Editorial:

Modelos e
Modelagens

Carlos Vogt

Reportagens:
Modelos matemáticos e simulações computacionais
Peixes transformados em números
Modelos desvendam crise da pesca
Empresas também utilizam modelagem
Modelagem na previsão do tempo e do clima
Simulações para proteger o meio ambiente
Auxílio da modelagem à medicina
Um caminho para a inteligência artificial
Algoritmo para ver futebol
Modelagem e música
Artigos:
Matemática para a produtividade
Miguel Taube Netto

Modelagem baseada em imagens
Paulo Cezar Carvalho

Átomo de Bohr, rato de laboratório...
Roberto Covolan e
Li Li Min
Modelagem aplicada à saúde pública
Hyun Mo Yang
Dinâmica de populacões: de angstroms a quilômetros, de íons a "sapiens"
Wilson Castro Ferreira Jr.
Poema:
Máxima mínima
Carlos Vogt
 
Fontes
Créditos
 
Pesquisadores usam simulações para proteger o meio ambiente


No primeiro semestre de 2002, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) terá em mãos um software básico de simulação matemática para o desenvolvimento de um projeto que põe em cheque a eficiência dos parques na conservação das espécies. Há, em Goiás, seis parques estaduais, criados com base na lei florestal 12.596, de 14 de março de 1995, que define essas áreas como de preservação permanente das espécies e um espaço dedicado a pesquisas científicas, fins culturais e recreativos. 

O professor-assistente do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas (ICB-UFG), Alexandre Siqueira Guedes Coelho, explica que esse é um projeto ambicioso porque foge aos padrões tradicionais, em que a modelagem adota, para efeitos de análise, o estudo demográfico das populações e não os fatores genéticos, para calcular o tempo de vida de uma espécie. A equipe, ao contrário, pretende pesquisar cada indivíduo, refletir o seu comportamento futuro e vislumbrar fatores que ponham em risco a sobrevivência das espécies, sejam eles fruto da ação humana ou de catástrofes ambientais. "A modelagem deve ser vista como um caminho para solucionar problemas", realça o professor.

Encontrar modelos os mais representativos da realidade exige cautela dos pesquisadores. Na opinião de Alexandre Coelho, ao mesmo tempo em que a simulação enriquece a pesquisa, por ser também um modelo teórico ela deve ser vista com cautela por permitir uma complexidade de variáveis que podem dificultar as interpretações das informações. Assim, organizar os resultados e transformar a base de dados em massa e gráficos torna-se uma tarefa nada fácil. 

Um dos objetivos desse trabalho de simulação nos parques estaduais de Goiás é estudar os efeitos da ação antrópica (relativa à interferência do homem sobre a natureza). Para isso, serão utilizadas técnicas de marcadores moleculares para se conhecer as espécies e os vários fenômenos que as afetam. Os pesquisadores vão monitorar o tamanho efetivo das espécies para tentar evitar a ocorrência de endogamia (sistema de reprodução de uma população, e que implica numa freqüência de cruzamentos consangüíneos mais importantes do que a que resultaria do encontro, ao acaso, dos gametas) no futuro e investir na conservação genética. 

Para realizar a investigação, os pesquisadores do ICB-UFG escolheram duas espécies animais - a onça pintada e a onça parda -, e vão definir uma espécie de planta. O professor Alexandre Coelho esclarece que o papel da modelagem, nesse caso, é simular a evolução dessas espécies no tempo, algo similar à realidade virtual. Apesar do auxílio do computador, sem o qual trabalhos dessa natureza seriam inviáveis, não é possível, pelo menos nessa fase, que a equipe trabalhe com muitas espécies pelo excesso de informações a serem tratadas. 

Equipe monitora prováveis estragos causados por barragens 

Vista do vale, em Nova Roma do Sul (RS), onde fica a torre com os instrumentos da UFSM
Preocupados com a possibilidade de um problema ambiental no futuro, que pode afetar a atividade econômica da região, produtores de vinho de Nova Roma do Sul, na Serra Gaúcha, receiam que a construção, pela Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul, de três usinas hidrelétricas integrantes do Complexo Energético do Rio das Antas (Ceran), que vão inundar uma área às margens do rio, interfira na umidade relativa do ar e cause prejuízos às plantações de uva.

A Ceran contratou uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (RS) para avaliar os efeitos das barragens na região. Eles fizeram, no final do ano passado, medidas micrometeorológicas para determinar os fluxos superficiais de calor e umidade com o emprego da modelagem matemática. "A única maneira de se fornecer uma estimativa do impacto ambiental das barragens antes da ocorrência da inundação é através de simulações numéricas", informa o pesquisador do Departamento de Física da UFSM, Otávio Acevedo. A equipe, segundo ele, faz pesquisas parecidas a essa na Usina Hidrelétrica de Dona Francisca, na região central do RS, e na Termelétrica de Candiota, na fronteira com o Uruguai, nesse caso com o objetivo de observar as concentrações de poluentes.

