Pesquisadores
usam simulações para proteger o meio ambiente
No
primeiro semestre de 2002, uma equipe de pesquisadores da Universidade
Federal de Goiás (UFG) terá em mãos um software
básico de simulação matemática para
o desenvolvimento de um projeto que põe em cheque a eficiência
dos parques na conservação das espécies. Há,
em Goiás, seis parques estaduais, criados com base na lei
florestal 12.596, de 14 de março de 1995, que define essas
áreas como de preservação permanente das espécies
e um espaço dedicado a pesquisas científicas, fins
culturais e recreativos.
O professor-assistente
do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas
(ICB-UFG), Alexandre Siqueira Guedes Coelho, explica que esse é
um projeto ambicioso porque foge aos padrões tradicionais, em que
a modelagem adota, para efeitos de análise, o estudo demográfico
das populações e não os fatores genéticos,
para calcular o tempo de vida de uma espécie. A equipe, ao contrário,
pretende pesquisar cada indivíduo, refletir o seu comportamento
futuro e vislumbrar fatores que ponham em risco a sobrevivência das
espécies, sejam eles fruto da ação humana ou de catástrofes
ambientais. "A modelagem deve ser vista como um caminho para solucionar
problemas", realça o professor.
Encontrar
modelos os mais representativos da realidade exige cautela dos pesquisadores.
Na opinião de Alexandre Coelho, ao mesmo tempo em que a simulação
enriquece a pesquisa, por ser também um modelo teórico ela
deve ser vista com cautela por permitir uma complexidade de variáveis
que podem dificultar as interpretações das informações.
Assim, organizar os resultados e transformar a base de dados em massa e
gráficos torna-se uma tarefa nada fácil.
Um
dos objetivos desse trabalho de simulação nos parques
estaduais de Goiás é estudar os efeitos da ação
antrópica (relativa à interferência do homem
sobre a natureza). Para isso, serão utilizadas técnicas
de marcadores moleculares para se conhecer as espécies e
os vários fenômenos que as afetam. Os pesquisadores
vão monitorar o tamanho efetivo das espécies para
tentar evitar a ocorrência de endogamia (sistema de reprodução
de uma população, e que implica numa freqüência
de cruzamentos consangüíneos mais importantes do que
a que resultaria do encontro, ao acaso, dos gametas) no futuro e
investir na conservação genética.
Para
realizar a investigação, os pesquisadores do ICB-UFG escolheram
duas espécies animais - a onça pintada e a onça parda
-, e vão definir uma espécie de planta. O professor Alexandre
Coelho esclarece que o papel da modelagem, nesse caso, é simular
a evolução dessas espécies no tempo, algo similar
à realidade virtual. Apesar do auxílio do computador, sem
o qual trabalhos dessa natureza seriam inviáveis, não é
possível, pelo menos nessa fase, que a equipe trabalhe com muitas
espécies pelo excesso de informações a serem tratadas.
Equipe
monitora prováveis estragos causados por barragens
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Vista
do vale, em Nova Roma do Sul (RS), onde fica a torre com os
instrumentos da UFSM
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Preocupados
com a possibilidade de um problema ambiental no futuro, que pode
afetar a atividade econômica da região, produtores
de vinho de Nova Roma do Sul, na Serra Gaúcha, receiam que
a construção, pela Companhia Estadual de Energia Elétrica
do Rio Grande do Sul, de três usinas hidrelétricas
integrantes do Complexo Energético do Rio das Antas (Ceran),
que vão inundar uma área às margens do rio,
interfira na umidade relativa do ar e cause prejuízos às
plantações de uva.
A
Ceran contratou uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal
de Santa Maria (RS) para avaliar os efeitos das barragens na região.
Eles fizeram, no final do ano passado, medidas micrometeorológicas
para determinar os fluxos superficiais de calor e umidade com o
emprego da modelagem matemática. "A única maneira
de se fornecer uma estimativa do impacto ambiental das barragens
antes da ocorrência da inundação é através
de simulações numéricas", informa o pesquisador
do Departamento de Física da UFSM, Otávio Acevedo.
A equipe, segundo ele, faz pesquisas parecidas a essa na Usina Hidrelétrica
de Dona Francisca, na região central do RS, e na Termelétrica
de Candiota, na fronteira com o Uruguai, nesse caso com o objetivo
de observar as concentrações de poluentes.
