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Modelos e
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Carlos Vogt

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Modelagem Matemática: A Inspiração para a Música Computacional

Da mesma forma que no passado as paisagens bucólicas e as musas inspiravam os compositores de música clássica e romântica, neste começo do século 21, cada vez mais, os números estão desempenhando a função de mediar a criação musical através do computador. No atual estágio de desenvolvimento da música computacional, os modelos matemáticos são fundamentais para a composição e ordenação de sons digitais.

A modelagem matemática fornece várias estruturas que podem ser utilizadas para organizar os materiais sonoros e criar novos sons para a composição musical. Se os fenômenos físicos podem ser descritos por fórmulas matemáticas e por modelos da física, também a música, entendida como som organizado no tempo, pode ser composta através dos inúmeros modelos formais da matemática. As aplicações com esse princípio são extremamente amplas e dependem do conhecimento matemático e do senso estético para a escolha final do estilo, dos parâmetros musicais a serem modelados, como o andamento da música, o tipo do timbre sonoro e as seqüências de notas ou de sons arquivados que podem ser construídos computacionalmente.

Institutos de pesquisas no mundo todo estudam essas aplicações que reúnem pesquisadores de várias disciplinas, como músicos, matemáticos, engenheiros eletrônicos e de computação, físicos e até biólogos. Mas essas possibilidades não estão restritas aos meios acadêmicos. Qualquer interessado em música tem acesso a programas de computador, que podem ser copiados através da Internet, e que utilizam os modelos matemáticos para produzir e organizar sons.

O Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora da Unicamp (NICS) tem a base de sua linha de pesquisa direcionada à relação entre música e matemática. Um exemplo desta aplicação é o Vox Populi, um programa de computador que é uma ferramenta para composição musical interativa e usa a modelagem de algoritmos genéticos. Algoritmos genéticos são processos de escolha automatizada de objetos, que podem ser qualquer coisa, mas no caso do Vox Populi, são acordes de notas musicais usando protocolo MIDI (Interface Digital para Instrumentos Musicais). Neste programa o cálculo da propabilidade de cada geração (conjunto de acordes) obedece certas regras formais (o modelo matemático subjacente). O Vox Populi utiliza regras formais para a obtenção de resultados numéricos que são transformados em sons.

Interface do programa Vox Populi

Como todo modelo matemático que procura sintetizar o que acontece na realidade, nesse caso, os algoritmos genéticos representam modelos do funcionamento dos processos de "mutação, cruzamento e seleção natural", que indicam como os "genes" se comportam na evolução das populações. No programa Vox Populi, os algoritmos genéticos são usados para fazer o controle dos parâmetros sonoros, como por exemplo, a dinâmica e as variações dos ritmos, que podem ser definidas pelo compositor.

A corrida mundial dos laboratórios para fazer o seqüenciamento do DNA humano e o interesse em fazer mapeamentos de DNAs de várias espécies, provocou um grande desenvolvimento dos sistemas de computador, que são cada vez mais velozes e capazes de arquivar e relacionar o maior número de informações. Com o avanço do desenvolvimento das pesquisas na área da genética e de mapeamento de DNAs, os resultados foram estendidos para várias outras áreas do conhecimento. Uma dessas extensões é a chamada computação evolutiva, que é utilizada para fazer a análise e a síntese de sistemas complexos. Esta área da computação aplicada à biologia é a responsável por agrupar e organizar as informações que são recolhidas das células.

Aproveitando as potencialidades da computação evolutiva na estruturação de contextos onde existe grande diversidade, os pesquisadores do NICS desenvolvem softwares para a composição interativa, entre eles o Vox Populi, usando os conceitos de geração, reprodução e mutação, onde é possível elaborar processos que formam estruturas surpreendentes, que nesses casos são traduzidos em estruturas sonoras.

O Vox Populi foi desenvolvido no NICS em parceria com o ITI (Instituto Nacional de Tecnologia e Informática de Campinas) e recebeu o prêmio "Century Dream" Interative Software, na Universidade de Aizu no Japão. Este programa de computador faz parte do projeto de doutorado da pesquisadora Artemis Moroni. O software está disponível para ser copiado gratuitamente na Internet em www.nics.unicamp.br/voxpopuli.

Pesquisas e Aplicações

Há vários institutos internacionais onde se concentram as pesquisas de ponta na área de música computacional. Entre eles estão o CCRMA (Centro de Pesquisas Computacionais em Música e Acústica) nos Estados Unidos e na França o Instituto de Pesquisa e Coordenação Acústica e Musical (IRCAM), onde uma das principais linhas de pesquisa é a criação de instrumentos virtuais e reais, que entre outras atividade organiza um fórum de discussões para incrementar o desenvolvimento científico e estético da produção musical contemporânea. O IRCAM foi dirigido inicialmente pelo compositor francês Pierre Boulez e se expandiu em diversas direções abrangendo várias disciplinas. Na página do IRCAM na Internet há links para vários centros de pesquisa que produzem música eletrônica.

