Modelagem
Matemática: A Inspiração para a Música
Computacional
Da
mesma forma que no passado as paisagens bucólicas e as musas
inspiravam os compositores de música clássica e romântica,
neste começo do século 21, cada vez mais, os números
estão desempenhando a função de mediar a criação
musical através do computador. No atual estágio de
desenvolvimento da música computacional, os modelos matemáticos
são fundamentais para a composição e ordenação
de sons digitais.
A
modelagem matemática fornece várias estruturas que
podem ser utilizadas para organizar os materiais sonoros e criar
novos sons para a composição musical. Se os fenômenos
físicos podem ser descritos por fórmulas matemáticas
e por modelos da física, também a música, entendida
como som organizado no tempo, pode ser composta através dos
inúmeros modelos formais da matemática. As aplicações
com esse princípio são extremamente amplas e dependem
do conhecimento matemático e do senso estético para
a escolha final do estilo, dos parâmetros musicais a serem
modelados, como o andamento da música, o tipo do timbre sonoro
e as seqüências de notas ou de sons arquivados que podem
ser construídos computacionalmente.
Institutos
de pesquisas no mundo todo estudam essas aplicações
que reúnem pesquisadores de várias disciplinas, como
músicos, matemáticos, engenheiros eletrônicos
e de computação, físicos e até biólogos.
Mas essas possibilidades não estão restritas aos meios
acadêmicos. Qualquer interessado em música tem acesso
a programas de computador, que podem ser copiados através
da Internet, e que utilizam os modelos matemáticos para produzir
e organizar sons.
O
Núcleo Interdisciplinar
de Comunicação Sonora da Unicamp (NICS) tem a
base de sua linha de pesquisa direcionada à relação
entre música e matemática. Um exemplo desta aplicação
é o Vox Populi, um programa de computador que é uma
ferramenta para composição musical interativa e usa
a modelagem de algoritmos genéticos. Algoritmos genéticos
são processos de escolha automatizada de objetos, que podem
ser qualquer coisa, mas no caso do Vox Populi, são acordes
de notas musicais usando protocolo MIDI (Interface Digital para
Instrumentos Musicais). Neste programa o cálculo da propabilidade
de cada geração (conjunto de acordes) obedece certas
regras formais (o modelo matemático subjacente). O Vox Populi
utiliza regras formais para a obtenção de resultados
numéricos que são transformados em sons.
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Interface
do programa Vox Populi
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Como
todo modelo matemático que procura sintetizar o que acontece
na realidade, nesse caso, os algoritmos genéticos representam
modelos do funcionamento dos processos de "mutação,
cruzamento e seleção natural", que indicam como
os "genes" se comportam na evolução das
populações. No programa Vox Populi, os algoritmos
genéticos são usados para fazer o controle dos parâmetros
sonoros, como por exemplo, a dinâmica e as variações
dos ritmos, que podem ser definidas pelo compositor.
A
corrida mundial dos laboratórios para fazer o seqüenciamento
do DNA humano e o interesse em fazer mapeamentos de DNAs de várias
espécies, provocou um grande desenvolvimento dos sistemas
de computador, que são cada vez mais velozes e capazes de
arquivar e relacionar o maior número de informações.
Com o avanço do desenvolvimento das pesquisas na área
da genética e de mapeamento de DNAs, os resultados foram
estendidos para várias outras áreas do conhecimento.
Uma dessas extensões é a chamada computação
evolutiva, que é utilizada para fazer a análise e
a síntese de sistemas complexos. Esta área da computação
aplicada à biologia é a responsável por agrupar
e organizar as informações que são recolhidas
das células.
Aproveitando
as potencialidades da computação evolutiva na estruturação
de contextos onde existe grande diversidade, os pesquisadores do
NICS desenvolvem softwares para a composição interativa,
entre eles o Vox Populi, usando os conceitos de geração,
reprodução e mutação, onde é
possível elaborar processos que formam estruturas surpreendentes,
que nesses casos são traduzidos em estruturas sonoras.
