Peixes
transformados em números
Comer
peixe é bom (pelo menos muitos gostam). Preparar o peixe,
cozinhar, fritar, adicionar temperos na medida certa, quase todos
conseguem fazê-lo. Capturar o peixe já é mais
difícil. Criar o peixe, também não é
fácil. Não é à toa que o consumo do
pescado no mundo tem aumentado nos últimos anos muito mais
que a produção. Por isso, torna-se necessário
buscar alternativas para a atividade pesqueira, bem como planejá-la
melhor. Como o setor pesqueiro extrativo apresenta sinais de saturação,
a aquicultura (cultivo de organismos aquáticos) tem sido
apontada como a única forma de acompanhar a crescente demanda
por produtos pesqueiros. No entanto, ela apresenta desafios. A tabela
abaixo apresenta dados gerais sobre a produção de
pescado mundial.
Produção
mundial de pescado. Fonte: Organizaçào das
Nações Unidas para agricultura e alimentação
(FAO)
|
Produção
(milhões de toneladas)
|
1997
|
1998
|
1999
|
INTERIOR
|
Captura
|
7,5
|
8,0
|
8,2
|
Aquacultura
|
17,6
|
18,7
|
19,8
|
Total
Interior
|
25,1
|
26,7
|
28,0
|
MARINHA
|
Captura
|
86,1
|
78,3
|
84,1
|
Aquacultura
|
11,2
|
12,1
|
13,1
|
Total
Marinha
|
97,3
|
90,4
|
97,2
|
Total
Captura
|
93,6
|
86,3
|
92,3
|
Total
Aquacultura
|
28,8
|
30,9
|
32,9
|
Total
da Produção
de pescado mundial
|
122,4
|
117,2
|
125,2
|
Por
um lado, a pesca extrativa está sendo fortemente afetada
pela diminuição dos estoques pesqueiros comercialmente
importantes. Por outro lado, a aquicultura vem enfrentando problemas
para continuar se expandindo de forma sustentável, pois ela
pode causar impacto ambiental.
Segundo
o professor do Instituto de Biociências da Universidade Paulista
(Unesp), Campus de Rio Claro, Miguel Petrere Jr, desde o início
do século XX já existiam evidências de que alguns
estoques pesqueiros estavam sendo afetados pela sobrepesca. Desde
aquela época já se pescava muito mais do que se nasciam
peixes: "No fim do século XIX havia um peixe parecido
com um linguado chamado Turbot, que já dava sinais de sobrepesca".
Hoje, este peixe é muito raro e foi o primeiro estoque pesqueiro
que teve uma extinção comercial. A extinção
comercial de estoques pesqueiros não significa que as espécies
não existam mais, mas que a densidade de peixes no estoque
é tão baixa que torna a captura economicamente inviável.
Para
manejar os estoques pesqueiros, a modelagem matemática tem
sido uma ferramenta cada vez mais utilizada. Segundo Petrere, essa
foi uma das primeiras aplicações da modelagem. Na
aquicultura, a complexidade dos problemas demanda estudos com modelos
que integrem os componentes biológicos, físicos, ambientais
e, atualmente, sócio-econômicos. Para que a produção
de produtos pesqueiros aumente, atendendo à crescente demanda
mundial, são necessários avanços para melhor
manejo dos estoques, redução do descarte, consumo
de espécies não consumidas usualmente e intensificação
da aquicultura.
Na
opinião de pesquisadores, a modelagem matemática é
uma ferramenta importante para aumentar racionalmente a produção
de pescado. Eles encontram, no entanto, obstáculos para a
previsão das respostas biológicas a variações
físicas do ambiente. Muitos fatores, na verdade, são
levados em consideração. Por exemplo, para o manejo
do estoque de bacalhau do nordeste do Ártico, têm de
ser observados o potencial reprodutivo da espécie, a alimentação,
o crescimento, a temperatura, as relações entre temperatura
e recrutamento e o canibalismo. É necessário colocar
todas estas variáveis juntas em uma visão integrada
e a modelagem matemática pode gerar algumas respostas para
o manejo deste estoque em várias condições.
Modelos
complexos de simulação têm sido empregados em
várias partes do mundo para manejar estoques pesqueiros.
Existem muitos tipos de modelos, que variam de simples sistemas
de equações diferenciais para modelar a interação
presa-predador a modelos complexos, que consideram as interações
entre tamanho, idade, maturidade sexual, entre outros. Os modelos
podem ser utilizados para simular melhores manejos dos estoques
pesqueiros ou então para aumentar nossos conhecimentos sobre
as interações biológicas no ecossistema.
