Sociedade
se mobiliza contra a violência
A
quem cabe a segurança pública? Até pouco tempo
atrás a única resposta seria: "ao poder público",
representado pela polícia, justiça ou sistema penitenciário.
Hoje, a redução da criminalidade e da violência
é, cada vez mais, objeto de atuação direta
da sociedade civil organizada, através de diversas entidades.
A maioria delas trabalha com a prevenção, justamente
para preencher um vácuo deixado pelas agências estatais.
As experiências vão desde projetos nas escolas, aulas
de cidadania nas comunidades carentes até campanhas pela
paz. Essa mobilização social deu início à
formação de Organizações Não
Governamentais (ONG's) contra a violência. Grande parte delas
surgiu como resposta a um momento de forte tensão.
Em
17 de dezembro de 1993, no Rio de Janeiro, milhares de pessoas vestidas
de branco fizeram dois minutos de silêncio e pediram paz,
após o assassinato de oito meninos junto à Igreja
da Candelária e a chacina de 21 pessoas em Vigário
Geral. Daí nasceu, entre outros, o Viva
Rio.
Em
agosto de 1997, estudantes de direito da Universidade de São
Paulo (USP) lançaram a campanha Sou da Paz para chamar a
atenção da sociedade para a necessidade de combater
as armas de fogo. Nesta época, foram recolhidas mais de 3.500
armas. Em janeiro de 1999 foi criado o Instituto Sou
da Paz com o objetivo de multiplicar as atividades iniciadas
na campanha anterior.
O Instituto
São Paulo contra a Violência surgiu em novembro
de 1997, após o seminário São Paulo Sem Medo,
promovido pelo Núcleo de Estudos da Violência, da USP,
Fundação Roberto Marinho e Rede Globo de Televisão.
Nesse encontro foram debatidos as bases de um movimento, mais tarde
formalizado oficialmente como instituto, destinado a colaborar com
a sociedade e os governantes na formulação e implementação
de políticas e programas para reduzir a violência.
Os
trabalhos desenvolvidos pelas ONG's envolvem diferentes parceiros,
desde voluntários, associações de moradores
e de classe, empresas e governos. O Instituto São Paulo Contra
a Violência lançou em novembro de 2000, o Fórum
Metropolitano de Segurança Pública de São Paulo
que reúne 39 prefeitos da Grande São Paulo. O objetivo,
de acordo com a secretária executiva do Fórum, Carolina
Ricardo, é uma atuação articulada que permita
identificar os problemas ligados à violência em cada
município.
O Fórum
é dividido em quatro Grupos de Trabalho que elaboram diretrizes
nas áreas de Violência, Informação Criminal,
Guarda Municipal e Comunicação Social. "A complexidade
do tema demanda diversas ações que devem conjugar
esforços, envolvendo todas as prefeituras e, principalmente,
atingindo a comunidade local", afirma Carolina Ricardo. Nos
meses de novembro e dezembro, o Fórum Metropolitano realizará
cinco seminários sobre a prevenção à
violência. Os encontros serão nos municípios
de Suzano, Santo André, Barueri, Mairiporã e São
Paulo.
O Disque
Denúncia (0800 15 63 15), um projeto do Instituto São
Paulo Contra a Violência em parceria com a Secretaria de Estado
de Segurança Pública, comemorou um ano de aniversário
no último 31 de outubro. Ele é uma central de atendimento
telefônico através da qual qualquer pessoa, com absoluta
garantia de anonimato, pode fornecer informações sobre
crimes, colaborar com a polícia na prevenção
e contribuir para a resolução dos problemas de segurança
pública. A denúncia é analisada e encaminhada
ao setor competente da polícia, que informa ao denunciante
as providências adotadas e os resultados.
Em
um ano, o serviço recebeu 25.428 denúncias. Em 2001,
os meses com maior volume de denúncias foram março
(2.428) e outubro (2.124). Até 19 de outubro, foram presas
893 pessoas, recapturados 95 fugitivos, evitadas 15 fugas, recuperados
81 veículos, apreendidos 57 veículos, localizados
13 desmanches, apreendidas 221 armas, 17.572 bens e abertos 68 inquéritos
policiais.
As
perspectivas do Instituto São Paulo Contra a Violência
para o próximo ano são ampliar a divulgação
com campanhas na mídia, expandir o serviço para o
interior do Estado e aperfeiçoar o software de sistema de
busca. "As denúncias aumentam com a melhor divulgação
do serviço e do número telefônico do Disque
Denúncia. Por esta razão vamos iniciar uma nova campanha
e esperamos com isso reavivar a memória da população",
diz Ronildo Machado, do Fórum.
Ação
preventiva
A melhoria
das relações comunitárias e a educação
para a cidadania são essenciais na prevenção
da violência. Não é à toa que a maioria
dos projetos das ONG's são desenvolvidos no ambiente escolar.
O Instituto
Sou da Paz atua no projeto Grêmio em Forma, que faz parte
da pesquisa Paz na Escola, realizada em parceria com o Instituto
Latino-Americano das Nações Unidas (Ilanud) (veja
box
sobre pesquisas desenvolvidas pelo Ilanud) e Ministério da
Justiça.
