Matemática
para produtividade
Miguel
Taube Netto
A
aptidão pela matemática é mais natural do que
se pensa.
Antes
de conhecermos operações matemáticas com frações
já dispomos de recursos lingüísticos para, por
exemplo, estabelecer o significado da soma de "um meio"
mais "um terço" usando o conceito físico
ou econômico das expressões "um meio" e "um
terço", motivados pela necessidade prática de
obter a junção dessas "quantidades", expressando
o "resultado" desta junção (operação)
por outra expressão, que também contém um significado
de quantidade e que é compatível com a realidade do
ambiente físico ou econômico em questão.
Em
outras palavras, a noção de quantidade e suas transformações
são comunicáveis com os recursos naturais de nossa
língua.
Assim
sendo, é então mais importante aprender português
do que matemática?
Uma
resposta plausível a esta pergunta é a de que qualquer
aprendizado estimula nossa capacidade de comunicação
que, por sua vez, abre novas opções de aprendizado.
Não
há dúvida de que a língua, em suas várias
manifestações, deve ser objeto de contínuo
aprendizado. Tenho a opinião de que as empresas seriam mais
beneficiadas se seus treinamentos, mesmo os de natureza técnica,
fossem fortemente dirigidos para o aprimoramento do português
como recurso de comunicação de idéias e emoções,
no sentido mais amplo, sem compromissos com ideologias de gestão
empresarial.
No
contexto deste artigo, a matemática é vista como um
conjunto evolutivo de recursos de comunicação para
tratar problemas práticos.
A matemática,
no entanto, não é construída apenas por motivos
práticos, mas também, e principalmente, pela liberdade
de abstração científica.
O uso
da matemática em administração, economia, sociologia,
engenharias e ciências é reconhecido como necessário.
Nem por isso os profissionais dessas áreas deixam de se valerem
da experiência e da intuição profissional para
analisar seus problemas. Na confluência de conhecimentos,
onde quantificação e ordenação são
noções essenciais à análise de problemas,
a matemática é recurso necessário mas não
suficiente, uma vez que a formalização matemática
é precedida e sucedida de recursos lingüísticos
e princípios profissionais para caracterização
do problema em foco e para encaminhamento de suas soluções.
Este processo de articulação de conhecimentos é
chamado de "modelagem e solução de problemas".
A "modelagem matemática" é parte
ou não da modelagem e solução de problemas,
conforme os aspectos de quantificação e ordenação
sejam mais ou menos complexos.
Na
área de gestão empresarial a modelagem matemática
exerce um papel de importância crescente, por várias
razões:
- Abundância
de informações propiciadas pela capacidade dos computadores
de adquirir, armazenar e processar dados.
- Maior
integração de processos produtivos em cada empresa
e entre empresas (Supply Chain Management).
- Conscientização
sobre qualidade e produtividade, com necessidade de análises
estatísticas das relações de causa e efeito
e com a construção de sistemas de apoio a decisões
estratégicas, táticas e operacionais.
- Reestruturação
de responsabilidades gerenciais para maior fluência de decisões
interfuncionais (vendas, produção, logística,
suprimentos).
- Revisão
de sistemas de custos cujas distorções são
evidenciadas pelas mudanças das relações
entre mão-de-obra e tecnologia.
O papel
da informática nas empresas firmou raízes na década
de 60. Os CPD's (Centros de Processamento de Dados) com os seus
mainframes e ambientes com ar condicionado eram tratados com alta
prioridade nas empresas. Começou aí a era da informática
e novas profissões surgiram com um certo grau de modismo,
mas com inegável influência sobre a melhoria do desempenho
das empresas, especialmente na área administrativa, no que
diz respeito à confiabilidade e rapidez no processamento
de dados. Nesta época era limitado o interesse de diretores
de produção pela informática. Todavia, em algumas
indústrias, como a do petróleo, por exemplo, houve
grandes investimentos em planejamento do abastecimento e produção
de refinarias, onde eram constituídos centros de planejamento
com computadores de última geração e equipes
de centenas de planejadores utilizando técnicas matemáticas,
como a programação linear, desenvolvida nas décadas
de 40 e 50. Esses centros eram caros e inviáveis para a maioria
das empresas. Assim, o uso dos computadores nas décadas de
60 e 70 se dirigia predominantemente às aplicações
de processamento de dados para setores como contas a receber, contas
a pagar, recursos humanos, etc, com base em operações
matemáticas simples.
Na
década de 80 aparecem os microcomputadores que desmitificaram
os CPS's e democratizaram a informática. Os computadores
pessoais (PC) passam a ter lugar nas mesas de cada funcionário
das empresas. As boas conseqüências desta revolução
tecnológica são inquestionáveis, mas um aspecto
negativo se revelou com a perda de disciplina na geração
e manipulação de dados corporativos.
Na
década de 90 foi possível recuperar a disciplina corporativa
de informações através dos softwares de
gestão empresarial. Nesta época houve acentuado
declínio dos preços de hardware e melhoria das tecnologias
de bancos de dados, a ponto de se permitir a proliferação
de redes de computadores interligados preservando as iniciativas
de uso dos PC's, mas com rigorosa disciplina na integração
de informações no nível corporativo.
Reaparece
nesta época a comunidade de informática que perdera
sua importância com a decadência dos CPD's.
Pesados
investimentos foram realizados na década de 90 em todo o
mundo nos sistemas ERP - Enterprise Resources Planning, que
são softwares de gestão empresarial, com diversos
módulos, cobrindo as várias áreas de atividades
das empresas (recursos humanos, contas a receber, contas a pagar,
suprimentos, logística, produção, vendas, etc).