O
Vox Populi foi desenvolvido no NICS em parceria com o ITI (Instituto
Nacional de Tecnologia e Informática de Campinas) e recebeu
o prêmio "Century Dream" Interative Software, na
Universidade de Aizu no Japão. Este programa de computador
faz parte do projeto de doutorado da pesquisadora Artemis Moroni.
O software está disponível para ser copiado gratuitamente
na Internet em www.nics.unicamp.br/voxpopuli.
Pesquisas
e Aplicações
Há
vários institutos internacionais onde se concentram as pesquisas
de ponta na área de música computacional. Entre eles
estão o CCRMA (Centro de Pesquisas Computacionais em Música
e Acústica) nos Estados Unidos e na França o Instituto
de Pesquisa e Coordenação Acústica e Musical
(IRCAM), onde uma das principais linhas de pesquisa é a criação
de instrumentos virtuais e reais, que entre outras atividade organiza
um fórum de discussões para incrementar o desenvolvimento
científico e estético da produção musical
contemporânea. O IRCAM foi dirigido inicialmente pelo compositor
francês Pierre Boulez e se expandiu em diversas direções
abrangendo várias disciplinas. Na página do IRCAM
na Internet há links para vários centros de pesquisa
que produzem música eletrônica.
No
Brasil, existem muitos estúdios que pesquisam e produzem
música eletrônica ou eletroacústica, como o
estúdio PANArama, que é ligado a Universidade Santa
Marcelina em São Paulo e é dirigido pelo compositor
Flo Menezes, além de outros centros de pesquisa em Brasília,
Recife, Porto Alegre, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mas a pesquisa
na área de modelagam matemática é uma especialidade
do NICS.
Em
Campinas, o NICS foi criado em 1983 na Unicamp, mas somente depois
de 1995, quando a participação de pesquisadores das
áreas das Ciências Exatas foi intensificada, é
que as linhas de pesquisas do núcleo passaram a se concentrar
nas disciplinas da computação, eletrônica e
música. Os principais estudos são nas áreas
de modelagem matemática aplicada à composição
musical, em simulação computacional, em computação
evolutiva aplicada à composição interativa
e na área de interfaces gestuais. As pesquisas sobre interfaces
virtuais produzem dispositivos, como luvas e sapatos, com sensores
ligados ao computador que interferem na execução da
música. Essas pesquisas têm o apoio de projetos de
infra-estrutura da Fapesp e do CNPq.
A
área de modelagem matemática está bastante
desenvolvida no Brasil, com vários centros de excelência
e atuações em diversas áreas, mas as aplicações
desses modelos matemáticos em computação sônica
são reduzidas e pouco conhecidas. O NICS tem um papel pioneiro
nessa área. Ele se distingue da maioria dos estúdios
de música eletrônica por utilizar fortemente a modelagem
matemática para a composição algorítmica
e na síntese de sons para a criação de novos
timbres, segundo o pesquisador Adolfo Maia Junior. Ele é
matemático e físico do Instituto de Matemática
e Computação Científica (IMECC) e coordenador
associado do NICS. Sua principal área de pesquisa é
a modelagem matemática para música computacional.
Maia diz que a eletrônica abriu um espaço enorme com
a criação de novas mídias, de novos sons e
efeitos que não podem ser produzidos pelos instrumentos acústicos.
"Se
pensarmos na música como um som organizado no tempo, diferentemente
dos instrumentos eletroacústicos cujos sons são organizados
pelos compositores, a música computacional utiliza os modelos
matemáticos na criação de um princípio
organizador de execução musical. A música é
um processo temporal e o princípio organizador, em última
instância, é transformado num algoritmo que pode ser
executado por um computador", explica Maia.
Esses
modelos foram pensados pelos pesquisadores do NICS como exemplos
de Teoria de Functores, uma disciplina da matemática que
procura relacionar diferentes estruturas matemáticas num
único formalismo. "Com isto, estruturas aparentemente
diferentes mostram-se como verdadeiramente semelhantes. Os "functores
sônicos" relacionam objetos matemáticos abstratos
em sons e música, de tal maneira que operando-se com objetos
matemáticos, automaticamente se opera com objetos sônicos
associados", diz o pesquisador. Em outras pesquisas desenvolvidas
pelo NICS, foram criados os programas Curvasom e Rabisco.
