Modelos
desvendam crise da pesca no litoral sul de São Paulo
A
pesca é uma atividade econômica importante para as
cidades localizadas no estuário do litoral sul do estado
de São Paulo. Em Iguape, Cananéia e Ilha Comprida,
pelo menos 2.500 pessoas sobrevivem da pesca artesanal ou industrial.
Entretanto, a falta de incentivos financeiros, de fiscalização,
a pesca predatória e a degradação ambiental
estão ameaçando o "ganha-pão" dos
pescadores, principalmente dos artesanais. Diversas espécies
de peixes, crustáceos e moluscos correm o risco de desaparecer
das águas estuarinas, consideradas pela International Union
for the Nature Conservation (IUCN) como um dos mais importantes
e produtivos berçários da vida marinha do mundo.
|
Modelagem
matemática estabelece a captura máxima sustentável
para espécies do litoral sul, como o camarão-sete-barbas
|
Desde
1976, e há seis anos de forma sistemática, o Núcleo
de Pesquisa de Cananéia, do Instituto de Pesca (IP), coleta
dados da produção pesqueira do estuário. Através
de modelos matemáticos, esses dados podem estimar, por exemplo,
a captura máxima sustentável para cada espécie,
possibilitando o seu manejo e a sua conseqüente conservação.
Assim, são avaliados e comparados a dinâmica populacional
de algumas espécies marinhas, a biomassa (quantidade de animais
de uma espécie em uma determinada área) e o rendimento
da pesca (a quantidade de animais pescados). Os resultados obtidos
são, ainda, contrastados com a Captura por Unidade de Esforço
(CPUE), que os cientistas definem como o esforço da atividade
pesqueira sobre determinado recurso, calculada através da
quantidade de pescado (em quilogramas) que cada pescador adquire
por dia de trabalho.
Dentre
as espécies ameaçadas estão aquelas que, em
décadas anteriores, eram abundantes nas redes dos pescadores
e, ainda hoje, figuram como os principais alvos da pesca. Em Cananéia,
o camarão-sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri) e, em
Iguape, a manjuba (Anchoviella lepidentostole) são
as espécies mais comuns desembarcadas nos portos da região.
O tempo de coleta sistemática de dados ainda é bastante
curto para concluir com precisão o que ocorre com a vida
no estuário. "Para inferir resultados precisos através
da modelagem matemática é preciso levar em conta uma
escala de tempo de, no mínimo, dez anos", explica o
oceanógrafo Edison Barbieri. Apesar disso, já é
possível verificar situações que são
sinais de alerta da natureza.
|
A
legislação do defeso para o camarão precisa
ser reavaliada. Defeso atual sugere preocupação
comercial e não ambiental
|
Tanto
o camarão-sete-barbas quanto a manjuba apresentaram, nos
últimos anos, declínios em suas populações
e diminuição da biomassa. No ano passado, a tradição
da captura do camarão-sete-barbas, em Cananéia, chegou
a ser superada pela da corvina, espécie de peixe encontrada
em todo o litoral do estado.
O pesquisador
do IP, Jocemar Tomasino Mendonça, avisa que a legislação
que determina o período de defeso (quando a pesca é
proibida, na época da desova e quando indivíduos jovens
estão na fase de crescimento) precisa ser revisado e reformulado
no caso do camarão. Para ele, o que existe hoje é,
na verdade, um "balaio do defeso", no qual estão
incluídas diversas espécies de camarão, como
o rosa, o ferrinho, o branco, o vermelho e o sete-barbas. O mesmo
período de defeso é determinado para espécies
que têm, por exemplo, épocas diferentes de reprodução.
Além disso, esse defeso visa essencialmente à proteção
do camarão-rosa (Farfatepenaeus brasiliensis e F.
paulensis), de fevereiro a maio, época em que há
o recrutamento (quando os camarões jovens começam
a se juntar com os adultos). O defeso deveria ocorrer de outubro
a dezembro, durante o período reprodutivo. Porém,
isso não é feito porque justamente nesses meses há
grande fluxo turístico no município. Diminuir a oferta
de camarão no mercado prejudica a economia local. O defeso
também poderia abranger os meses de recrutamento da espécie,
quando há maior número de juvenis, o que acontece
no primeiro trimestre do ano, em plena temporada de verão.
"Se nada for feito para proteger o camarão-sete-barbas,
a sua pesca será economicamente inviável. A legislação
do defeso está baseada em dados comerciais e não técnicos",
enfatiza Mendonça.
Manjuba
|
A
pesca com a arte corrico contribui para diminuir a população
de manjuba no rio Ribeira de Iguape
|
Em
Iguape, o cálculo da biomassa e rendimento da pesca da manjuba
através dos modelos matemáticos de Jones e de Thompson
& Bell, entre os anos de 1997 e 2001, não traz resultados
mais animadores. A biomassa sofreu redução acima de
15% e o rendimento, na safra 98/99, chegou a cair 39%. Segundo Mendonça,
"a produtividade dessa espécie apenas aumentará
caso haja uma redução de 70% no esforço de
pesca". E isso não passa de sonho.
