Modelagem
matemática na previsão do tempo e do clima
Devido
ao progresso da computação e suas múltiplas
aplicações e utilidades, a modelagem matemática
tornou-se um dos instrumentos científicos mais poderosos
que existem e a meteorologia e a climatologia são áreas
que muito evoluíram com a introdução dessa
técnica. As exigências do mundo moderno e a demanda
por um melhor planejamento da economia, levaram ao aperfeiçoamento
do sistema de previsão de tempo e clima, tanto dos modelos
regionais de curto prazo, como dos modelos climáticos sazonais,
além do melhoramento da resolução do modelo
global.
De acordo com José Paulo Bonatti, Chefe da Divisão
de Modelagem do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos
(CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a
modelagem numérica que se usa para fazer a previsão
do tempo e clima, nada mais é, do que Leis de Newton aplicadas
aos movimentos da atmosfera. Como se faz isto? Não é
trivial, é algo complexo, que envolve o conhecimento de dados
hemisféricos e de conceitos numéricos acerca de como
utilizar estas equações para representar a atmosfera.
Estas equações aplicadas à atmosfera normalmente
são chamadas de modelos numéricos, que, por sua vez,
tentam representar os fenômenos que acontecem na atmosfera
(os movimentos do sol que aquecem a superfície e os oceanos),
os processos físicos de formação de nuvens,
chuvas, ventos fortes e também a diferenciação
de condições dos mares, continentes, solos e vegetações.
Tudo isso tem que estar representado dentro dos modelos, porque
são dados vitais para se fazer a previsão do tempo.
Como
são compostos os modelos
As
pesquisas científicas da atualidade são em grande
parte gestadas e desenvolvidas em ambientes informatizados
e, além da interdisciplinaridade, privilegiam a experimentação,
a simulação e a modelagem de fenômenos
a partir da coleta de dados para a realização
de seus estudos.
Hoje
dispomos de inúmeros mecanismos de captação
de informação, mas como essa
informação é múltipla na sua natureza,
variada no seu grau de precisão e extremamente
complexa, para que haja um eficaz processamento desses dados,
o que normalmente se faz, é a sua conversão
num sistema de representação numérico,
que seja reconhecido pelos computadores.
Dessa
maneira são compostos os modelos matemáticos,
que consistem num conjunto de registros e parâmetros
que traduzem as características e atributos do mundo
real. Para que melhor se possa analisar uma determinada realidade,
se constrói um modelo que ajude a entendê-la
e a decodificá-la. Evidentemente, um modelo é
bem mais simples que a realidade, exatamente para que se possa
manipulá-lo e fazer experimentações,
mas à medida que surgem novas possibilidades de observação
do sistema real, novos elementos vão sendo introduzidos
na representação e o modelo vai se aperfeiçoando.
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Só
que a distribuição desses dados é totalmente
irregular e os modelos necessitam de uma distribuição
regular para poder efetuar as contas. Há, então, uma
etapa do trabalho (a interpolação do campo irregular
para o regular) que demanda uma técnica muito sofisticada.
Isto é o que se denomina resolução do modelo.
Há que se dividir o globo terrestre na horizontal, em retângulos
ou quadrados, e na vertical, em camadas. A superfície da
atmosfera é dividida como quadrados. No caso, trabalha-se
com quadrados de 200 x 200 km, 100 x 100 km e 40 x 40 km. No centro
é preciso ter um valor que se supõe válido
para todo esse quadrado. Na vertical, só se consegue trabalhar
com alguns valores, que precisam ser divididos como se fossem camadas.
Daí é feita a transferência dos dados observados
para uma grade do tipo tridimensional, num dado instante fixo, isto
é o que se chama de condição inicial do modelo,
uma transferência daquelas variáveis observáveis
e totalmente irregulares para algo bem regular. Desta forma, o modelo
consegue fazer a leitura.
Para
fazer o processamento de modelos complexos, como o que reproduz
o sistema oceano-atmosfera, ou a previsão para médio
prazo, com metodologias avançadas, o CPTEC possui um supercomputador
(NEC SX4-8), com capacidade de 16 GigaFlops, ou seja, capaz de realizar
16 bilhões de operações aritméticas
por segundo.
O Centro
fornece a previsão diária de tempo obtida por prognósticos
numéricos, imagens de satélites meteorológicos
e informações captadas pelas redes de plataformas
de coleta de dados hidrometeorológicos.
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Mapa
ilustrativo das temperaturas mínimas em todo o país,
resultante da aplicaçãos dos modelos. Fonte:
CPTEC/INPE. |
As
variáveis medidas pelas estações de superfície
na terra, basicamente são, temperatura, pressão, umidade
e ventos. Elas são medidas na superfície. Para fazer
medições em determinadas altitudes são utilizados
balões estratosféricos, que fazem o que se chama de
sondagem. Eles vão medindo a pressão, temperatura,
umidade e pelo deslocamento do balão, se mede o vento também.