O
Curvasom utiliza a combinação de curvas planas para
a geração de seqüências musicais de parâmetros
sonoros. O programa Rabisco é outra ferramenta que associa
a representação gráfica à exploração
sonora, onde a modelagem matemática de um risco feito com
o mouse na tela do computador se transforma em som. Neste ambiente
gráfico e sonoro, o usuário percebe os conceitos fundamentais
relacionados ao som. Este software funciona como um exercício
para desenvolver a criatividade de alunos e faz parte do Projeto
Internacional de Ensino à Distância - PGL - Partnership
in Global Learning, que tem a participação de professores
e estudantes do Brasil, México e Estados Unidos.
A
outra grande aplicação da modelagem matemática
na produção de música, além de "inspirar"
a ordenação das notas, é a síntese do
som, que é a criação de novos timbres, de novos
sons ou a produção de sons que imitam os instrumentos
elétricos ou acústicos. Um dos métodos clássicos
para a criação de timbres é a síntese
aditiva, que faz a decomposição harmônica de
um sinal sonoro. " Os sinais sonoros são decompostos
nas suas séries harmônicas (ou de Fourier) de senos
e cossenos, cujas amplitudes são somadas, por exemplo. O
timbre resultante é claramente diferente dos originais",
diz o pesquisador Adolfo Maia.
Uma
pesquisa sobre síntese de som em andamento no NICS é
o Projeto Cordas Virtuais, que reproduz digitalmente o som de vários
instrumentos de cordas usando o protocolo MIDI. Ainda nesta área,
está um projeto de doutorado chamado Síntese Evolutiva,
de José Eduardo Fornari, aluno da Faculdade de Engenharia
Elétrica e Computação da Unicamp. Segundo o
professor Maia, "o projeto visa a construção
de um programa, o qual funciona como um escultor virtual de timbres.
Os sons (timbres) são modelados por superfícies e
os algoritmos genéticos, com seus modelos matemáticos
associados, atuam como um cinzel sobre a superfície sônica".
Atualmente
existem muitas pesquisas direcionadas para a tradução
do seqüenciamento de DNA em música, como os estudos
na área de biologia da Texas Wesleyan University e na área
de Ciência da Computação da University of Wales.
O cientista de Ciência da Computação da University
of Wales, Ross King e o músico escocês, Colin Angus,
criaram o programa Protein Music, que relaciona as notas musicais
com os quatro nucleotídeos existentes nas seqüências
de DNA humano. Este software pode ser encontrado no endereço:
www.aber.ac.uk/~phiwww/pm.
Já
o programa SoftStep, que permite colocar os nucleotídeos
e os 20 tipos de aminoácidos em uma pauta musical, pode ser
acessado no endereço: www.algoart.com.
Um outro site curioso sobre música molecular é o:
www.molecularmusic.com,
que foi criado por Linda Long, uma bioquímica com formação
musical. Ela criou o que chama de "música das plantas",
ao isolar as proteínas de algumas espécies vegetais,
como estramônio, mostarda e trevo branco, que são convertidas
em peças musicais e podem ser ouvidas pelo internauta no
formato MP3.
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Ambiente
gráfico do SoftStep
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Outras
pesquisas de ponta também utilizam as teorias dos fractais,
com modelos matemáticos que são repetidos em várias
escalas de tamanho (autosimilaridade), através de um mesmo
princípio gerador. Há também o uso de redes
neurais aplicadas na concepção musical.
Redes
Neurais e Robótica
Com
o desenvolvimento da informática e de computadores cada vez
mais ágeis, as possibilidades para a aplicação
em música também mudam rapidamente. "Hoje a tendência
da música computacional é fazer a música em
tempo real, controlada pelo computador", explica o professor
Adolfo Maia. O principal projeto desenvolvido no NICS nesta área
é o Roboser, um robô
compositor que cria músicas ao se movimentar em um ambiente.