O projeto
Grêmio em Forma prevê a criação de material
de apoio à criação de grêmios, como o
Caderno Grêmio em Forma, escrito a partir de conversas com
educadores, visitas a escolas e debates com alunos, para descobrir
suas dúvidas. O projeto é desenvolvido em algumas
escolas públicas do bairro Jardim Ângela, região
da cidade de São Paulo com altos índices de violência.
As atividades incluem oficinas para debater questões de direitos
humanos, violência e cidadania.
Em
maio de 2000, o Instituto Sou da Paz implantou o projeto Observatório
de Direitos Humanos, nos bairros de Jardim Ângela, Jardim
Jacira, Jardim Comercial e Heliópolis. Durante seis meses,
jovens mapearam os problemas de suas comunidades. Os grupos trabalharam
o direito à educação, à cultura e lazer,
o combate à violência e ao desemprego. As informações
levantadas serão cruzadas com os diagnósticos oficiais
e formarão os Relatórios da Cidadania, a serem publicados
e encaminhados à ONU.
Ainda
no bairro Jardim Ângela, o Instituto Sou da Paz atua no projeto
Espaço Criança Esperança. Uma iniciativa voltada
à criação de um centro modelo de atendimento
de crianças e adolescentes e ao fortalecimento comunitário,
como formas de prevenção do crime.
Campanhas
pelo desarmamento
A maior
destruição de armas no mundo em um só dia ocorreu
no dia 24 de junho passado, no Rio de Janeiro, organizada pelo governo
do Estado em parceria com o Viva Rio. Cerca de 20 mil pessoas participaram
da cerimônia de destruição de 100 mil armas
de fogo. O ato foi celebrado na Conferência das Nações
Unidas sobre o Comércio Ilícito de Armas Leves, ocorrida
no período de 9 a 20 de julho, em Nova York, como "exemplar",
não só pela quantidade de armas, mas principalmente
pela participação popular. Foi bom para mudar um pouco
da imagem do país, que é campeão mundial de
casos de mortes relacionados com o emprego de armas de fogo.
Apesar
do impacto positivo no âmbito internacional, a campanha recebeu
algumas críticas. A principal era de que estavam sendo destruídas
apenas armas antigas. Para o coordenador de desarmamento do Viva
Rio, Antônio Rangel, o tempo de uso das armas não invalida
a importância do movimento. "Uma arma de 40 anos mata
da mesma forma que uma nova. Além disso com a destruição
eliminamos os riscos de desvios ou aluguel de armas", diz.
Algumas das armas destruídas foram apreendidas até
cinco vezes consecutivas, revelando que há freqüentes
desvios dos depósitos da Divisão de Fiscalização
de Armas e Explosivos para o circuito criminal.
Para
conseguir destruir tal quantidade de armas, o Viva Rio teve que
enfrentar uma batalha judicial. Pela lei, as armas só podem
ser destruídas após 20 anos de concluído processo
judicial. Através de negociações com o Ministério
da Justiça, Tribunal Estadual de Justiça e Procuradoria
de Justiça foi possível reduzir o prazo para cinco
anos. Se o prazo fosse ainda menor poderia ser realizado um novo
ato nas mesmas proporções. "Ainda temos no depósito
100 mil armas com menos de cinco anos de processo que poderiam ser
destruídas", afirma Rangel.
A importância
das atividades do Viva Rio e do Sou da Paz pelo desarmamento foi
reconhecida também pelo governo brasileiro. A prova disso
é que essas duas ONG's integraram a delegação
brasileira na Conferência da ONU. O Brasil foi um dos 10 países
em todo o mundo que convidou ONG's para compor sua comitiva. Os
participantes da Conferência se comprometeram em implementar
na América Latina mecanismos de controle do tráfico
ilegal de armas. A Conferência terá continuidade, nos
dias 19 a 21 de novembro, no Chile.
A luta
pelo desarmamento deverá ser ampliada. Nos dias 21 a 23 de
junho foi realizado, no Rio de Janeiro, o 1º Seminário
de ONG's do Brasil e do Mercosul sobre redução de
Armas Leves. O evento reuniu 29 entidades do Brasil, Argentina,
Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. "Estamos persuadindo
ONG's que trabalham com outras formas de violência a incluir
em suas agendas a luta contra a proliferação de armas",
explica Antônio Rangel. De acordo com o coordenador do Viva
Rio, a formação de entidades que trabalham com essa
questão na América do Sul é nova, ao contrário
da América Central, onde já atuam nessa área
mais de 90 organizações da sociedade civil.
Algumas
das campanhas de desarmamento têm o objetivo de convencer
a população de que ter uma arma em casa não
garante a proteção da família, mas a expõe
ao risco. Com essa finalidade, o Viva Rio lançou em maio
passado, no Dia das Mães, a campanha Arma Não! Ela
ou Eu. Mulheres que perderam seus filhos e parentes com o uso de
armas de fogo estão à frente do movimento. A participação
das mães também é fundamental na campanha Mãe,
Desarme seu Filho. A intenção é incentivar
o desarmamento dos jovens, apelando para a ação das
mães. Em breve será lançada uma ampla campanha
de divulgação do tema com filmes publicitários
na TV.
(LC)
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