Interessados em conhecer o impacto da construção das barragens na região de Nova Roma do Sul, os pesquisadores usarão o modelo numérico RAMS, onde constarão a topografia local, que é acentuada, e as superfícies distintas, como rio, mata e agricultura, o que permitirá descobrir se a umidade relativa média será afetada pela presença das barragens. Na fase inicial, a simulação foi realizada com um modelo simples.

Os três primeiros painéis mostram os fluxos superficiais; com esses fluxos é aplicado o modelo de equações para tentar reproduzir a evolução de temperatura e umidade ao longo do dia, o que é mostrado nos últimos painéis. Fonte: Otávio Acevedo.

Responsável pela criação do modelo, o pesquisador Otávio Acevedo observa que os resultados preliminares mostram que, se a área afetada for pequena, com cerca de dois quilômetros de extensão, a umidade relativa sofrerá um aumento médio de menos de 1%. Entretanto, o modelo não considera o espalhamento das alterações pelos ventos locais. Por isso essas previsões serão comparadas com as proporcionadas pelo RAMS.

Estudos com modelagem incomodam governantes 

A modelagem matemática, ao permitir simulações, representa uma faca de dois gumes e, como em toda área do conhecimento humano, os resultados podem agradar ou desagradar. Um estudo sobre a floresta amazônica, coordenado pelo pesquisador Willian Laurance, cujo artigo "O futuro da Amazônia brasileira", publicado na edição 291, de 16 de janeiro de 2001 da revista Science, incomodou o governo brasileiro, alerta para os prejuízos que o programa Avança Brasil, do governo FHC, causará à maior floresta tropical úmida do mundo.

Na lista de prioridades do governo para a região amazônica há a realização de vários projetos que envolvem a criação de estradas, vias férreas, gasodutos, reservatórios hidrelétricos, entre outros. O pesquisador Willian Laurance enfatiza que o governo brasileiro, ao criar o Avança Brasil, não atentou para o impacto ambiental do programa numa floresta que detém a mais alta taxa de destruição florestal no planeta, em média de dois milhões de hectares por ano.

Os pesquisadores, ao todo oito pessoas, seis delas ligadas ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e duas ao Michigan State University (EUA), gastaram cerca de 14 meses de estudos, baseados no Geographic Information System (GIS), um sistema de informações geográficas que permite gerenciar dados espaciais de maneira complexa. O coordenador da equipe, Willian Laurance, esclarece que as previsões se deram a partir de informações de satélite sobre a Amazônia obtidas há 15, 25 anos. Extrapolou-se, em seguida, esses resultados para saber como estará a floresta daqui a menos de duas décadas. "Nosso objetivo era predizer a condição da Amazônia Brasileira para 2020", explica.

Diante de um futuro incerto para a Amazônia, os pesquisadores criaram modelos com perspectivas diferenciadas. Um, tido como otimista, concluiu que as novas estradas teriam um impacto limitado sobre as florestas, apesar de causarem danos no futuro. No modelo pessimista, citado como o mais realístico pelo coordenador do estudo, a construção de estradas e de outras infra-estruturas na Amazônia trará fortes impactos ambientais. "Infelizmente, muitas reservas na Amazônia já estão sendo degradadas de diversas formas e poucas têm proteção adequada", afirma Willian Laurance.

O chefe da coordenadoria de pesquisas do Inpa em Manaus, Wanderli Pedro Tadei, considera arriscado afirmar que um programa como o Avança Brasil possa destruir a Amazônia nos próximos 20 anos, pois há duas décadas estudos indicavam que ela estava sob risco de desaparecer e isso não aconteceu como se propagou.

A resistência dos governantes ao emprego da modelagem matemática é confirmada também pelo coordenador de ensino, documentação e programas especiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Volker Kirchhoff. Experiente em investigar o efeito estufa no Brasil sob a influência das queimadas, Kirchhoff menciona que, em virtude de pressões políticas, vários projetos sobre o efeito estufa não sobreviveram. Mas o pesquisador diz que a modelagem é essencial nos estudos do efeito estufa, que é um processo cumulativo e com variáveis que mudam com o tempo. "Não adianta só você medir, você tem que simular", informa.

(RB)
Atualizado em 10/02/2002
http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2002
SBPC/Labjor
Brasil 

Contador de acessos: