Editorial:

Modelos e
Modelagens

Carlos Vogt

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O auxílio da modelagem matemática à medicina

Com o desenvolvimento científico e tecnológico e o advento dos computadores, problemas altamente complexos puderam ser simulados computacionalmente utilizando modelos matemáticos que permitiram incluir um número muito maior de variáveis.

Segundo o professor e pesquisador do Laboratório Nacional de Computação Científica, Raúl Feijóo, nos últimos anos, pesquisadores das áreas de engenharia, biologia e medicina começaram a introduzir ferramentas computacionais preditivas dentro da prática da medicina. O atual grau de desenvolvimento alcançado pelas técnicas de modelagem computacional, juntamente com o rápido crescimento da performance de cálculo dos computadores, têm permitido, segundo Feijóo, o estudo, desenvolvimento e solução de modelos mecânico-biológicos altamente elaborados capazes de antecipar, com razoável grau de precisão, os resultados de importantes procedimentos médicos, como por exemplo, ponte de safena e transplante renal.

Para Koichi Sameshima, professor do Departamento de Informática Médica da USP, a área de aplicação de modelagem matemática na medicina de maior proeminência no Brasil é a de epidemiologia de doenças infecciosas. No Brasil, Sameshima destaca dois grupos,o da Disciplina de Informática Médica da FMUSP e o do Departamento de Matemática Aplicada da Unicamp.

Raúl Feijóo explica que a modelagem e a simulação computacional, aliadas à visualização gráfica e à realidade virtual, permitem fornecer imagens tridimensionais de alta resolução representando os fenômenos que estão acontecendo em uma parte do organismo de um paciente. A tecnologia de modelagem computacional - visualização gráfica - realidade virtual já está contribuindo no planejamento terapêutico e cirúrgico das mais variadas doenças, no desenvolvimento de modelos (e sua simulação computacional) para a dinâmica do sistema cardiovascular, a dinâmica do sistema respiratório, crescimento de tumores, transporte, difusão e absorção de fármacos, no aprimoramento de cirurgias à distância e treinamento de cirurgias, no desenvolvimento de métodos não invasivos de análise empregando reconstrução tridimensional de imagens obtidas por tomografia computadorizada, ressonância magnética ou por outros meios. "Com estas técnicas de reconstrução é possível realizar exames virtuais tais como endoscopias, broncoscopias, colonoscopias e angioscopias", afirma o Feijóo.

A mortalidade por doenças cardiovasculares foi um dos problemas que levou o professor e pesquisador do Laboratório de Computação Científica (LNCC), a utilizar a modelagem matemática aliada à outras áreas do conhecimento na pesquisa Hemodinâmica do sistema cardiovascular e sua simulação computacional. Segundo Feijóo, aproximadamente 40% das mortes no mundo ocidental estão relacionadas direta ou indiretamente com disfunções arteriais e o estudo da propagação do pulso (hemodinâmica) nas artérias é fundamental para comprender patologias tais como a arterosclerose, os aneurismas, as obstruções arteriais e estenosis (estreitamento das artérias).

Com o auxílio da modelagem matemática, a pesquisa desenvolveu modelos matemáticos e computacionais (uni e tridimensionais) que permitem a simulação do sistema cardiovascular humano e possibilitam o desenvolvimento de métodos elaborados e não invasivos de prevenção, diagnose, terapia e reabilitação das mais diversas patologias e disfunções cardiovasculares.

Dado o elevado grau de complexidade do estudo, a equipe de trabalho de Raúl Feijóo desenvolveu modelos em escalas diferentes. Primeiro foi desenvolvido o modelo chamado Modelo 1D (unidimensional), que contribui para o diagnóstico de doenças cardiovasculares e permite trabalhar com precisão os dados de níveis de pressão e velocidade do sistema arterial. A partir deste modelo é possível estudar o comportamento sangüíneo e da parede arterial, isto é, o comportamento mecânico da parede arterial. É possível ainda obter as formas de onda do fluxo e da pressão em qualquer parte do sistema arterial, o padrão de diminuição dos diâmetros das artérias e perceber a influência de patologias como, por exemplo, a arterosclerose no comportamento da parede arterial. Dentro da área clínica, é possível o estudo do transporte e difusão de nutrientes ou drogas terapêuticas, como as que provocam vasoconstrição ou vasodilatação.