Esses
valores apenas reforçam a idéia de que há exploração
excessiva do recurso. Um fator que contribui para aumentar a sobrepesca
é o emprego da arte de pesca denominada "corrico".
Ela pode ser utilizada individualmente, ao contrário do que
ocorre com a manjubeira, que precisa ser manejada por quatro pescadores.
E muitas pessoas, mesmo com pouca habilidade, adquirem o corrico
e recorrem à pesca da manjuba pela necessidade de sobrevivência.
Assim, aumenta-se o esforço pesqueiro e compromete-se a espécie.
Os
pesquisadores do IP alertam que a aplicação do defeso
é uma alternativa que resulta em aumento de biomassa. No
entanto, é preciso fazer um trabalho paralelo sobre a comercialização.
A maior parte da produção ainda é vendida "in
natura", mas agregar valor ao produto é uma saída
econômica e ambientalmente eficiente. Na maioria das vezes,
para obter lucro, o pescador tem que aumentar a produção
e, dessa forma, aumentar o esforço da pesca sobre a manjuba.
Manejo
adaptativo
A manjuba
é uma espécie de peixe de vida curta, chegando a 3
anos e 4 meses, e com condições de se reproduzir apenas
a partir de um ano. Assim, para garantir a sobrevivência da
espécie, ela é bastante dependente do estoque de peixes
que podem desovar e das condições ambientais. Por
exemplo, quando há muita chuva, aumentando a vazão
do rio Ribeira de Iguape, a incidência de manjuba aumenta
no estuário. Isso por que ela é uma espécie
anádroma, isto é, que precisa migrar para áreas
de água doce para se reproduzir. Nesse caso, a manjuba migra
do Oceano Atlântico para as águas do rio Ribeira.
Levando
essas peculiaridades em consideração, o Instituto
de Pesca sugere que se faça o manejo adaptativo da manjuba.
Isso significa adotar práticas de manejo que considerem a
relação entre o estoque em exploração
e as variáveis ambientais que incidem sobre ele. O mais importante
é que esse manejo considera que o rendimento máximo
sustentável adquirido sob condições ambientais
favoráveis não pode ser mantido sob condições
desfavoráveis. No caso da manjuba, o que deve ser entendido
como condição favorável é a alta pluviosidade.
A quantidade de chuva condiciona a vazão, que condiciona
a entrada da manjuba no rio e a sua reprodução.
Com
esses argumentos, pode-se alertar o poder público e a sociedade
sobre o desastre ambiental que pode ser provocado pela construção
de barragens no rio Ribeira, o único rio de porte médio
do estado de São Paulo que ainda não as possui em
seu leito. Uma barragem impediria que se completasse o ciclo produtivo
da manjuba.
Preservar
o homem - Plano algum de conservação pode
ser eficaz sem ordenamento e controle rígido do cumprimento
de normas ambientais.
O defeso
não funciona sem fiscalização. Um exemplo é
o que acontece com o camarão-rosa. As estatísticas
do IP demonstram que sua população continua diminuindo.
Esse fato deve-se ao tamanho da frota pesqueira que captura esse
camarão e às falhas na fiscalização.
Também
com a manjuba verifica-se o descaso da lei e a falta de manejo da
atividade pesqueira. Ao longo das últimas safras tem ocorrido
a diminuição dos comprimentos médios da manjuba.
Essa é uma conseqüência do atual sistema de pesca,
que, provavelmente, recai sobre indivíduos em idade reprodutiva.
E não
há fiscalização ou lei que resistam à
miséria humana. É certo que a pesca de arrasto é
criminosa e, em grande parte, praticada por barcos grandes em toda
a costa brasileira, às vistas do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Ela é permitida a 1,5 milhas da costa (exceção
para o estado do Rio Grande do Sul que limita a 3 milhas), mas em
todas as horas do dia ou da noite é possível avistar
barcos arrastando a menos de 100 metros da praia. Na pesca de arrasto,
os barcos industriais utilizam redes de malha fina capazes de capturar
até mesmo tartarugas e golfinhos. As espécies com
pouco valor comercial são rejeitadas. Para se ter uma idéia
do tamanho desse crime ambiental, muitas vezes 70% do que é
capturado é abandonado morto.
Muitos
pescadores artesanais são impelidos a pescar de forma predatória,
utilizando o arrasto ou exercendo a atividade em época de
defeso, para garantir a sua sobrevivência. O oceanógrafo
e pesquisador Jocemar Mendonça, que há seis anos estuda
e acompanha a pesca no estuário, resume a situação
do pescador artesanal. "Deveria haver um seguro para os pescadores
durante o defeso do camarão. Ele (o seguro), na verdade,
existe, mas é de 180 reais. Ninguém pode viver dignamente
com apenas isso. Também deveria haver linhas de crédito
para que o pescador artesanal de poucos recursos pudesse adquirir
outras artes de pesca para mudar o seu alvo de captura durante o
defeso de uma determinada espécie".
(SN)
|