O
auxílio da modelagem matemática à medicina
Com
o desenvolvimento científico e tecnológico e o advento
dos computadores, problemas altamente complexos puderam ser simulados
computacionalmente utilizando modelos matemáticos que permitiram
incluir um número muito maior de variáveis.
Segundo
o professor e pesquisador do Laboratório Nacional de Computação
Científica, Raúl Feijóo, nos últimos
anos, pesquisadores das áreas de engenharia, biologia e medicina
começaram a introduzir ferramentas computacionais preditivas
dentro da prática da medicina. O atual grau de desenvolvimento
alcançado pelas técnicas de modelagem computacional,
juntamente com o rápido crescimento da performance de cálculo
dos computadores, têm permitido, segundo Feijóo, o
estudo, desenvolvimento e solução de modelos mecânico-biológicos
altamente elaborados capazes de antecipar, com razoável grau
de precisão, os resultados de importantes procedimentos médicos,
como por exemplo, ponte de safena e transplante renal.
Para
Koichi Sameshima, professor
do Departamento de Informática Médica da USP, a área
de aplicação de modelagem matemática na medicina
de maior proeminência no Brasil é a de epidemiologia
de doenças infecciosas. No Brasil, Sameshima destaca dois
grupos,o da Disciplina de Informática Médica da FMUSP
e o do Departamento de Matemática Aplicada da Unicamp.
Raúl
Feijóo explica que a modelagem e a simulação
computacional, aliadas à visualização gráfica
e à realidade virtual, permitem fornecer imagens tridimensionais
de alta resolução representando os fenômenos
que estão acontecendo em uma parte do organismo de um paciente.
A tecnologia de modelagem computacional - visualização
gráfica - realidade virtual já está contribuindo
no planejamento terapêutico e cirúrgico das mais variadas
doenças, no desenvolvimento de modelos (e sua simulação
computacional) para a dinâmica do sistema cardiovascular,
a dinâmica do sistema respiratório, crescimento de
tumores, transporte, difusão e absorção de
fármacos, no aprimoramento de cirurgias à distância
e treinamento de cirurgias, no desenvolvimento de métodos
não invasivos de análise empregando reconstrução
tridimensional de imagens obtidas por tomografia computadorizada,
ressonância magnética ou por outros meios. "Com
estas técnicas de reconstrução é possível
realizar exames virtuais tais como endoscopias, broncoscopias, colonoscopias
e angioscopias", afirma o Feijóo.
A mortalidade
por doenças cardiovasculares foi um dos problemas que levou
o professor e pesquisador do Laboratório de Computação
Científica (LNCC), a utilizar a modelagem matemática
aliada à outras áreas do conhecimento na pesquisa
Hemodinâmica do sistema cardiovascular e sua simulação
computacional. Segundo Feijóo, aproximadamente 40% das
mortes no mundo ocidental estão relacionadas direta ou indiretamente
com disfunções arteriais e o estudo da propagação
do pulso (hemodinâmica) nas artérias é fundamental
para comprender patologias tais como a arterosclerose, os aneurismas,
as obstruções arteriais e estenosis (estreitamento
das artérias).
Com
o auxílio da modelagem matemática, a pesquisa desenvolveu
modelos matemáticos e computacionais (uni e tridimensionais)
que permitem a simulação do sistema cardiovascular
humano e possibilitam o desenvolvimento de métodos elaborados
e não invasivos de prevenção, diagnose, terapia
e reabilitação das mais diversas patologias e disfunções
cardiovasculares.
Dado
o elevado grau de complexidade do estudo, a equipe de trabalho de
Raúl Feijóo desenvolveu modelos em escalas diferentes.
Primeiro foi desenvolvido o modelo chamado Modelo 1D (unidimensional),
que contribui para o diagnóstico de doenças cardiovasculares
e permite trabalhar com precisão os dados de níveis
de pressão e velocidade do sistema arterial. A partir deste
modelo é possível estudar o comportamento sangüíneo
e da parede arterial, isto é, o comportamento mecânico
da parede arterial. É possível ainda obter as formas
de onda do fluxo e da pressão em qualquer parte do sistema
arterial, o padrão de diminuição dos diâmetros
das artérias e perceber a influência de patologias
como, por exemplo, a arterosclerose no comportamento da parede arterial.
Dentro da área clínica, é possível o
estudo do transporte e difusão de nutrientes ou drogas terapêuticas,
como as que provocam vasoconstrição ou vasodilatação.
