queda nos níveis de serotonina, que resultam em irritabilidade
e agressividade. A TPM atinge cerca de 75% das mulheres e em 8%
delas os sintomas são muito intensos, segundo dados de Sérgio
dos Passos Ramos, ginecologista e obstetra da Unicamp. Mas é
importante lembrarmos que, geralmente, um ato violento é
precedido de inúmeros fatores que levam uma pessoa a cometê-lo.
Jeitos
diferentes de explicar a violência
Atualmente,
já existe conhecimento científico suficiente para
atribuir caracteristícas biológicas a comportamentos
agressivos, como é o caso de alterações na
concentração de serotonina, nas amígdalas (região
do cérebro), nos lobos temporais, e outros. Chloe E. Bird
e Patrícia P. Rieker, publicaram um estudo onde chamam a
atenção para um fato que está associado aos
estudos sobre violência : "A pesquisa médica falhou
em explorar, adequadamente, a combinação de aspectos
sociais e biológicos nas diferenças da saúde
do homem e da mulher. Consequentemente, explicações
científicas frequentemente provêm de interpretações
reducionistas que estas diferenças sejam puramente biológias
ou sociais".
|
Sabbatini
- A favor de intervenções biológicas
para males biológicos
|
Ballone
afirma que "hoje em dia, existe mais um elemento para completar
o aspecto multifatorial da violência, trata-se do modelo bio-psico-social,
que inclui o elemento psicológico ou psicopatológico.
Em termos didáticos, o modelo exclusivamente sociológico
afirma que "a ocasião faz o ladrão", enquanto
o modelo exclusivamente biológico afirma que "o ladrão
já está pronto, esperando apenas a oportunidade para
roubar". O modelo bio-psíco-social afirma que "a
ocasião pode fazer florescer um ladrão e fazê-lo
roubar".
Mas
se este vocábulo tríplice bio-psico-social é
tão importante, será que existem métodos de
estudo que viabilizem pesquisas tão multidisciplinares? Segundo
Sabbatini "Não temos ferramentas, métodos de
estudo, para unir todos os aspectos envolvidos em uma única
pesquisa". Ballone chama a atenção para a existência
de um número maior de estudos sobre os aspectos sociais atrelados
à violência, e, concordando com Sabbatini, afirma que
as metodologias sócio-biológicas para estudo da violência
encontram ainda muitas dificuldades.
Para
saber mais: |
|
http://www.epub.org.br/cm/home.htm
Revista Cérebro e Mente. Revista eletrônica de
divulgação científica de neurociência,
idealizado por Renato Sabbatini, neurocientista, e Sílvia
Helena Cardoso, psicobióloga, ambos da Unicamp.
|
Apesar
das dúvidas à respeito da interação
de fatores biológicos com sociais e psicológicos,
o pesquisador Sabbatini se diz "completamente a favor de intervenções
biológicas para males biológicos". Atualmente,
a neuropiscicocirurgia é praticada em muitos países,
sobretudo depois do desenvolvimento de métodos radiocirúrgicos
não invasivos que são capazes de realizar cirurgias
cerebrais com maior precisão e causam menos efeitos colaterais.
(GB
e JS)
|