No Brasil, existem muitos estúdios que pesquisam e produzem música eletrônica ou eletroacústica, como o estúdio PANArama, que é ligado a Universidade Santa Marcelina em São Paulo e é dirigido pelo compositor Flo Menezes, além de outros centros de pesquisa em Brasília, Recife, Porto Alegre, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mas a pesquisa na área de modelagam matemática é uma especialidade do NICS.

Em Campinas, o NICS foi criado em 1983 na Unicamp, mas somente depois de 1995, quando a participação de pesquisadores das áreas das Ciências Exatas foi intensificada, é que as linhas de pesquisas do núcleo passaram a se concentrar nas disciplinas da computação, eletrônica e música. Os principais estudos são nas áreas de modelagem matemática aplicada à composição musical, em simulação computacional, em computação evolutiva aplicada à composição interativa e na área de interfaces gestuais. As pesquisas sobre interfaces virtuais produzem dispositivos, como luvas e sapatos, com sensores ligados ao computador que interferem na execução da música. Essas pesquisas têm o apoio de projetos de infra-estrutura da Fapesp e do CNPq.

A área de modelagem matemática está bastante desenvolvida no Brasil, com vários centros de excelência e atuações em diversas áreas, mas as aplicações desses modelos matemáticos em computação sônica são reduzidas e pouco conhecidas. O NICS tem um papel pioneiro nessa área. Ele se distingue da maioria dos estúdios de música eletrônica por utilizar fortemente a modelagem matemática para a composição algorítmica e na síntese de sons para a criação de novos timbres, segundo o pesquisador Adolfo Maia Junior. Ele é matemático e físico do Instituto de Matemática e Computação Científica (IMECC) e coordenador associado do NICS. Sua principal área de pesquisa é a modelagem matemática para música computacional. Maia diz que a eletrônica abriu um espaço enorme com a criação de novas mídias, de novos sons e efeitos que não podem ser produzidos pelos instrumentos acústicos.

"Se pensarmos na música como um som organizado no tempo, diferentemente dos instrumentos eletroacústicos cujos sons são organizados pelos compositores, a música computacional utiliza os modelos matemáticos na criação de um princípio organizador de execução musical. A música é um processo temporal e o princípio organizador, em última instância, é transformado num algoritmo que pode ser executado por um computador", explica Maia.

Esses modelos foram pensados pelos pesquisadores do NICS como exemplos de Teoria de Functores, uma disciplina da matemática que procura relacionar diferentes estruturas matemáticas num único formalismo. "Com isto, estruturas aparentemente diferentes mostram-se como verdadeiramente semelhantes. Os "functores sônicos" relacionam objetos matemáticos abstratos em sons e música, de tal maneira que operando-se com objetos matemáticos, automaticamente se opera com objetos sônicos associados", diz o pesquisador. Em outras pesquisas desenvolvidas pelo NICS, foram criados os programas Curvasom e Rabisco.

O Curvasom utiliza a combinação de curvas planas para a geração de seqüências musicais de parâmetros sonoros. O programa Rabisco é outra ferramenta que associa a representação gráfica à exploração sonora, onde a modelagem matemática de um risco feito com o mouse na tela do computador se transforma em som. Neste ambiente gráfico e sonoro, o usuário percebe os conceitos fundamentais relacionados ao som. Este software funciona como um exercício para desenvolver a criatividade de alunos e faz parte do Projeto Internacional de Ensino à Distância - PGL - Partnership in Global Learning, que tem a participação de professores e estudantes do Brasil, México e Estados Unidos.

A outra grande aplicação da modelagem matemática na produção de música, além de "inspirar" a ordenação das notas, é a síntese do som, que é a criação de novos timbres, de novos sons ou a produção de sons que imitam os instrumentos elétricos ou acústicos. Um dos métodos clássicos para a criação de timbres é a síntese aditiva, que faz a decomposição harmônica de um sinal sonoro. " Os sinais sonoros são decompostos nas suas séries harmônicas (ou de Fourier) de senos e cossenos, cujas amplitudes são somadas, por exemplo. O timbre resultante é claramente diferente dos originais", diz o pesquisador Adolfo Maia.

Uma pesquisa sobre síntese de som em andamento no NICS é o Projeto Cordas Virtuais, que reproduz digitalmente o som de vários instrumentos de cordas usando o protocolo MIDI. Ainda nesta área, está um projeto de doutorado chamado Síntese Evolutiva, de José Eduardo Fornari, aluno da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp. Segundo o professor Maia, "o projeto visa a construção de um programa, o qual funciona como um escultor virtual de timbres. Os sons (timbres) são modelados por superfícies e os algoritmos genéticos, com seus modelos matemáticos associados, atuam como um cinzel sobre a superfície sônica".

Atualmente existem muitas pesquisas direcionadas para a tradução do seqüenciamento de DNA em música, como os estudos na área de biologia da Texas Wesleyan University e na área de Ciência da Computação da University of Wales. O cientista de Ciência da Computação da University of Wales, Ross King e o músico escocês, Colin Angus, criaram o programa Protein Music, que relaciona as notas musicais com os quatro nucleotídeos existentes nas seqüências de DNA humano. Este software pode ser encontrado no endereço: www.aber.ac.uk/~phiwww/pm.