Esses sistemas permitem o registro de todas as transações
da empresa ou grupo de empresas, de forma a evitar repetição
e incoerência de dados, possibilitando recuperação
de todas as informações geradas, segundo uma hierarquia
de usuários previamente qualificados e autorizados. São
denominados softwares transacionais, no sentido em que sua
função é predominante associada ao registro
e recuperação de transações que ocorrem
no ambiente empresarial.
De
certa forma, sua função é passiva, embora sejam
base para alimentar sistemas de apoio a decisões, cuja função
é complementar a ação gerencial na análise
de informações e delineamento de alternativas nos
processos decisórios.
Alguns
módulos de apoio a decisões foram incorporados nos
sistemas ERP ofertados no mercado. É o caso do módulo
MRP - Material Requirement Planning que já na década
de 70 era utilizado para planejamento e controle de manufaturas
que envolvem vários componentes, sub-montagens e montagens
finais. A matemática usada no módulo MRP é
simples, mas a ampliação de seu escopo requer técnicas
de programação matemática de elevada
complexidade algébrica e computacional.
As
implantações dos sistemas ERP são longas e
requerem a contribuição de empresas especializadas
em gestão empresarial. Assim sendo, os fornecedores de ERP,
tipicamente empresas de software, se pactuaram com empresas de gestão
empresarial. Este pacto entre gestão e informação
foi de grande sucesso pelos seus próprios méritos
e por marketing competente. Um certo "terrorismo" como
o "bug do milênio" acelerou a adoção
dos sistemas ERP, que foram apresentados como a alternativa segura
de defesa contra o "bug" , através da reposição
de todos os softwares "bichados".
Não
há dúvida de que os sistemas ERP contribuem para a
evolução tecno-gerencial das empresas. Todavia, alguns
erros de implantação contribuem para freqüentes
frustrações, especialmente nas áreas de produção.
A rigidez
dos ERP é mais facilmente aceita nas áreas administrativas.
Os processos de produção têm especificidades
de difícil representação por software pré-moldado.
É aqui que se tornam necessárias as modelagens matemáticas
de problemas empresariais.
As
técnicas de modelagem matemática em empresas são
fortemente influenciadas pela pesquisa operacional, que dispõe
de um conjunto de abordagens e ferramentas algébricas, em
particular a programação matemática
que engloba a programação linear, a programação
não linear, e a programação inteira. A otimização
combinatória inclui a programação inteira,
assim como técnicas evolutivas de busca de soluções
como algoritimos genéticos, branch and bound e busca
Tabu. Simulação digital de sistemas, teoria de filas,
análise de envoltória de dados, são também
freqüentemente utilizados. A estatística é parte
fundamental do acervo de conhecimentos requeridos.
A modelagem
matemática nas empresas trabalha tipicamente com a representação
de processos decisórios. Por exemplo: Quanto produzir de
cada produto, em cada fábrica, para atendimento mais lucrativo
das demandas previstas nos próximos dias e meses, nas várias
regiões atendidas pela empresa? Como equilibrar suprimento
e demanda sem incorrer em altos custos de estoques de matéria-prima,
produtos intermediários e produtos acabados? Como abastecer
os centros de distribuição?
Esta
problemática é hoje denominada Supply Chain Management
(gestão da cadeia de suprimentos). A importância
da matemática neste contexto está na representação
mais abrangente dos condicionantes de trabalho, tratando simultaneamente
os efeitos de milhares de variáveis de decisão, calculando
os seus valores de maneira que todos os condicionantes sejam respeitados
e, além disso, fazendo que um dado índice de desempenho
(lucro, por exemplo) seja maximizado.
Linguagens
de modelagem matemática facilitam a construção
de modelos decisórios e sua ligação com base
de dados. Desta maneira podemos inverter o caminho de desenvolvimento
de sistemas de apoio a decisões, começando com o problema
específico da empresa em vez de distorcer o problema para
adaptar software pré-moldado. A prática mostra que
esse caminho é mais rápido e mais seguro. O know
how fundamental para realizá-lo não está
no software mas na habilidade de construir os modelos decisórios
e encontrar uma boa técnica matemática para resolvê-los.
Surge
aqui um novo foco para desenvolvimento de sistemas de planejamento
e controle das atividades empresariais: as decisões. O tri-polo
gestão-informação-decisão constitui
a base da Tecnologia de Decisões, que representa a
confluência de conhecimentos práticos e teóricos
para melhor tratar os problemas de organizações modernas
complexas.
O ambiente
de trabalho do analista de decisões é constituído
por linguagens de modelagem, pacotes de estatística, linguagens
de simulação, solvers especializados, interações
com usuários e fornecedores de software de gestão
e vivência prática com clientes, além de permanente
contato com os avanços de tecnologia de informações
e gestão empresarial.
Miguel
Taube Netto é PhD em Engenharia Industrial, The University
of Michigan (EUA), 1972; Mestre em Engenharia Mecânica, ITA,
1967; Engenheiro Aeronáutico, ITA, 1963; Professor Titular
do Departamento de Matemática Aplicada, UNICAMP (tempo parcial).
Presidente da UniSoma Matemática para Produtividade S.A.
Atua na área de engenharia da produção e modelagem
matemática de sistemas. Autor ganhador do 1995 Franz Edelman
Award oferecido pelo INFORMS-Institute for Operations Research and
the Management Sciences.
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