No
entanto, segundo Feijóo, o Modelo 1D não fornece
informações do que ocorre na parte transversal da
artéria, pois nele a secção transversal é
vista apenas como um ponto. Esta questão foi solucionada
pelo segundo modelo desenvolvido, o Modelo 3D ou tridimensional,
o qual permite o estudo detalhado da hemodinâmica em determinadas
partes do sistema arterial.
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Visualização
do interior da artéria carótida. Fonte: Raúl
Feijóo (arquivo pessoal).
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Para
construir o Modelo 3D são necessárias várias
etapas, explica Feijóo, entre elas está a de acoplar
o Modelo 1D que fornece os dado. Além disso, para
se obter a imagem tridimensional (a geometria ou forma real da artéria),
o paciente é submetido a uma tomografia que, após
a aplicação de técnicas de processamento de
imagens, permite a reconstrução exata de sua geometria.
A equipe
de Feijóo já concluiu essa etapa da pesquisa e, atualmente,
procura incluir no modelo trideminsional geometrias diferenciadas.
"O modelo ainda não permite criar geometrias alternativas,
como por exemplo a de uma ponte de safena, e incluí-las na
geometria já existente das artérias coronárias".
Segundo Raúl Feijóo, até dezembro de 2002 essa
última etapa estará concluída e tornará
possível realizar o planejamento de uma cirurgia. "O
cirurgião poderá, por exemplo, trocar uma parte de
determinada artéria levando em consideração
a geometria anterior e posterior à operação.
Com o modelo será possível verificar esses dois quadros
e estudar as várias possibilidades cirúrgicas até
se concluir qual será a mais adequada, com melhores resultados
hemodinâmicos considerando-se as especificidades de cada paciente",
afirma Feijóo.
A
muldisciplinaridade necessária
De acordo com Raul Feijóo, as pesquisas que relacionam modelagem
matemática e medicina acabam envolvendo outras áreas
do conhecimento como engenharia, química, física,
biologia, métodos de simulação computacional,
engenharia de software e visualização computacional,
entre outras. "É necessário a participação
de grupos multidisciplinares de pesquisadores nessas diversas áreas
do conhecimento. No entanto, falta diálogo entre essas áreas
e os benefícios que a modelagem matemática e computacional
pode proporcionar à medicina dependem da superação
de dificuldades como essa." diz Feijóo que defende a
necessidade de criação de uma sistemática que
permita o intercâmbio frutífero entre esses especialistas.
O professor da USP, Koichi Sameshima
destaca esta mesma dificuldade. Sameshima afirma que em termos práticos,
a matemática é um instrumento ou uma linguagem fundamental
para compreensão ou modelagem de fenômenos biológicos
e de doenças, no entanto, existe uma resistência natural
de médicos e estudantes de medicina em incorporar esse instrumento.
Além disso, ele ressalta um outra dificuldade relacionada
a estrutura universitária brasileira. "A multidisciplinaridade
é a ordem do dia para se poder desenvolver as áreas
de matemática e computação científica
aplicadas na medicina e biologia. A nossa estrutura universitária
dificulta esse tipo de interação, pois um departamento
de fisica, por exemplo, teria dificuldade em contratar, um pesquisador
biólogo. O mesmo vale para uma faculdade de medicina tentando
contratar engenheiros, matemáticos ou fisicos como docentes
ou pesquisadores, mas gradativamente essa situação
está se modificando para melhor", afirma Koichi Sameshima.
Com
intuito de aproximar competências dessas áreas e aumentar
a interação entre pesquisadores da América
do Sul, Feijóo idealizou e atualmente é o coordenador
geral do Centro de Modelos Complexos, situado no Laboratório
Nacional de Computação Científica - MCT.
No
exterior também existem várias iniciativas para dar
visibilidade aos trabalhos na área de modelagem matemática,
que demonstram o quão frutífero pode ser o intercâmbio
mencionado por Feijóo. A reportagem da revista eletrônica
Physicsweb
evidenciou, por exemplo, o papel da física nos estudos de
modelagem e simulação. Entre os tópicos discutidos
na conferência, a revista eletrônica Physicsweb destacou
a identificação do perigo de atividade elétrica
no coração e os cálculos mais exatos das doses
de radiação nas terapias contra o câncer.
(MK)
Para
saber mais |
Artigo
publicado no Radar
da Ciência sobre a III Conferência de
Simulação e Modelagem Aplicadas à
Medicina.
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