O
projeto Roboser (Robot Composer) é uma parceria entre o NICS
e o Instituto de Neuroinformática
(INI) ETHZ de Zurique, da Suíça. A coordenação
é feita pelos pesquisadores Prof. Dr. Jônatas Manzolli
do NICS e Prof. Dr. Paul Verschure do INI e o projeto
envolve uma equipe de 20 pesquisadores, entre pós-doutorados
e doutorandos.
A
neuroinformática é uma área que desponta com
grande interesse no mundo, devido à confluência entre
computação e biologia. Esses estudos desenvolvem sistemas
neuromórficos, redes neurais artificiais, que recebem estímulos
externos e são programadas para responder em tempo real a
diferentes leituras de sensores, que trazem informações
do meio ambiente.
Essa
pesquisa cria uma nova forma de composição musical
que utiliza os recursos de redes neurais aplicados à robótica.
Esse robô é pioneiro no mundo na maneira de modelar
a criatividade sonora. O Roboser, além de abordar a composição
musical, é um ambiente experimental para testar diversas
hipóteses atuais sobre o funcionamento da mente humana, principalmente
em seu aspecto criativo. É também uma experiência
sobre redes neurais artificiais e os sistemas de interatividade
e de improvisação.
O
sistema do Roboser é uma aplicação de robótica
e composição musical que utiliza processos algoritmos.
Um pequeno robô, com sensores infravermelhos que simulam aproximadamente
a visão e o reflexo de um gafanhoto, gera seqüências
melódicas utilizando os sensores que se localizam ao redor
de seu corpo circular.
O
robô, ao movimentar-se, mede a variação da luz
e a proximidade de obstáculos. Na presença de intensidade
luminosa, aproxima-se da fonte de luz. Na proximidade de obstáculos,
afasta-se deles. Esse sistema de ação e reação,
tenta reproduzir as sensações do gafanhoto, que salta
ao perigo de qualquer aproximação e é atraído
pela alimentação.
Essa
combinação de estímulo e movimento modifica
o padrão sonoro, com simples estruturas rítmicas e
melódicas definidas digitalmente, que são executadas
ao vivo pelo computador. A sucessão de eventos musicais gera
uma pequena improvisação que reflete a exploração
do meio ambiente feita pelo Roboser. A música produzida pelo
Roboser é escrita e analisada e os modelos sonoros estão
conectados com padrões do seu comportamento, como por exemplo,
o uso de notas mais graves em certas situações e agudas
em outras.
As
pesquisas que possibilitaram a criacão do Roboser, serão
uma das principais atrações da Expo 2002, que começa
em 15 de maio no Cantão Suíço de Neuchetil
e ficará cinco meses aberta ao público. Para essa
exposição foi criado o Projeto ADA, um espaço
inteligente com 400 m2, com duas divisões principais chamadas
de Brainarium e Explanatorium. No primeiro ambiente um conjunto
de sensores conectados a uma rede de computadores levará
o público a interagir e se comunicar com a ADA. No segundo
ambiente, o público terá acesso a toda a informação
científica que envolveu o projeto. O Roboser é o principal
sistema de comunicação do Projeto ADA e o público
deverá perceber as mudanças de expressão do
espaço através da música.
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Maquete
virtual do projeto ADA que será atração
na Expo 2002
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O
NICS, em parceria com o Instituto de Neuroinformática ETHZ,
da Suíça, está produzindo a parte sonora do
Projeto ADA, que irá ser modificada com a presença,
a movimentação e a interferência dos participantes
da exposição. O coordenador do NICS, Jônatas
Manzolli, está na Suíça trabalhando na montagem
do computador e diz que essa experiência revela uma nova relação
entre o ouvinte e a composição musical, onde não
existe mais uma obra pronta, acabada. "O que acontece é
que a interatividade entre o espectador e a máquina codifica
o produto musical e o ouvinte acaba também atuando como compositor
e performer simultaneamente", diz Manzolli.
Veja
também:
Matemática
e Música: Uma antiga relação
(GP)
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