Interessados
em conhecer o impacto da construção das barragens
na região de Nova Roma do Sul, os pesquisadores usarão
o modelo numérico RAMS, onde constarão a topografia
local, que é acentuada, e as superfícies distintas,
como rio, mata e agricultura, o que permitirá descobrir se
a umidade relativa média será afetada pela presença
das barragens. Na fase inicial, a simulação foi realizada
com um modelo simples.
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Os
três primeiros painéis mostram os fluxos superficiais;
com esses fluxos é aplicado o modelo de equações
para tentar reproduzir a evolução de temperatura
e umidade ao longo do dia, o que é mostrado nos últimos painéis.
Fonte: Otávio Acevedo.
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Responsável
pela criação do modelo, o pesquisador Otávio
Acevedo observa que os resultados preliminares mostram que, se a
área afetada for pequena, com cerca de dois quilômetros
de extensão, a umidade relativa sofrerá um aumento
médio de menos de 1%. Entretanto, o modelo não considera
o espalhamento das alterações pelos ventos locais.
Por isso essas previsões serão comparadas com as proporcionadas
pelo RAMS.
Estudos
com modelagem incomodam governantes
A modelagem
matemática, ao permitir simulações, representa uma
faca de dois gumes e, como em toda área do conhecimento humano,
os resultados podem agradar ou desagradar. Um estudo sobre a floresta amazônica,
coordenado pelo pesquisador Willian Laurance, cujo artigo "O futuro da
Amazônia brasileira", publicado na edição 291, de 16
de janeiro de 2001 da revista Science, incomodou o governo brasileiro,
alerta para os prejuízos que o programa Avança Brasil, do
governo FHC, causará à maior floresta tropical úmida
do mundo.
Na
lista de prioridades do governo para a região amazônica há
a realização de vários projetos que envolvem a criação
de estradas, vias férreas, gasodutos, reservatórios hidrelétricos,
entre outros. O pesquisador Willian Laurance enfatiza que o governo brasileiro,
ao criar o Avança Brasil, não atentou para o impacto ambiental
do programa numa floresta que detém a mais alta taxa de destruição
florestal no planeta, em média de dois milhões de hectares
por ano.
Os
pesquisadores, ao todo oito pessoas, seis delas ligadas ao Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e duas ao Michigan State
University (EUA), gastaram cerca de 14 meses de estudos, baseados no Geographic
Information System (GIS), um sistema de informações geográficas
que permite gerenciar dados espaciais de maneira complexa. O coordenador
da equipe, Willian Laurance, esclarece que as previsões se deram
a partir de informações de satélite sobre a Amazônia
obtidas há 15, 25 anos. Extrapolou-se, em seguida, esses resultados
para saber como estará a floresta daqui a menos de duas décadas.
"Nosso objetivo era predizer a condição da Amazônia
Brasileira para 2020", explica.
Diante
de um futuro incerto para a Amazônia, os pesquisadores criaram modelos
com perspectivas diferenciadas. Um, tido como otimista, concluiu que as
novas estradas teriam um impacto limitado sobre as florestas, apesar de
causarem danos no futuro. No modelo pessimista, citado como o mais realístico
pelo coordenador do estudo, a construção de estradas e de
outras infra-estruturas na Amazônia trará fortes impactos
ambientais. "Infelizmente, muitas reservas na Amazônia já
estão sendo degradadas de diversas formas e poucas têm proteção
adequada", afirma Willian Laurance.
O chefe
da coordenadoria de pesquisas do Inpa em Manaus, Wanderli Pedro Tadei,
considera arriscado afirmar que um programa como o Avança Brasil
possa destruir a Amazônia nos próximos 20 anos, pois há
duas décadas estudos indicavam que ela estava sob risco de desaparecer
e isso não aconteceu como se propagou.
A
resistência dos governantes ao emprego da modelagem matemática
é confirmada também pelo coordenador
de ensino, documentação e programas especiais do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
Volker Kirchhoff. Experiente em investigar o efeito estufa no Brasil
sob a influência das queimadas, Kirchhoff menciona que, em
virtude de pressões políticas, vários projetos
sobre o efeito estufa não sobreviveram. Mas o pesquisador
diz que a modelagem é essencial nos estudos do efeito estufa,
que é um processo cumulativo e com variáveis que mudam
com o tempo. "Não adianta só você medir, você
tem que simular", informa.
(RB)
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