Miguel
Petrere explica que para fazer uma modelagem matemática e
manejar estoques pequeiros afetados pela sobrepesca é importante
considerar os dados de captura e esforço de pesca, ou seja,
tudo o que é investido em termos de trabalho para capturar
o peixe (número de barcos operando na frota, quantidade de
combustível, entre outros). Desta forma, quando um barco
pesqueiro desembarca sua produção nos portos ou entrepostos
pesqueiros, são tomados dados dos peixes capturados, como
comprimento e peso. Os dados coletados nos desembarques são
analisados e fornecem informações para o manejo dos
estoques. O problema, no caso do Brasil, é que o sistema
de coleta de dados é muito precário, dificultando
a execução destes modelos.
Em
relação à aquicultura, a modelagem matemática
também pode ser utilizada para aumentar sua produtividade
pois os modelos de simulação podem ser um excelente
método para avaliar e refinar técnicas de manejo em
muitos tipos de sistema de produção. A modelagem pode
também ser uma ferramenta importante para avaliar os impactos
econômicos e ecológicos desta atividade produtiva.
Como, geralmente, é possível ter maior controle das
variáveis envolvidas na aquicultura do que na pesca extrativa,
pode-se desenvolver modelos matemáticos mais precisos.
Existem
vários exemplos interessantes do uso da modelagem matemática
em aquicultura, como os modelos desenvolvidos para reduzir o volume
de descarga de efluentes nas fazendas de bagres do canal nos Estados
Unidos ou o modelo desenvolvido pelo Departamento de Engenharia
Biológica e Agrícola dos EUA para simular as concentrações
de matéria orgânica em viveiros de aquicultura situados
em regiões tropicais.
O sucesso
de um modelo matemático resulta da capacidade de representar
e manipular o conhecimento qualitativo e quantitativo das variáveis
envolvidas e as formas de interação entre elas. Por
isso a modelagem é um método de resolução
de problemas multidisciplinar, que exige o trabalho conjunto de
engenheiros, matemáticos, economistas, biólogos e
outros.
Petrere
explica que atualmente os modelos matemáticos em aquicultura
têm enfrentado um novo desafio: o de introduzir as variáveis
sócio-econômicas no processo de modelagem. Estas variáveis,
aparentemente subjetivas, "ao final do dia viram todas números
que são utilizados nos modelos " Os viveiros ou tanques
onde os peixes são mantidos até atingirem o peso de
abate, são sistemas complexos, onde os fatores bióticos
(como peixes, algas e vários microrganismos) e abióticos
(como vento, chuva, incidência solar) estão em constante
interação. Como é possível considerar
tantos fatores, e modelar as interações entre fenômenos
biológicos que são muitas vezes imprevisíveis?
O que
ocorre é que muitas variáveis são propositadamente
ignoradas, como esclarece Lourival Costa Paraiba, pesquisador da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) / Meio
Ambiente. O importante é que sejam utilizados nos modelos
os fatores que realmente interessam. Com esses modelos, alimentados
pelos dados conseguidos por especialistas das várias áreas,
é possível realizar testes. "Os modelos são
observados para ver se há uma correspondência com a
realidade. Se houver, significa que o modelo está coerente.
Se não, ele deve ser corrigido. O modelo é algo dinâmico,
simples ou complexo, tem variáveis que sempre são
ignoradas", explica Lourival Costa.
Mesmo
ignorando muitas variáveis, o avanço do conhecimento
científico das ciências pesqueiras e o entendimento
de novas interações, têm aumentado cada vez
mais o grau de complexidade da modelagem dos fenômenos. Segundo
Miguel Petrere, a modelagem matemática pode maximizar a produção
pesqueira, mas esse é um processo que tende a se tornar cada
vez mais complexo. Apesar do avanço científico, ainda
estamos muito longe de compreender todas as variáveis envolvidas.
Existem áreas nebulosas onde ainda não conseguimos
penetrar porque ainda não conhecemos o suficiente: "Hoje
existe um estoque de Bacalhau na Terra Nova que em 1995 começou
a dar sinais de que estava desaparecendo. O estoque afundou e nós
não sabemos porque. Mesmo sendo uma pesca manejada de forma
mais ou menos sustentável há mais de 100 anos! Não
sabemos se essa foi uma flutuação natural do estoque,
se foi um fenômeno natural incontrolável, como um inverno
muito rigoroso, ou se foram vários fatores associados ao
excesso de pesca", pondera o pesquisador.
No
Brasil, os modelos matemáticos ainda não são
amplamente utilizados para a aquicultura, o que provavelmente será
modificado nos próximos anos como consequência do desenvolvimento
da aquicultura nacional. A modelagem matemática aplicada
a producão pesqueira tem alcançado resultados concretos,
porém, a falta de conhecimento sobre as interações
das variáveis envolvidas ainda é a causa de muitos
insucessos.
(JS)
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