Isto significa que há uma maior precisão dos dados
coletados perto da superfície, que vai piorando quanto mais
aumenta a altitude. Por isso, são utilizados dados de satélites
também. Mas estes dados são derivados, não
são medidas diretas, uma vez que os satélites não
medem a temperatura, pressão, etc, mas sim a radiação.
Há também navios, bóias e aviões que
reportam dados.
Existe
um sistema mundial de observação, que é coordenado
pela Organização Meteorológica Mundial, chamado
Sistema Global de Telecomunicação (GTS). Este sistema
é distribuído ao redor do globo e as medições
(de responsabilidade de cada país) são feitas em horários
pré-definidos. Os dados são todos reunidos em centros
regionais, onde estes levantamentos são feitos, sedno o centro
mundial mais próximo o de Washington (outros centros mundiais
estão localizados em Moscou e Melbourne). Os centros mundiais
coletam os dados regionais, depois eles trocam informações
entre si e devolvem os dados para os centros. Então, todo
mundo tem acesso ao globo todo, com essas informações,
são preparados os dados que vão entrar nos modelos.
A previsão numérica depende muito das condições
do plano de tempo (o campo que dá entrada para o modelo),
porque se não houver precisão, a previsão é
ruim também. A metodologia, explica Bonatti, funciona mais
ou menos assim: há que se ter um sistema capaz de pegar os
dados em tempo real e a previsão tem de ser divulgada em,
no máximo, 6 horas depois da observação. Senão
ela não é útil. O processo é o seguinte:
recebem-se os dados, interpolam-se os dados, gera-se a condição
inicial, roda-se o modelo, preparam-se os produtos para o meteorologista
analisar e faz-se a disseminação. A interpretação
é a previsão propriamente dita que interessa ao usuário.
Quando
o CPTEC foi criado, lembra Bonatti, já existiam outros centros
no mundo, que utilizavam modelos matemáticos para previsão
do tempo. Foram feitos, então, acordos com alguns desses
centros para trazer seus modelos, mas estes foram adaptados para
a situação brasileira. O modelo global veio do Centro
de Estudos de Interações entre o Oceano, a Terra e
o Mar (COLA) dos EUA. O modelo regional veio do Centro Americano
de Previsão de Tempo (NCEP), mas atualmente já se
introduziu tantas modificações e adaptações,
que ele pode ser considerado como sendo feito aqui mesmo.
Ainda
segundo o pesquisador, hoje o CPTEC tem um projeto no qual, paralelamente
ao modelo, se está reformulando e introduzindo todas as tecnologias
modernas que já existem. "Nós já dominamos
totalmente o modelo e consideramos que é um modelo nosso".
Esse trabalho de modernização envolve quatro aspectos:
1. mudança de linguagem da programação para
uma linguagem mais moderna; 2. mudança de algoritmos (mais
modernos); 3. otimização propriamente dita e 4. paralelismo
(programar vários processadores para realizar várias
contas ao mesmo instante). Mas toda a eficiência depende da
máquina que se tem.
Ainda
segundo Bonatti, o objetivo é alcançar previsões
cada vez mais confiáveis e de rápido acesso para a
população e auxiliar no planejamento governamental
(há uma seção específica para a crise
de energia no site do CPTEC - http://www.cptec.inpe.br). Não
há nenhum outro site no mundo, diz, que ofereça gratuitamente
tantos produtos meteorológicos. O próprio modelo tem
um índice de acerto que é usado como padrão
de comparação. Nesse índice, nós temos
até 60% de acerto para a previsão de até 7
dias no modelo global. Para a previsão de 1 ou 2 dias, este
acerto está acima de 90%. Antes de se ter os modelos numéricos,
o acerto de 60% era para o prazo de um dia e meio. A atmosfera é
previsível até um certo limite, a partir daí
você não consegue mais fazer previsão desse
nível. O limite teórico para este tipo de previsão
seria de 15 dias. Quando se pensa na previsão de tempo para
3 meses, essa previsão é de "clima", também
feita com modelo, mas ao invés de se representar um valor,
se representa uma média do que o modelo previu para um determinado
mês. Então, se verifica se ela vai estar acima ou abaixo
do que é normal acontecer.
Conforme
explica Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Ensino e Pesquisa
em Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp, previsão do clima é
planejamento, ou seja, é saber por exemplo, qual a possibilidade
de haver geada no próximo inverno.
Hoje
as previsões de tempo para 48, 72 horas, são feitas
com computadores de altíssima velocidade, pois o número
de equações é tão grande que, se a máquina
não for potente, vai fazer a previsão depois que o
tempo passou. E a previsão é feita duas vezes por
dia, então não se pode demorar 24 horas para rodar
o programa, por isso os computadores têm que ser rápidos.
Todas
essas estimativas envolvem modelagem matemática. São
equações extremamente complicadas para a meteorologia.