No entanto, segundo Feijóo, o Modelo 1D não fornece informações do que ocorre na parte transversal da artéria, pois nele a secção transversal é vista apenas como um ponto. Esta questão foi solucionada pelo segundo modelo desenvolvido, o Modelo 3D ou tridimensional, o qual permite o estudo detalhado da hemodinâmica em determinadas partes do sistema arterial.

Visualização do interior da artéria carótida. Fonte: Raúl Feijóo (arquivo pessoal).

Para construir o Modelo 3D são necessárias várias etapas, explica Feijóo, entre elas está a de acoplar o Modelo 1D que fornece os dado. Além disso, para se obter a imagem tridimensional (a geometria ou forma real da artéria), o paciente é submetido a uma tomografia que, após a aplicação de técnicas de processamento de imagens, permite a reconstrução exata de sua geometria.

A equipe de Feijóo já concluiu essa etapa da pesquisa e, atualmente, procura incluir no modelo trideminsional geometrias diferenciadas. "O modelo ainda não permite criar geometrias alternativas, como por exemplo a de uma ponte de safena, e incluí-las na geometria já existente das artérias coronárias". Segundo Raúl Feijóo, até dezembro de 2002 essa última etapa estará concluída e tornará possível realizar o planejamento de uma cirurgia. "O cirurgião poderá, por exemplo, trocar uma parte de determinada artéria levando em consideração a geometria anterior e posterior à operação. Com o modelo será possível verificar esses dois quadros e estudar as várias possibilidades cirúrgicas até se concluir qual será a mais adequada, com melhores resultados hemodinâmicos considerando-se as especificidades de cada paciente", afirma Feijóo.

A muldisciplinaridade necessária
De acordo com Raul Feijóo, as pesquisas que relacionam modelagem matemática e medicina acabam envolvendo outras áreas do conhecimento como engenharia, química, física, biologia, métodos de simulação computacional, engenharia de software e visualização computacional, entre outras. "É necessário a participação de grupos multidisciplinares de pesquisadores nessas diversas áreas do conhecimento. No entanto, falta diálogo entre essas áreas e os benefícios que a modelagem matemática e computacional pode proporcionar à medicina dependem da superação de dificuldades como essa." diz Feijóo que defende a necessidade de criação de uma sistemática que permita o intercâmbio frutífero entre esses especialistas.

O professor da USP, Koichi Sameshima destaca esta mesma dificuldade. Sameshima afirma que em termos práticos, a matemática é um instrumento ou uma linguagem fundamental para compreensão ou modelagem de fenômenos biológicos e de doenças, no entanto, existe uma resistência natural de médicos e estudantes de medicina em incorporar esse instrumento. Além disso, ele ressalta um outra dificuldade relacionada a estrutura universitária brasileira. "A multidisciplinaridade é a ordem do dia para se poder desenvolver as áreas de matemática e computação científica aplicadas na medicina e biologia. A nossa estrutura universitária dificulta esse tipo de interação, pois um departamento de fisica, por exemplo, teria dificuldade em contratar, um pesquisador biólogo. O mesmo vale para uma faculdade de medicina tentando contratar engenheiros, matemáticos ou fisicos como docentes ou pesquisadores, mas gradativamente essa situação está se modificando para melhor", afirma Koichi Sameshima.

Com intuito de aproximar competências dessas áreas e aumentar a interação entre pesquisadores da América do Sul, Feijóo idealizou e atualmente é o coordenador geral do Centro de Modelos Complexos, situado no Laboratório Nacional de Computação Científica - MCT.

No exterior também existem várias iniciativas para dar visibilidade aos trabalhos na área de modelagem matemática, que demonstram o quão frutífero pode ser o intercâmbio mencionado por Feijóo. A reportagem da revista eletrônica Physicsweb evidenciou, por exemplo, o papel da física nos estudos de modelagem e simulação. Entre os tópicos discutidos na conferência, a revista eletrônica Physicsweb destacou a identificação do perigo de atividade elétrica no coração e os cálculos mais exatos das doses de radiação nas terapias contra o câncer.

(MK)

Para saber mais

Artigo publicado no Radar da Ciência sobre a III Conferência de Simulação e Modelagem Aplicadas à Medicina.

 

Atualizado em 10/02/2002

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