Já o programa SoftStep, que permite colocar os nucleotídeos e os 20 tipos de aminoácidos em uma pauta musical, pode ser acessado no endereço: www.algoart.com. Um outro site curioso sobre música molecular é o: www.molecularmusic.com, que foi criado por Linda Long, uma bioquímica com formação musical. Ela criou o que chama de "música das plantas", ao isolar as proteínas de algumas espécies vegetais, como estramônio, mostarda e trevo branco, que são convertidas em peças musicais e podem ser ouvidas pelo internauta no formato MP3.

Ambiente gráfico do SoftStep

Outras pesquisas de ponta também utilizam as teorias dos fractais, com modelos matemáticos que são repetidos em várias escalas de tamanho (autosimilaridade), através de um mesmo princípio gerador. Há também o uso de redes neurais aplicadas na concepção musical.

Redes Neurais e Robótica

Com o desenvolvimento da informática e de computadores cada vez mais ágeis, as possibilidades para a aplicação em música também mudam rapidamente. "Hoje a tendência da música computacional é fazer a música em tempo real, controlada pelo computador", explica o professor Adolfo Maia. O principal projeto desenvolvido no NICS nesta área é o Roboser, um robô compositor que cria músicas ao se movimentar em um ambiente.

O projeto Roboser (Robot Composer) é uma parceria entre o NICS e o Instituto de Neuroinformática (INI) ETHZ de Zurique, da Suíça. A coordenação é feita pelos pesquisadores Prof. Dr. Jônatas Manzolli do NICS e Prof. Dr. Paul Verschure do INI e o projeto envolve uma equipe de 20 pesquisadores, entre pós-doutorados e doutorandos.

A neuroinformática é uma área que desponta com grande interesse no mundo, devido à confluência entre computação e biologia. Esses estudos desenvolvem sistemas neuromórficos, redes neurais artificiais, que recebem estímulos externos e são programadas para responder em tempo real a diferentes leituras de sensores, que trazem informações do meio ambiente.

Essa pesquisa cria uma nova forma de composição musical que utiliza os recursos de redes neurais aplicados à robótica. Esse robô é pioneiro no mundo na maneira de modelar a criatividade sonora. O Roboser, além de abordar a composição musical, é um ambiente experimental para testar diversas hipóteses atuais sobre o funcionamento da mente humana, principalmente em seu aspecto criativo. É também uma experiência sobre redes neurais artificiais e os sistemas de interatividade e de improvisação.

O sistema do Roboser é uma aplicação de robótica e composição musical que utiliza processos algoritmos. Um pequeno robô, com sensores infravermelhos que simulam aproximadamente a visão e o reflexo de um gafanhoto, gera seqüências melódicas utilizando os sensores que se localizam ao redor de seu corpo circular.

O robô, ao movimentar-se, mede a variação da luz e a proximidade de obstáculos. Na presença de intensidade luminosa, aproxima-se da fonte de luz. Na proximidade de obstáculos, afasta-se deles. Esse sistema de ação e reação, tenta reproduzir as sensações do gafanhoto, que salta ao perigo de qualquer aproximação e é atraído pela alimentação.

Essa combinação de estímulo e movimento modifica o padrão sonoro, com simples estruturas rítmicas e melódicas definidas digitalmente, que são executadas ao vivo pelo computador. A sucessão de eventos musicais gera uma pequena improvisação que reflete a exploração do meio ambiente feita pelo Roboser. A música produzida pelo Roboser é escrita e analisada e os modelos sonoros estão conectados com padrões do seu comportamento, como por exemplo, o uso de notas mais graves em certas situações e agudas em outras.

As pesquisas que possibilitaram a criacão do Roboser, serão uma das principais atrações da Expo 2002, que começa em 15 de maio no Cantão Suíço de Neuchetil e ficará cinco meses aberta ao público. Para essa exposição foi criado o Projeto ADA, um espaço inteligente com 400 m2, com duas divisões principais chamadas de Brainarium e Explanatorium. No primeiro ambiente um conjunto de sensores conectados a uma rede de computadores levará o público a interagir e se comunicar com a ADA. No segundo ambiente, o público terá acesso a toda a informação científica que envolveu o projeto. O Roboser é o principal sistema de comunicação do Projeto ADA e o público deverá perceber as mudanças de expressão do espaço através da música.

Maquete virtual do projeto ADA que será atração na Expo 2002

O NICS, em parceria com o Instituto de Neuroinformática ETHZ, da Suíça, está produzindo a parte sonora do Projeto ADA, que irá ser modificada com a presença, a movimentação e a interferência dos participantes da exposição. O coordenador do NICS, Jônatas Manzolli, está na Suíça trabalhando na montagem do computador e diz que essa experiência revela uma nova relação entre o ouvinte e a composição musical, onde não existe mais uma obra pronta, acabada. "O que acontece é que a interatividade entre o espectador e a máquina codifica o produto musical e o ouvinte acaba também atuando como compositor e performer simultaneamente", diz Manzolli.

Veja também:
Matemática e Música: Uma antiga relação

(GP)

 

Atualizado em 10/02/2002

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