Para a climatologia às vezes elas são um pouco mais
simples, porque são em grande parte previsões estatísticas.
Há
modelos próprios para as previsões desenvolvidos pelo
sistema europeu, por vários sistemas americanos ou pelo sistema
japonês. E cada instituição no Brasil roda um
modelo, de acordo com suas preferências. "Nós,
aqui, seguimos a informação que vem do INPE ou do
Ministério da Agricultura (Instituto Nacional de Meteorologia).
Nós regionalizamos a previsão do tempo", explica
Silveira Pinto.
Os
modelos da previsão de tempo são muito complicados.
"Quando se diz que a temperatura ou a pressão barométrica,
no Brasil, ontem foi tanto, em Ribeirão Preto tanto, em Nagóia
tanto ou em Washington tanto, isto está sendo considerado,
mas numa grade muito grande, onde a informação é
separada espacialmente, então, quando ela cai na nossa região,
nós temos muito mais informação para alimentar
o modelo", detalha o pesquisador.
Que
tipo de informação? Um caso típico é
o do relevo, pois nem todos os modelos feitos no mundo consideram,
por exemplo, a Serra do Japi, na região de Jundiaí.
"Quando nós corrigimos os resultados, são levadas
em considerações variáveis desse tipo. Assim
como também, a cobertura vegetal, se está na época
de plantio, se o solo está plantado ou não, se o solo
está úmido ou não", diz Hilton Silveira
Pinto. Os modelos são aperfeiçoados com informações
mais detalhadas.
Toda
modelagem aplicada à agricultura é desenvolvida no
CEPAGRI, que tem modelos para prever se vai haver geada, estiagem
ou muita chuva. Esta área de modelagem, que não é
convencional, é feita para áreas do Brasil todo, baseada
principalmente em imagens de satélites. "Hoje não
se trabalha mais sem modelo. Todo o sistema de meteorologia agrícola
é baseado em modelos. Por exemplo, para respondermos onde
no Brasil se pode cultivar milho com bons resultados de acordo com
o clima, nós fazemos uma planta crescer dentro do computador.
A gente planta uma semente de milho no computador, vê quanto
tempo demora pra ela germinar (6 dias), quanto tempo dura a reserva
da semente para que ela cresça, verifica se a temperatura
subir o que acontece, se abaixar o que acontece, se der uma geada
o que acontece. Quanto tempo leva para florescer, se a temperatura
for mais alta ou mais baixa. Quanto mais alta a temperatura, desde
que não mate a planta, ela faz com que o ciclo seja mais
curto, então a colheita vai ser antes. Você planta
uma cultura de milho dentro do computador, examina com o modelo
o clima mais adequado para que esta planta produza o máximo
possível no fim de 120, 110 dias, ou seja, nós modelamos
uma planta, para dizer onde no Brasil se pode plantar milho com
melhor resultado, supondo que o clima seja aquele que a gente espera",
explica o diretor do CEPAGRI.
Na
definição do pesquisador, a previsão do tempo
hoje é boa, mas ainda está longe do ideal. "É
boa ao prever que há 100% de probabilidade que à tarde
chova, haja raios, trovões, temporal, em algum canto. Mas
o grande problema é saber com uma precisão maior,
onde vai acontecer isso. Será que vai ser na Unicamp ou no
centro da cidade? Onde vai ocorrer o temporal não se sabe,
isto só sabemos, no máximo, com uma hora de antecedência",
explica. "Para a defesa civil isso é muito complicado,
para a agricultura não, porque a planta resiste bem a uma
margem de erro, se a previsão for que vai chover 20mm e chover
10 ou 30, a planta se vira. Agora o problema urbano é diferente,
se disser que vai chover 10mm e chover 20, tem enchente ou não
tem. Isto os modelos ainda não conseguem resolver",
completa.
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Mapa
ilustrativo das temperaturas médias no Estado de São
Paulo, resultante da aplicação de modelos matemáticos.
Fonte: CEPAGRI/UNICAMP. |
Os
modelos estão ficando cada vez melhores, mas a questão
das estações do ano, por exemplo, ainda é problemática.
No inverno o acerto é de 95%, mas no verão é
menor. Mesmo assim, é comum as pessoas ligarem para o CEPAGRI
e perguntarem sobre a previsão do tempo tendo vista seus
compromissos pessoais e de viagem. "Nós temos serviços
de previsão na Internet, por telefone ou fax. A demanda
é muito alta. Na Internet nós temos uma média
de 1700 visitas diárias, na véspera de feriados, este
número sobe para uma média de 2800. No Brasil nós
estamos entre os 600 sites mais consultados rotineiramente. Como
o nível da previsão de tempo no país está
ficando muito bom, as pessoas começam a acreditar mais e
passam a entender a utilidade desta, para sua vida cotidiana",
orgulha-se Hilton Silveira Pinto.
(MP)
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