Mídia
dramatiza a violência, dizem pesquisadores
A
violência, enquanto fato jornalístico, está
sempre presente na grande imprensa, como no caso dos conflitos entre
israelenses e palestinos, no Oriente Médio, ou do assassinato
do presidente norte-americano John Kenedy, nos EUA. Além
disso, alguns programas de TV, como o Linha Direta, da Globo e o
Cidade Alerta, da Record, são inteiramente voltados para
a violência urbana cotidiana. Eles tiveram um precursor no
rádio com o apresentador Gil Gomes. Pesquisas acadêmicas
sobre a veiculação da violência nos meios de
comunicação apontam para uma dramaticidade exagerada
e para uma manipulação da informação.
Em
junho deste ano, o jornal Folha de São Paulo e a editora
Rocco promoveram um evento para lançamento do livro Linguagens
da Violência, com um debate sobre o assunto. A pesquisadora
Elizabeth Rondelli, do Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação
da UFRJ, é uma das organizadoras do livro. Na análise
da cobertura dos fatos violentos pelos meios de comunicação,
ela concluiu que os que mais causam comoção na opinião
pública envolvem a participação da polícia.
Os exemplos que a pesquisadora apresenta são as chacinas
no presídio de Carandiru, em São Paulo, quando 111
presos foram mortos por policiais em 1992, e na Candelária,
no Rio de Janeiro, quando policiais mataram oito meninos de rua
em 1993.
Além
disso, ela afirma que os meios de comunicação operam
como macrotestemunha social e dão uma visibilidade exagerada
da violência para o público. "A mídia interfere
no fato, dramatiza e exagera na cobertura do episódio violento",
observa Rondelli.
Um
dos debatedores convidados para o evento foi o sociólogo
Túlio Kahn, docente da USP e coordenador de pesquisas do
Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para
a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente
(Ilanud). Ele apresentou dados de pesquisas do Ilanud, segundo as
quais, a escolha do tema das páginas policiais da Folha
de São Paulo e do Jornal do Brasil estariam influenciando
na relação do leitor com a violência. Segundo
Kahn, 10% das notícias policiais daqueles jornais, de 97
a 98, abordavam sequestros; e pesquisas de opinião pública
revelam que, mesmo em camadas mais baixas da população,
o medo de sequestro está entre os maiores. "Existe uma
superexploração dos crimes violentos contra a pessoa,
como chacinas, homicídios e sequestros", afirma o sociólogo.
Ele aponta o exemplo recente da exploração do sequestro
de Patrícia Abravanel, filha de Sílvio Santos, acompanhado
por milhões de espectadores pela televisão.
"A
mídia é uma das mais contundentes formas de se propagar
e exaltar a violência", diz o filósofo Robson
Sávio Reis Souza, diretor geral da Secretaria Adjunta de
Direitos Humanos de Minas Gerais. Ele menciona uma pesquisa feita
pela Unesco em 23 países, incluindo o Brasil, cujos resultados
mostram que a violência na mídia pode funcionar como
compensação de carências em ambientes problemáticos
e como fator de emoção onde não há problemas.
Segundo o filósofo, a mídia, que deveria espelhar
as contradições e conflitos na sociedade, banaliza
a informação. "Dois terços da humanidade
vivem na miséria, que é uma das mais cruéis
formas de violência", afirma Souza. "A onipresença
da violência na mídia estimula muito mais as ações
violentas para a resolução de simples conflitos cotidianos
do que atos pacíficos e de respeito aos outros e a si mesmo",
conclui.
Os
programas de TV que se dedicam exclusivamente à veiculação
da violência urbana no Brasil têm atingido altos índices
de audiência. Segundo uma pesquisa do Ilanud, de todos os
programas do gênero, o Cidade Alerta, da TV Record, é
o noticiário que trata a criminalidade com mais sensacionalismo.
Antes do Cidade Alerta, a emissora já havia colocado no ar,
até 1988, a versão televisiva do Programa Gil Gomes.
Uma
pesquisa de mestrado de Maria Tereza da Costa, analisou esse precursor
dos programas policiais da televisão: o Programa Gil Gomes,
da rádio Record de São Paulo. A pesquisa, posteriormente
publicada no livro O Programa Gil Gomes - A Justiça em
Ondas Médias, também faz uma análise da
receptividade do público, através de cartas dos ouvintes.
"Esse não é um programa policial comum",
comenta a pesquisadora. "Ele cria uma história e a dramatiza
a partir de crimes do cotidiano". Segundo ela, o apresentador
reveste de ficção a realidade vivida por pessoas das
classes populares, ao recontar de forma melodramática o cotidiano
que as envolve. As cartas de ouvintes como donas de casa, empregadas
domésticas, presidiários e policiais, além
de mostrar indignação pela crescente criminalidade
urbana, buscam opinar sobre as possíveis causas da violência.
A pesquisa mostra que alguns ouvintes vêem a violência
como um ato de revolta contra a desigualdade social, e outros, como
uma estratégia de sobrevivência.
História
Na
evolução histórica da mídia, a cobertura
de atos e conflitos violentos, assim como todo fato jornalístico,
tornou-se cada vez mais tempestiva e de maior alcance de público.
Até a Primeira Guerra Mundial, os correspondentes mandavam
as notícias para os jornais por correios ou telégrafos.
Na Segunda Guerra, o grande veículo de comunicação
era o rádio. Conflitos posteriores como a Guerra do Vietnã
e a Guerra do Golfo foram acompanhados por milhões de espectadores
pela televisão. A tempestividade da informação
sobre violência atingiu o seu apogeu quando internautas de
todo o mundo acompanharam, em transmissão praticamente simultânea,
os atentados terroristas de 11 de setembro deste ano, nos EUA.
Um
século antes de a rede de TV norte-americana CNN fazer a
cobertura ao vivo da Guerra do Golfo, jornais brasileiros mandaram
correspondentes para cobrir, no calor dos acontecimentos, o conflito
de Canudos, no sertão da Bahia. A Guerra de Canudos teve
grande repercussão no país, nos jornais de 1897. Ela
foi posteriormente retratada no livro Os Sertões,
cujo autor, Euclides da Cunha, havia sido enviado à Bahia
para cobrir o conflito pelo jornal O Estado de São Paulo.
A pesquisadora Walnice Nogueira Galvão, professora de Teoria
Literária e Literatura Comparada da USP, fez uma análise
das formas de representação desse conflito em alguns
jornais da época. Segundo ela, vários relatos eram
sensacionalistas e poucos eram ponderados. "Por sinistro que
pareça, a Guerra de Canudos também foi motivo para
a produção de farta cópia de material jornalístico
no estilo da galhofa", afirma a pesquisadora. Pela sua análise,
publicada no livro No Calor da Hora - A Guerra de Canudos nos
Jornais, tanto as representações galhofeiras quanto
as sensacionalistas revelam manipulação de opinião
e informação tendenciosa. A pesquisadora diz que jornais
como O País, do Rio de Janeiro, por exemplo, tratavam
o conflito como uma revolução monarquista contra a
República recém-proclamada.
(RC)
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